Saúde
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Por Alessandra Tosi*

RESUMO

Sem tempo? Ferramenta de IA resume para você

GERADO EM: 19/06/2024 - 05:13

Decisão difícil de aborto legal: complicações fetais graves

Cineasta enfrenta decisão difícil de abortar legalmente devido a complicações fetais graves na 22ª semana de gestação, causando sofrimento emocional e físico, mostrando falhas no sistema de saúde e a necessidade de maior compreensão e apoio em casos delicados como esse.

“Estávamos tentando engravidar. Juntos há oito anos, tínhamos feito todos os exames. Tudo normal, Até que no começo de 2021 eu engravidei. Quando estava com um mês e meio fiz o ultrassom e tudo estava bem, era uma sementinha ainda.

Já estava com mais de três meses quando fui fazer o segundo ultrassom. Estava toda empolgada, perguntando: “é a perninha?” “Dá para ver se é menina ou menina?” Mas o médico não abriu a boca. Quando acabou ele disse “vamos sentar e conversar”. Sem olhar para a gente, só para o computador, ele disse que o bebê tinha síndrome de Down. Liguei pra minha mãe chorando, ela tentou me acalmar, e decidimos buscar uma segunda opinião.

Minha ginecologista pediu um exame de sangue de trissomia e marquei com um outro médico, especialista em neonatal. Após o exame, ele confirmou que havia uma síndrome, mas descartou Down. Pelo ultrassom, disse que era Edwards, uma doença fatal.

Eu estava de quatro meses. O médico me recomendou um exame chamado NIPT, um estudo de cariótipo feito nos Estados Unidos que leva, no mínimo, 15 dias. Então, a gente ficou nessa angústia nesse período, na espera, rezando.

Tinha a esperança que tudo fosse um engano. Pensava: “Não é possível. Sou uma pessoa boa, eu quero tanto ser mãe.” Não quis pesquisar na internet, para não ficar me torturando. Quando chegou o resultado do NIPT, apontava com 98% de precisão que era Síndrome de Edwards.

Liguei para a minha ginecologista e ela simplesmente me falou, pelo telefone, “bom, então, espera nascer”. Eu pedi uma consulta, estava perdida. Mas na consulta ela foi bem fria, e disse: “sou sua médica desde os seus 15 anos, mas não tenho o que fazer agora, só esperar o parto. Qualquer coisa diferente disso não posso fazer parte, porque vai contra minha crença”. Até então não tinha se falado em aborto.

Quando saí da consulta, minha casa caiu. O sentimento de solidão foi infinito. Você gestar e pensar na morte é um negócio que não entra na cabeça. Queria muito ser mãe, estava na expectativa e já tenho um trauma da morte [o pai e dois irmãos faleceram em um acidente de carro quando tinha 15 anos]. Então, foi assustador. Ninguém me dizia o que estava acontecendo com o bebê, o que ia acontecer comigo, ninguém me olhava no olho. Se o seu médico, que é seu lugar de referência, te abandona, você não tem a quem recorrer.

A minha cabeça foi até o inferno. Chegou um momento em que pensei em acabar com a minha vida. Talvez fosse a maneira mais fácil de resolver. Você se questiona por que está passando por isso. E por que nunca tinha escutado uma história dessa antes? Por que que ninguém fala sobre isso? De certa forma, é ensinado para às mulheres que elas têm que ficar quietas. E, no fundo, você se culpa. Pensava se tinha feito algo errado, sei lá o paracetamol que tomei quando tive enxaqueca e não sabia que estava grávida.

Fiquei dias, semanas na cama. Não dormia, passava noites em claro, chorava muito. Chamava pelo meu pai. Até que contei tudo para uma amiga. E ela me disse para procurar o SUS, que só pelo SUS eu poderia ter um direcionamento. Aí consegui ir ao Hospital Vila Nova Cachoeirinha, que salvou minha vida. Cheguei muito nervosa, mas a médica que me atendeu foi a médica mais humana que já conheci. Ela sentou ao meu lado, e imediatamente comecei a chorar. Ela pegou na minha mão, começou a chorar comigo e falou: “eu vou te ajudar porque antes de qualquer outra coisa eu estou aqui para salvar sua vida”.

Ela me examinou, analisou todos os exames e confirmou que o bebê tinha síndrome de Edwards. Explicou que a doença era fatal, que a chance de sobrevivência era zero, que não tinha o que fazer. Me encaminhou para o médico do ultrassom, que também foi muito humano, e ele me mostrou que o feto não tinha muitos órgãos, só o coração, que estava do tamanho dobrado, ou seja, já tinha um problema cardíaco muito grave. Não tinha fígado, estômago, intestino. No lugar dos órgãos era uma mancha escura. Foi nesse momento que descobri que era uma menina. O Victor escolheu o nome Luna. Acho que tem poesia nisso, porque a gente vai saber que ela está por perto. A lua nasce todos os dias.

A médica viu o ultrassom e disse: “vamos solicitar o aborto legalizado, porque não tem o menor cabimento você manter essa gravidez correndo risco de vida”. Estava com a pressão muito alta. Isso tinha a ver com a gestação, mas também com o meu estado psicológico e emocional, porque lidar com uma situação dessa, é humanamente impossível.

Tive que refazer todos os exames, mesmo com tudo, porque é obrigatório que tudo seja feito pelo SUS. E o resultado do novo cariótipo demoraria 30 dias para sair.

Acho que a esperança nunca acaba. Mas eu também tenho um senso de realidade e o médico do ultrassom deixou bem claro que os órgãos não se desenvolviam e que se a gravidez continuasse a chance de que ocorresse um parto prematuro entre 6 e 7 meses era muito grande. E depois ela ficaria numa incubadora, anestesiada. E ele falou: “existe uma máquina externa para fazer o coração bater? Existe. Uma máquina para fazer o pulmão respirar? Existe. A gente pode alimentar por sonda? Pode. Mas isso é dignidade de vida?”

Pensei: vou deixar a minha filha numa máquina de tortura? Porque pra mim isso parecia um filme de terror. Não ia deixar minha filha passar por um sofrimento desse. E aí foi aí que eu tomei a decisão de fazer o aborto.

Mas é tudo tão complicado, que uma pessoa sozinha, sem um médico, assistente social ou rede de apoio, se mata. Ou faz um aborto ilegal. Mas eu nunca pensei nisso porque queria fazer de maneira segura, não queria parar em qualquer açougue. E, fora isso, tem esse lugar do crime. O fato de eu procurar um serviço sério era justamente para fazer tudo dentro da lei. Não quero ser uma criminosa.

Um mês depois saiu o cariótipo. A médica fez um laudo super completo, descrevendo também o meu risco de morrer, e que, portanto, a interrupção da gravidez era urgente. E aí a assistente social me passou o e-mail da Defensoria Pública. Mais duas semanas depois, saiu o alvará. Depois você tem que ir para um cartório para reconhecer firma que o alvará é verdadeiro. E só aí você pode ir para o hospital. A médica me recomendou, como tenho plano de saúde, ir para um outro hospital porque o Cachoeirinha estava lotado, com pacientes no corredor. Eu estava completando a 22ª semana.

O atendimento nesse hospital particular foi muito ruim. Os médicos não me olhavam no olho, me deixaram horas esperando. Como se eu fosse a errada, não alguém que está passando por uma tragédia absurda. Até que minha pressão começou a subir muito. Aí resolveram me atender. E começaram o procedimento para induzir o parto.

Muitas horas depois eu senti que a Luna faleceu porque o peso da minha barriga mudou. Olhei para o Victor e falei: ela morreu agora, sozinha. Ainda demorou horas, sentia muita dor. Acho que quando uma mulher vai parir e tem a projeção de felicidade no final, tira força da onde for. E ela aguenta. Mas naquele lugar de morte que eu estava, comecei a ficar desesperada. Então, a bolsa estourou. A pressão estava tão alta e a dor era tão grande que eu comecei a vomitar. Nessa hora, falei, pronto, morri. Me levaram para a sala de parto, me deram a anestesia e a anestesista me acolheu. Fui acalmando, saiu todo mundo da sala e quando estávamos só nós três, a Luna nasceu. Eu só senti ela escorregar pela minha perna. Eu mesma tirei o cobertor, peguei no colo e conversei com ela. Disse que, para mim, ela sempre vai ser perfeita. E que ia amá-la para o resto da minha vida.

Querendo ou não, fui mãe nesses meses todos. Às vezes botava música para ela escutar. Contava coisas. Mesmo sabendo que ela não ia sobreviver. E pedia para que, em algum lugar no universo um dia a gente possa se conhecer de verdade. Que queria ter sido uma ótima mãe para ela. Que tudo isso que estava fazendo era para o bem dela, para evitar um sofrimento que ela não merecia.

Foi muito dolorido para nós dois. Um lugar de tortura que a gente viveu. Um estado de terror. Se lá no terceiro mês de gravidez eu soubesse que não tinha chance e o aborto fosse legal da maneira como tem que ser, rápido, seguro, com respeito, com as informações, a gente não precisava ter passado por tudo isso, por tanto sofrimento. Ia ser difícil, a gente ia ficar triste, se despedir, mas a chance de renovação da vida ia ser muito maior. Quando, na verdade, me promoveram um estado de terror traumático tão grande que também não se encerra na hora do parto, nem na hora que enterra. Ele continua. Depois do parto, meu peito estourou de leite. Tive que ficar semanas com o peito enfaixado. E anos depois, sinto uma dor e uma tristeza profundas.

Por que demoraram tanto ? Por que tanta dificuldade de me dizer o que estava acontecendo? Hoje em dia olho tudo isso e digo: o Estado falhou comigo. Depois tem essa discussão de que fazer um aborto depois de 22 semanas é criminoso. Mas não fui eu que quis esperar seis meses, que disse “depois eu faço”. Foi o sistema.

Quando o Vila Nova Cachoeirinha foi fechado no final do ano passado e soube que todos os prontuários de 2020, 21 e 22 foram recolhidos, voltei a um estado de medo. Eu não dei autorização para ninguém saber do que aconteceu comigo. Eu não expus a minha história até hoje. Ninguém tem direito de me dizer nada. De me julgar. Isso é invasivo.

Me olho no espelho e não reconheço quem eu sou. Demorei muito tempo para conseguir retomar a minha disposição de vida. Tenho problema de pressão até hoje e eu nunca tinha tido problema de pressão antes.

Mas foi importante viver o luto disso tudo. Estamos tentando de novo engravidar. E estou fazendo um filme pra contar o que eu passei, com o meu olhar sobre tudo. O filme significa a minha maneira de ser mãe da Luna."

*Em depoimento a Constança Tatsch

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