Ricardo Henriques
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Há uma década, a inteligência artificial (IA) só circulava em avançados centros de pesquisa, sendo, para quase todos nós, tema de ficção científica. Recentemente, porém, ela invadiu nossas vidas: ao requisitar transporte, traduzir textos, analisar exames de imagem, organizar literatura acadêmica etc. Suas potencialidades e riscos ainda estão sendo mapeados, mas a expectativa é de que irá alterar de forma abrangente e profunda vários setores.

O campo educacional já é dos mais afetados. Pais, professores e gestores receiam pela substituição do trabalho docente, pelos vieses dessas tecnologias, pela desigualdade que podem promover, entre outros pontos. De fato, modelos de Linguagem de Larga Escala (como o ChatGPT) que não possuem feedback humano tendem a gerar textos com mais conteúdos misóginos e sexistas, como afirma o recente estudo “Challenging Systematic Prejudices”, da Unesco. Várias organizações internacionais e países, contudo, têm produzido recomendações e diretrizes para o uso da IA na educação, alertando para riscos, mas também destacando benefícios.

O relatório “Shaping the Future of Learning: the role of IA in Education 4.0”, publicado neste ano pelo Fórum Econômico Mundial, destaca que a IA pode poupar tempo de professores com tarefas administrativas, permitindo que dediquem mais atenção às aulas e à orientação personalizada dos alunos. É algo relevante, pois segundo a última edição da pesquisa Teaching and Learning International Survey, da OCDE, 38% dos professores do ensino fundamental no Brasil citaram o excesso de atividades administrativas como causa de estresse.

Outros usos relevantes da IA apontados por diferentes organizações se dão nas avaliações em larga escala, na educação para pessoas com deficiências e no desenvolvimento de competências digitais. Sobre esse último ponto, o relatório Future of Jobs Report 2023, também do Fórum Econômico Mundial, mostra que esta é uma das competências mais valorizadas entre empregadores.

O letramento digital é, portanto, essencial, desde que vá além da capacidade de usar as ferramentas, abarcando o pensamento crítico e a capacidade de resolver problemas complexos. No caso brasileiro, é preciso considerar assimetrias históricas, garantindo inclusão e equidade no acesso aos recursos tecnológicos.

Há bons usos de IA em educação no Brasil. É o caso, por exemplo, da Letrus, uma tecnologia que exige pouca infraestrutura para corrigir redações e prover feedback em tempo real a estudantes, liberando tempo dos professores para orientação mais aprofundada. Foi a única experiência das Américas e da Europa destacada no relatório do Fórum Econômico Mundial e já teve seu impacto comprovado no país, como demonstraram em artigo os pesquisadores Bruno Ferman, Lycia Lima e Flavio Rima.

A despeito disso, estamos atrasados. A Coreia do Sul anunciou um plano ambicioso — e controverso — de incorporar massivamente IA na educação básica, oferecendo ensino personalizado, para que professores se engajem mais com alunos em metodologias ativas e no desenvolvimento de competências socioemocionais.

A Austrália lançou um curto, mas relevante, marco para o uso da IA generativa nas escolas, indicando riscos e potenciais em seis dimensões: ensino-aprendizagem, transparência, ética, equidade, segurança e privacidade. Já a Colômbia publicou um marco geral para o uso ético da IA onde sugere o uso de chatbots que ofereçam apoio personalizado aos estudantes, uso de IA nas avaliações e ensino de idiomas, promoção de aprendizagem colaborativa, e na adoção de modelo de “duplo-docente” (humano e IA), entre outros.

Por aqui, contudo, a Política Nacional de Educação Digital, sancionada em 2023, sequer menciona “inteligência artificial”. O Inep, responsável pelas avaliações e exames nacionais, não anunciou se utilizará IA para corrigir redações e itens de respostas dissertativas, que ainda nem são utilizadas no Sistema de Avaliação da Educação Básica. O Conselho Nacional de Educação tampouco produziu parecer sobre o tema.

Precisamos ter um plano para que licenciaturas e pedagogias possam fomentar a fluência digital dos professores, desdobrando em práticas pedagógicas com metodologias ativas. A Capes e o CNPq também poderiam apoiar núcleos de pesquisa nas universidades, refletindo sobre desdobramentos nas práticas de ensino e aprendizagem. Precisamos lidar com os riscos, mas o mais importante é extrair os benefícios da IA na educação, sob pena de, mais uma vez, perdermos uma oportunidade e aumentarmos a desigualdade dentro do país e a nossa em relação ao mundo.

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