Joaquim Ferreira dos Santos
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Joaquim Ferreira dos Santos

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Joaquim Ferreira dos Santos

Nasceu no Rio e é jornalista há 50 anos, tendo trabalhado nos principais veículos do país. Publicou dez livros, entre eles a biografia de Leila Diniz.

Por Joaquim Ferreira dos Santos

Elas não cantam, elas ronronam que te amam, às vezes que estão indo embora, mas nada do que dizem importa muito porque acima de tudo está o murmúrio sensual de suas vozes. Cantam como se fosse um acalanto para adultos, um suspiro que desfalece, desarruma os sentidos de quem ousa lhes emprestar os ouvidos.

Françoise Hardy, a cantora francesa que se foi semana passada, a mais linda franja da década de 60, tinha um sopro de voz assim, um jeito melancólico de perguntar para que serve o amor, de que serve sofrer tanto. Fazia isso num quase suspiro de não-cantora. Ciciava. Vestida de preto da cabeça aos pés, cochichando os versos desiludidos de “La question”, ela é um apelo mais sugestivo que o sexo oral de Anitta e Madona no quadradinho da praia de Copacabana.

Eu gosto dessas mulheres que fecham os olhos, cantam baixinho, mas tão baixinho, que você precisa chegar bem perto delas, sentir-lhes o hálito de flor da noite e pedir, por favor, que repitam tudo de novo, agora mais baixinho ainda e diretamente dentro das minhas orelhas.

A carioca Doris Monteiro foi uma das musas desse estilo elegante. Cool. Cantava somente o indispensável. Era suave até mesmo quando esquentava o ambiente das boates com a malícia molenga de “Amendoim torradinho”. Bonita, posava de maiô em meados dos 50, mas só os homens muito simples se apaixonam a partir dessas referências. O borogodó da Doris e suas amigas era a naturalidade com que a voz saía. Sem vibratos, sem artificialismos, sem perfumar a flor. Não cantam, confidenciam – e com aquele fio de voz o único que está ouvindo tantos segredos só pode ser você.

Infelizmente elas já estão quase todas na mesma nuvem de silêncio onde Françoise Hardy agora flutua ao lado da americana Blosson Dearie, uma pianista que usava óculos e uma voz de garotinha songamonga para provocar taquicardia no coração dos adultos dos anos 1950. A atriz Norma Bengell fez cenas ousadas, o primeiro nu do cinema nacional, mas a temperatura foi a mesma, ardente, quando, dentro de um vestido saco, a moda de 1958, gravou em ritmo de bossa nova os mais sofisticados gemidos da música brasileira. O título do LP era um suspirooooooso “Ooooooh!”.

Manuel Bandeira, sempre criticado como um poeta menor por não trovar contra a guerra e as mazelas sociais, também gostava dessas cantoras de tom menor, de vozes cotidianas, sem pirotecnias. Adorava o intimismo de Maysa. Depois de ouvir a cantora balbuciar suas lamúrias de amores não correspondidos, Bandeira escreveu “Maysa não é isso/ Maysa não é aquilo/ Como é então que Maysa me comove me sacode me buleversa me hipnotiza?”.

Eu, cronista menor, diria o mesmo, grande poeta. Sinto um não sei o quê parecido, a mesma confusão dos sentidos quando ouço Silvinha Telles, Alaíde Costa, Billie Eilish, Nara Leão, April Stevens, Fernanda Takai, Astrud Gilberto, Adriana Calcanhoto, Peggy Lee, Linda Ronstadt, Nina Becker, Claudete Soares, Eartha Kitt, Malu Magalhães, Julie London, Clarice Falcão, Doris Day, Wanda Sá, Lee Wiley, Carla Bruni, Melody Gardot, Lisa Ono, Rita Lee, Norma Suely, Madeleine Peyroux, Mildred Bailey e, graças a Deus, a recentíssima Mãeana. É um coral de vozes pequeninas, mas que, como o remédio antigo, resolvem a necessidade de dar sentido à vida com a beleza da arte. Acho que está na Bíblia: anjos cantam baixinho.

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