À QUEM INTERESSAR POSSA...
ESPIRITUALIDADE E PROFISSIONALISMO, COMBINAM?
Eventualmente, em dias passados, esta questão pululava minha mente com uma certa frequência. Afinal, estou sendo profissional quando cito, falo ou remeto à religião em âmbito de trabalho, por exemplo? É válido, profissionalmente falando, agradecer à Deus (ou ao anjo da guarda, santo protetor, mestre espírita, emfim...) publicamente, em artigos, memorandos, assinaturas de e-mail ou em um simples post de rede social? Confesso que isto me confundiu por um bom tempo, até entender que havia um detalhe muito sutil no meu raciocínio que eu não estava levando em consideração: espiritualidade não é o mesmo que religião. E quando me dei conta disso, pude perceber algo que faz muita diferença para mim hoje em dia, e que me levou à rever meus conceitos sobre todas estas questões.
Muitas vezes recebo e-mails com dizeres e citações bíblicas no rodapé do corpo do e-mail (incorporado na assinatura até) ou então assisto à alguma apresentação onde o palestrante cita algo de teor religioso, seja em tom de pregação ou apenas de agradecimento mesmo. Isso me causava um certo desconforto, devo confessar, pois me parecia algo forçado, com intenção de chamar atenção, totalmente dispensável, algo mais pro lado do marketing do que da fé do indivíduo. Especialmente quando eram pessoas que eu conhecia pessoalmente, e sabia que o que estava ouvindo ou lendo não condizia exatamente, ao meu ver, com aquilo que ela praticava diariamente... Talvez seja pelo próprio conceito de humildade que sempre tive comigo, o qual era inversamente proporcional ao fator "estar em evidência", onde o fato em si de dizer ou fazer algo que enalteça a minha humildade já anularia a presença da mesma, no meu entendimento. Enfim, a impressão que eu tinha era de que quando alguém fazia qualquer menção à religião em ambiente ou situação profissional, estava apenas "querendo aparecer", se auto-promovendo, de modo que eu julgava esta uma atitude anti-profissional. Obviamente, meu veredicto era de que espiritualidade e profissionalismo eram incompatíveis, pois esta segunda estaria relacionadas a fatores pessoais, o que automaticamente prejudicaria qualquer julgamento que necessitasse de isenção de ânimo, logo, desvalidaria questões profissionais. E até tinha argumentos para isso, uma vez que dizia à mim mesmo que "são muitas as crenças e religiões existente, melhor não misturar as coisas para não acabar agradando à alguns e ofendendo à outros". E assim, apartava drasticamente questões profissionais de quaisquer abordagens por mim consideradas "não profissionais".
Esta conduta acabou tonando-se uma espécie de armadilha para mim ao longo do tempo, pois me dei conta de que não apenas havia desenvolvido este "senso de detecção de anti-profissionalismo", mas estava aos poucos me convertendo em um cético inveterado (conduta que sempre condenei). Acabei me tonando uma pessoa extremamente intolerante à toda e qualquer tipo de manifestação de fé, por assim dizer. Agora já achava absurdo quando alguém falava qualquer coisa que fosse referente à religião, fé, espiritualidade. Em qualquer ambiente que fosse. De tal modo que isto estava, logicamente, me distanciando das pessoas. Colegas, amigos, parentes, ninguém escapava do meu "olhar da penitência", bem ao estilo Ghost Rider. E o que era mais grave: tudo isso em silêncio, sem alarde, sem discussão, pois nunca gostei de discutir. Simplesmente fui me afastando de quem eu julgava ser "indigno" do meu tão valoroso senso de profissionalismo. Mas até então, continuava achando que isto era necessário e irreversível, pois seria parte do processo de profissionalização de qualquer indivíduo. Mesmo assim, isso, de alguma forma ainda me incomodava... "Algo de errado não estava certo", diria o filósofo.
Por mais que, de certa forma, me orgulhava de ter este discernimento que poucos pareciam dar valor, sentia que faltava alguma coisa. Algo estava fora do lugar. Então comecei a buscar alguma resposta em outros campos que não o profissional, já que ali parecia estar apenas andando em círculos. Foi então que dei por conta de algo que eu nunca havia relacionado à estas questões justamente por acreditar que isso não se misturava: minhas próprias experiências espirituais. Sem entrar em detalhes, pois não é o foco aqui, tive várias experimentações no campo espiritual anos atrás, o que devo admitir me fizeram crescer muito como ser humano. Mas, da mesma forma, também tive decepções, as quais inclusive me fizeram duvidar de muitas coisas (ou de todas as coisa, por quê não?) e por consequência acabei me apartando de qualquer religião. Nunca deixei de acreditar em algo superior, portanto não me tornei ateu ou agnóstico, no sentido pleno das definições. Mas também fiquei arisco quanto à participação de qualquer comunidade religiosa. À estas alturas, você deve estar dizendo "está na cara por que ele dizia que profissionalismo e espiritualidade não se misturam: por conta de suas próprias decepções!". É, numa primeira análise isso parece bem óbvio mesmo. No entanto, não é tão simples assim. Vou explicar.
De fato, evidenciei que os bloqueios mentais que eu havia desenvolvido tinham suas raízes nas minhas desventuras espirituais pessoais. E a partir deste ponto, as coisas começaram a clarear novamente. Pude perceber que havia criado uma "falácea mental" para mim mesmo dizendo que espiritualidade e profissionalismo não se misturam, justamente misturando as coisas! Sim, pois foi exatamente o que fiz, já que com base em fatores pessoais, criei regras profissionais para me nortear e, em verdade, disfarçar minhas limitações de compreensão. Notei que toda essa história de julgar como as pessoas manifestam suas crenças, criando "critérios" de avaliação e tudo mais, não passava de preconceito gerado unica e exclusivamente como forma de defesa por minha mente que buscava respostas para questões muito mais profundas do que meros conceitos profissionais. Percebi que aquele desconforto que sentia ao ler ou ouvir alguém falando de algo espiritual, na verdade era em virtude das respostas que faltavam lá dentro, e não simplesmente por estarem fora de contexto, como eu queria crer. Bem pelo contrário, eram tapas na cara que eu tomava da minha consciência tentando me mostrar que nem tudo o que parece realmente é. É claro que ainda consigo perceber quando alguém destoa demais entre o discurso falado e suas ações, mas isso já não me incomoda mais. Pelo simples fato de entender que, antes de sermos profissionais, de qualquer área, somos seres humanos e temos necessidades espirituais. E assim como eu, nem todos conseguem perceber estas necessidades claramente, e quando conseguem, muitas vezes não sabem exatamente como demonstra-las ou desenvolvê-las junto às outras pessoas, ora mascarando-as, ora sendo até inconvenientes de tanto que fazem questão de evidenciá-las. Pior ainda são aqueles que insistem, como fiz por muito tempo, em sufocar, ignorar ou simplesmente negar sua espiritualidade, teimando em dizer que razão e espiritualidade são opostos, quando na verdade se complementam.
Hoje entendo que toda religião, de uma forma ou de outra, tem seu papel na sociedade, pois serve, se não para outra coisa, ao menos como uma referência, simplesmente por mostrar algum tipo de direção a ser seguida. Contudo, agora compreendo que a espiritualidade, que nada tem à ver com religião, é algo maior, intrínseco em cada um de nós e que nos norteia de verdade, sendo parte da nossa essência, sem um padrão definido, sem regras pré-estabelecidas, único, onde cada um manifesta de forma pessoal, da maneira que compreende, pois vejo a espiritualidade não apenas como uma direção mas sim como parte primordial do nosso alicerce enquanto seres humanos. Logo, assim como em qualquer construção, não há como erguer paredes, colocar telhado e muito menos subir andares sem um alicerce forte e bem estruturado. Pois de nada vale ser um excelente profissional se sou medíocre como ser humano. Se é que isso é possível...