Malu Gaspar
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Malu Gaspar

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Por — Brasília

Apesar das manifestações públicas de repúdio por parte da ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, e dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, o governo Lula “lavou as mãos” na discussão do projeto que equipara a punição para mulheres que fizerem aborto legal após a 22ª semana de gestação à pena para homicídio.

O texto, de autoria do deputado evangélico Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), proíbe a interrupção da gravidez depois de 22 semanas, mesmo em caso de estupro – e estabelece uma pena para a mulher maior até do que a imposta aos estupradores.

Atualmente, a lei garante o direito ao aborto para salvar a vida da grávida ou quando a gestação é fruto de estupro. Em 2012, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu também a permissão ao aborto no caso de fetos anencéfalos. Mas não há, na legislação, um limite gestacional para a realização do procedimento.

Antes da votação, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou que a questão “não é matéria de interesse do governo”. Nos bastidores, a orientação foi de que os partidos da base não se opusessem ao projeto e aderissem à votação simbólica que aprovou a urgência na noite de ontem.

Numa votação simbólica, a posição de cada deputado não fica consignada. Mas, como o PT aderiu à votação, o resultado é que os 68 deputados de sua bancada chancelaram a posição da ala conservadora no caso, que incluiu o PL de Jair Bolsonaro.

De acordo com lideranças dos partidos de esquerda no Congresso, o objetivo dessa orientação do governo era evitar ainda mais desgastes em uma das piores semanas da administração petista, que enfrentou a devolução, por parte do Congresso, de uma medida provisória acabando com a cumulatividade do PIS/Cofins.

Havia, também, um temor da reação do público evangélico, de quem Lula gostaria de se reaproximar. O próprio autor do projeto, Sóstenes Cavalcante, chegou a afirmar à Folha de S.Paulo que a votação seria “um bom teste para o Lula provar aos evangélicos se o que ele assinou na carta era verdade ou mentira”.

A fala do deputado remete ao documento assinado pelo então candidato do PT à Presidência da República nas eleições de 2022, onde ele afirmava ser contra o aborto e rechaçava banheiros unissex em escolas, além de garantir que não fecharia templos.

A postura da liderança do governo facilitou a aprovação da urgência para o projeto em apenas 24 segundos, sem qualquer debate prévio.

Com isso, a cúpula lulista passou por cima da manifestação da ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, que divulgou nota antes da votação na Câmara, afirmando que o “país vive uma epidemia de abuso sexual infantil”.

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou em 2022 o maior número de estupros da série histórica iniciada em 2011: 74.930 vítimas, um crescimento de 8,2% em relação a 2021.

“Não podemos revitimizar mais uma vez meninas e mulheres vítimas de um dos crimes mais crueis contra as mulheres”, escreveu a ministra, que não foi ao Congresso fazer lobby na tarde de terça-feira. Antes da votação, ela tentou uma audiência com o presidente da Câmara, Arthur Lira, mas não foi recebida.

O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, também divulgou nota dizendo que o projeto é “vergonhosamente inconstitucional, pois fere o princípio da dignidade da pessoa humana e submete mulheres violentadas a uma indignidade inaceitável”. Almeida também não foi ao Congresso para pressionar os deputados.

Na prática, só dois partidos de esquerda – o PSOL e o PCdoB – se opuseram publicamente ao projeto em falas contundentes durante a sessão. “A gente fica aqui se perguntando aqui se a filha de um de vocês fosse estuprada, o que vocês fariam?”, questionou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Depois que a urgência já tinha sido aprovada com o aval do PT, o líder da bancada do partido, Odair Cunha (PT-MG), se manifestou para "registrar a posição contrária do PT".

Parlamentares do PSOL defendiam a realização de uma votação nominal para decidir sobre a urgência do projeto de lei, com a transparência e a publicidade da posição de cada parlamentar.

Para o PSOL, a votação nominal auxiliaria o movimento feminista como instrumento de pressão e cobrança com a divulgação dos votos individualizados. O PT, por outro lado, preferia a votação simbólica para blindar sua bancada de desgastes perante o eleitorado conservador a quatro meses das eleições municipais.

Segundo relatos obtidos pela equipe da coluna, integrantes do PT chegaram inclusive a pedir a parlamentares do PSOL para não insistirem na votação nominal.

Agora, com a aprovação do requerimento, o mérito da iniciativa pode ser analisado e discutido diretamente no plenário da Câmara, sem a necessidade de passar por comissões.

Capa do audio - Malu Gaspar - Conversa de Bastidor
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