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Por — Rio de Janeiro

RESUMO

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GERADO EM: 02/07/2024 - 03:30

Jonathan Azevedo: mergulho emocional em papel de bandido

Jonathan Azevedo volta a interpretar bandido e revela impacto emocional do papel. Com ajuda psicológica, ele mergulha na complexidade do personagem e reflete sobre sua própria história, mostrando sensibilidade e amor como essenciais em sua vida.

Toda vez que Jonathan Azevedo surge como o Gilsinho da série “O jogo que mudou a história” (Globoplay) ilumina a tela. Sua atuação no papel inspirado pelo lendário traficante Escadinha tem repercutido entre colegas. Caso da atriz Andréia Horta, que define a interpretação como “digna de Emmy, cheia de tônus, brilho, intensidade, inteligência e humor”.

E olha que o ator de 38 anos havia prometido não mais interpretar bandido. Foi depois de experimentar o sucesso com o chefe do tráfico Sabiá, na novela “A força do querer” (2017) — seu talento inclusive fez a autora, Glória Perez, desistir de matar o personagem.

Ali, Jonathan passou a refletir sobre como atores pretos eram, muitas vezes, colocados dentro de estereótipos ligados à violência. Mas bastou bater os olhos no roteiro de José Junior para se envolver com a história do fundador de uma facção que dominou o Rio em 1980, e de cuja fuga de helicóptero do presídio da Ilha Grande Jonathan cresceu ouvindo falar.

Em cena: Jonathan na pele do personagem inspirado no traficante ESacadinha — Foto: Divulgação
Em cena: Jonathan na pele do personagem inspirado no traficante ESacadinha — Foto: Divulgação

Só que ouvir história é uma coisa... O personagem mexeu tanto com o ator que ele precisou de ajuda psicológica. Da laje de sua casa no alto do Vidigal, favela na Zona Sul carioca, ele explica os motivos na entrevista abaixo:

Jonathan: 'Sou esse Jonathan aqui: sensível, que chora, gosta de abraçar, cuidar e ser cuidado' — Foto: Leo Martins
Jonathan: 'Sou esse Jonathan aqui: sensível, que chora, gosta de abraçar, cuidar e ser cuidado' — Foto: Leo Martins

Em 2020, você disse que não faria mais bandido. O que te fez voltar atrás?

O intelecto do Gilsinho. Sou apaixonado por estudar. Me fascinou a busca dele por conhecimento, sempre querendo aprender. Meio Alexandre, o Grande. Queria dominar para conhecer e ir além. Falei: “Vou fazer um cara que tem a mesma saga que eu”. Cresci na Cruzada (conjunto habitacional cravado no coração do Leblon). Ali, aprendi que informação é a coisa mais valiosa que se pode ter. Ia na casa de amigos ricos que tinham livros de Nietzsche, Shakespeare, Platão. Via livros jogados no papelão da Cruzada. Foi onde busquei meus valores. Embarcando na história do Gilsinho, poderia ter novos aprendizados. E ali conheci minha sombra, dores, os cacos que juntei para montar o personagem.

Como assim?

Quando começaram as gravações, eu tinha acabado de fazer uma cirurgia no joelho. E só tirava a muleta pra entrar em cena. Adaptei o andar mancando para o personagem. Mas era uma dor... As pessoas falavam: "Como você consegue?". É que era a minha vida. É a vida do meu filho, da minha família. Precisava daquele trabalho pra manter a vida da minha família. Quando olho as cenas, vejo superação. Eu e Gilsinho nos abraçando pra superar.

Soube que o personagem te afetou a ponto de precisar recorrer à terapia...

Saí dele correndo, "desevoluindo" da psicóloga pra psiquiatra (risos). Quando a gente lê um roteiro no conforto de casa, pensa: "Que pessoa leve, engraçada". Mas quando entra em lugares que esses caras passaram... Foi tudo que estudei para não passar, tudo que temia, tudo de que fugi a vida inteira. Mexeu muito com minha cabeça. Mexeu quando estava com meu filho e, de repente, disse "pega!", quando algo caiu no chão. Vi um Jonathan autoritário que não sou eu. Não saía do personagem. Estava vivendo com ele, passando por lugares em que minha cabeça não estava aguentando.

O que foi mais forte?

Bangu I. A experiência de entrar no presídio. Um policial disse que não gostava de mim. Perguntei: “Por que? Só estou fazendo a minha arte”. Ele respondeu que trabalhava em Bangu 3 quando passou a “A força do querer”...

'O jogo que mudou a História', série do Globoplay:  “O que fazemos aqui é o pós-favela movie”, diz Babu Santana (à direita), com Jonathan Azevedo na foto: personagens inspirados em fundadores do Comando Vermelho, e episódios que atravessam os anos 1980 — Foto: Divulgação/César Diógenes
'O jogo que mudou a História', série do Globoplay: “O que fazemos aqui é o pós-favela movie”, diz Babu Santana (à direita), com Jonathan Azevedo na foto: personagens inspirados em fundadores do Comando Vermelho, e episódios que atravessam os anos 1980 — Foto: Divulgação/César Diógenes

Quando você estava no ar com o Sabiá...

Sim. E o carcereiro continuou. Disse que se agora eu estava lá como Gilsinho, aquilo provava que eu tinha que passar por ali de uma forma ou de outra. Disse que, se me pegasse na rua, acabava comigo. Eu: "Que isso chefe! Nunca fiz nada contigo". E ele: "Não sabe o que faz com a cabeça desses caras (os presos). Se souberem que tu tá aqui, e você falar 'vamos sair dessa porra, agora', os caras levantam e vão".

Nossa... E o que você sentiu quando ele te falou isso?

Não tinha noção de o quanto aqueles caras me respeitavam. Nessa reflexão de que a balança sempre quebra para os menos favorecidos, minha mente pirou. Questionei o que era a minha arte, para onde ela me levou e para onde esses personagens estavam me carregando. Disse à psicóloga que precisava tirar aquilo da minha cabeça. Que aquela vivência era de uma outra pessoa, mas que me afetava tanto quanto. Viver é muito diferente de refletir. E tive que viver.

Jonathan: Ator abriu a agência Carta Preta para formar jovens e levar dinheiro para comunidades — Foto: Leo Martins
Jonathan: Ator abriu a agência Carta Preta para formar jovens e levar dinheiro para comunidades — Foto: Leo Martins

E aí tomou contato com uma realidade que poderia ter sido a sua...

Exatamente. A gente aprende que tem luz e sombra. E que temos que respeitar a nossa sombra. Foi muito autoconhecimento.

Com o Sabiá não tinha passado por algo parecido?

Em termos de preconceitos e racismo, passei por várias provações como essa e já estava bem resolvido com isso. Mas em termos artísticos, não. Nunca tinha olhado pra mim dessa forma. O Sabiá é uma coisa que não consigo nem ver. Tenho medo dele. Se estivesse na rua, não ia conseguir trocar ideia com aquele cara. Já o Gilson é alguém que eu quero abraçar, tomar uma cerveja.

Isso te aproximou ainda mais de um bandido real, que construiu, inclusive, com relatos da sua família. Ela conhecia bem a história do Escadinha, né?

Exato. Foi uma construção com algo que reuni tudo que tinha de referência. Para minha mãe, meu pai e as pessoas de onde venho, a história dele é tão marcante que sabem exatamente onde estavam e o que estavam fazendo quando a história aconteceu. A história do Escadinha e a da série (sobre o surgimento das facções do narcotráfico no Rio de Janeiro nos anos 1970 e a trajetória dos criminosos). A primeira vez que ouvi falar da narrativa da fuga de helicóptero do Escadinha foi pela minha mãe. Ela e toda parte feminina da minha família achava ele um gato, estiloso. O cara era um estrategista, empreendedor. Acho que emprestamos carisma um para o outro, nós dois precisamos de carisma para sobreviver. A coragem do Jonathan e a do Gilson andaram de mãos dadas. A recepção que minha arte está tendo tem muito a ver com a história forte dele. Foi prazeroso pesquisar essa história porque estava conversando com minha família. Não tem nada no Rio que não tenha uma pitada desse rapaz. Ele ajudou a organizar, inclusive, esse ambiente onde estamos conversando...

Um ambiente chamado favela.

Isso. O olhar dele, de estar onde o Estado não está, inspira pessoas até hoje. Se tenho uma empresa chamada Carta Preta para trazer recursos para a comunidade e conhecimento para jovens... é o que o Gilsinho faria. Pode parecer romantizar, mas quem viveu sabe que os caras daquela época eram meio Robin Hood. Eu pensava que não ia fazer outro bandido nunca mais. Mas trouxe algo que esses caras têm e ninguém vê: o amor. Eles também amam, têm afeto, família. Quem tem vida, tem tudo a perder.

Você mora no Vidigal há uns 20 anos. Já criou nas redes vários personagens repletos de humor e crítica social, todos baseados no cotidiano do morro, que funciona como um caldeirão de inspiração para você, né?

Aqui a gente consegue ver aqui coisas que a TV não mostra. Por mais que a novela tente reproduzir, só quem está aqui vivencia. A Kraudinha (trabalhadora do lar que ele criou na pandemia) são todas as minhas madrinhas, tias, vizinhas que fazem a vida de muita gente acontecer. São pessoas que conheço e quero mostrar o que têm de melhor. Legal é que isso só vira comédia pela reflexão traz. Minha arte só fica verdadeira quando tem uma reflexão. Que mexe com o sorriso, mas também com a mente. Que faça alguém ser melhor a partir dali.

Cena de 'O jogo que mudou a História' — Foto: TV Globo
Cena de 'O jogo que mudou a História' — Foto: TV Globo

Você disse que trouxe o amor para o trabalho de composição dos bandidos que interpretou. E também foi o amor que te salvou na vida, ao ser adotado, recém-nascido, por um casal até então desconhecido, após um abandono. Como foi descobrir a verdade, aos 16 anos?

Uma vizinha que sabia e me contou. Foi duro. Desmaiei. Acordei na cama da minha mãe, com meus pais me explicando tudo. Me senti fraco. Não entendi por que aquilo tinha acontecido (ter sido abandonado pela mãe biológica). Mas também descobri o amor de verdade, porque eles me escolheram. Me senti nada e tudo. Me senti impotente e essa impotência me deu coragem para ser a potência que sou hoje. Saber que, por mais que seja filho adotivo, tenho pai e mãe que me dão amor e estão comigo nas batalhas, dando certo ou errado.

E foi se construindo com a ajuda da representatividade de gente como o rapper Sabotage. O que aprendeu com ele?

Muitas coisas que não conversava com o meu pai, conversava com Mauro Mateus dos Santos, o Sabotage. Ele me contava que não era preciso ser forte toda hora, mas nos momentos certos. Quando tinha confusões na cabeça e queria extravasar, me mostrava que com caneta e papel dava para construir um mundo. Então eu ia para a poesia. Ele mostrava que coragem é ser quem se é. Não tem coisa mais sinistra. E hoje eu não abro mão de ser quem eu sou. Independente do que falem. Sou esse Jonathan aqui, que chora, que é sensível, que gosta de abraçar, que gosta de cuidar e ser cuidado. Não vou abrir mão disso. Porque abriria? Para mostrar que sou machão? Não rola.

Nem para Matheus, seu filho de 4 anos... Em depoimento numa matéria, seu amigo William Reis disse: “Ter Jonathan se desconstruindo ao exercer a paternidade, é importante para nós, homens negros, historicamente associados a quem abandona a família, agride e tem que ser forte e garanhão. Ele nos ajuda a sair do estereótipo”.

Esses gestos forjaram alguns amigos meus, de coração bom, mas que nunca despertaram o melhor deles. Não se permitem chorar, falar de sentimento nem confiar numa mulher independente. Quando acredito e confio em mim, é um prazer aprender com o outro. Só uma coisa vai manter a gente de pé: respeito, que é o princípio do amor. E tento passar isso ao meu filho. Tenho respeito pela mãe dele (a estilista Maria Patrícia Borges), pela história dela e penso que isso vai fazer ele ser um ser humano respeitoso.

Matheus é fruto de uma amizade. Já ouvi você dizer que muita gente não entende essa amizade. As pessoas têm dificuldade em aceitar o que é fora do padrão?

Exato. É uma amizade que mudou a minha vida. A gente se cuida muito e tem esse laço que é o Matheus. Dia desses, eu estava indo para um reggae e lembrei que a mãe do meu filho estava chegando de cinco horas de viagem. Com criança e tal. Pensei: "Vou pedir um sushi pra ela, quando chegar em casa, vai ter". Lembrar que o outro existe, sabe? Não nasci para viver padrões. Sou diverso. As relações convencionais não me interessam porque são moldadas por muitas questões às quais não me adapto. Sou fã da minha verdade. Gosto não só do amor livre, mas do amor verdadeiro. Dentro do respeito, fazer o que quiser. Porque vamos fazer de qualquer forma.... Eu vou fazer. Não adianta chegar e falar: "Agora que a gente está casado, ninguém vai fazer uma porra nenhuma". A balança de tudo que é padrão, pra mim, já quebrou. É utópico. Penso que quero ser livre. E estou sendo.

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