É muito importante que os clubes comecem a organizar-se de forma a recrutar especialistas no domínio da Psicanálise no Desporto como Emergencial.

É muito importante que os clubes comecem a organizar-se de forma a recrutar especialistas no domínio da Psicanálise no Desporto como Emergencial.

Como sempre estou a falar aqui sobre a área Mental dos componetes do Desporto, o rendimento desportivo resulta da interligação de aspectos físicos, técnicos, tácticos e psicológicos. Agora de uma forma mais sunscita cujo objetivo é informar quais são as percepções de dirigentes e treinadores de alto rendimento acerca de diferentes aspectos relacionados com a dimensão psicológica, nomeadamente as concepções sobre o treino psicológico e a sua relação com o treino e o rendimento desportivo; o nível de preparação dos treinadores para treinar as competências psicológicas; e a relevância de colaborar com um profissional da saúde mental no desporto.

Observações:

“A maioria dos treinadores privilegia uma concepção integrada do rendimento desportivo assente na interação das componentes táctica, física, técnica e psicológica, à imagem do que é defendido por vários autores (e.g. ARAÚJO, 1987; GARGANTA et al., 1996; ZEGRETTI, 1992).

Ainda assim, é de sublinhar que, para aqueles que entenderam destacar uma das componentes, a “psicológica” foi a que reuniu o maior número de referências. Mais ainda, estes resultados vêm corroborar a opinião de Fonseca (2004) relativa a uma tendência crescente para se considerar os factores psicológicos como fundamentais no Futebol de alto rendimento, estando também concordantes com a concepção de Alves et al. (1996) quando os autores referem que a eficácia do treinador está dependente do conhecimento e compreensão acerca do que motiva os seus atletas.

Desta forma, à semelhança do que é exposto em estudos internacionais (e.g. CÔTÉ, 2006; ZAKRAJSEK, 2004), os treinadores consideram que o treino dos fatores psicológicos em atletas de alto nível desportivo é muito importante. Não obstante, é importante destacar que os treinadores referem não possuir um profundo conhecimento sobre aquilo que pode ser realizado a esse nível. De acordo com a literatura (e.g. CRUZ; VIANA, 1996; MARTENS, 1987), a falta de conhecimento por parte dos treinadores para treinar as competências psicológicas essenciais para os atletas, bem como a ideia de as encarar como qualidades inatas, constituem algumas das razões pelas quais o treino mental ou a preparação psicológica dos atletas é negligenciado(a). Vem a propósito recordar que Fonseca (2000) alertou para que a insuficiente informação e investigação sobre este tema, no contexto português, poderá estar relacionada com o facto de a formação de treinadores, de uma forma geral, menosprezar a componente psicológica do rendimento desportivo, o que pode ser comprovado pela carga horária, diminuta e largamente inferior, que lhe é atribuída em comparação com as demais componentes do treino.

De fato, “… a preparação desenvolvida ao nível do foro psicológico dos jogadores e das equipas não parece, (…) caracterizar-se pelo mesmo rigor que, atualmente, caracteriza a sua preparação a outros níveis (como o físico, o técnico ou o táctico), sendo frequentemente deixada ao cuidado dos atletas.” (FONSECA, 1997, p. 33). Aliás, a investigação realizada com treinadores parece suportar a ideia de que menos de um quarto do tempo de treino é dedicado às competências psicológicas (ZAKRAJSEK, 2004).

Parece evidente que, mesmo aqueles treinadores que, de uma forma geral, dão importância ao treino dos fatores psicológicos, se reportaram à importância assumida pelos fatores psicológicos em si e não ao fato de considerarem ser importante treiná-los.

Estes fatos contrariam algumas evidências científicas que atestam a importância do treino mental na realização de atividades físico-desportivas (BURTON; RAEDEKE, 2008; CRUZ; VIANA, 1996; GOULD et al., 1991; ORLICK; PARTINGTON, 1988). Subjacente aos pressupostos sustentados por estas investigações, está a ideia de que as competências ou capacidades psicológicas, à semelhança das capacidades físicas e técnicas, podem ser ensinadas, aprendidas ou melhoradas através do ensino, do treino e da prática, e que o treino mental sistemático e bem planeado contribui para aumentar o rendimento atlético e para promover o desenvolvimento pessoal (CRUZ; VIANA, 1996).

Pelo exposto, é necessário esperar que os treinadores evidenciem unanimidade relativamente à sua incapacidade para treinar as competências psicológicas dos seus atletas, o que de fato veio/vem e virá a acontecer. Este fato converge com a tendência expressa na literatura, que sugere que os treinadores dificilmente podem conhecer profundamente as técnicas ou estratégias específicas do treino psicológico/mental (BARRERO, 1994).

Não sendo inatas, as competências psicológicas têm, necessariamente, que ser objecto de estudo cuidado e rigoroso por parte dos treinadores, sendo fundamental a sua integração de modo mais aprofundado nos programas de formação. Daí que não surpreenda que, ao examinarmos as estratégias aplicadas habitualmente pelos treinadores relativamente à componente psicológica, tenhamos verificado que mais de metade referiu circunscrever a sua intervenção ao nível do diálogo, sob a forma de conversas individuais e/ou colectivas (dependendo das preferências de cada treinador), chamamos hoje de cura pela fala.

Ou seja, parece poder considerar-se que a “… ação do treinador situa-se sobretudo ao nível pedagógico?.” (BRITO, 1983, p. 6), e não tanto ao nível psicológico, o que é manifestamente insuficiente para promover completamente as competências psicológicas dos atletas, até porque não se baseia nos conhecimentos atualmente disponíveis neste domínio (COX, 1998).

Aliás, de acordo com Almeida (2004), no Futebol profissional ainda é diminuto o espaço para o treino das competências psicológicas segundo programas estruturados. Registre-se que apenas poucos treinadores declararam utilizar simultaneamente técnicas específicas do treino mental e apenas um deles declarou fazê-lo de forma sistemática e organizada. Neste contexto, importa salientar que a atuação do treinador ao nível das competências psicológicas deve assumir dupla vertente. Por um lado, estimulando habilidades interpessoais que influenciem favoravelmente a condição psicológica dos atletas e, por outro, contemplando outras competências que permitam auto-regular o seu próprio estado psicológico potenciando o desempenho das suas funções como treinador.

É muito importante que os clubes comecem a organizar-se de forma a recrutar especialistas no domínio da Psicologia do Desporto. Aliás, esta tendência quase unânime é semelhante à encontrada por Rice (1996) e Gomes (2005), uma vez que a quase totalidade dos treinadores referem se publicamente que é benéfico passar a contar com a colaboração do referido especialista. No entanto, convém salientar que esta integração não deve causar interferências nem conflitos no desenvolvimento dos papéis do treinador e profissional, uma vez que este trabalha o inconsciente afim de agregar muitos benefícios ao treinador.

Ainda ao nível da composição do grupo de colaboradores dos treinadores, a necessidade de se agregarem várias áreas, cada vez mais consideradas como fundamentais para a evolução do treino e do nível de rendimento das equipas de Futebol profissional, uma das quais sendo liderada pelos especialistas em Psicologia do Desporto. Aliás, esta questão é tratada na literatura por vários autores, quando expõem uma concepção de equipa técnica como pólo de cooperação entre diversos especialistas (BARRERO, 1994; BRITO, 1983; CÔTÉ, 2006; CÔTÉ; SALMELA, 1996; CRUZ; VIANA, 1996; FONSECA, 1997; GOMES, 2005; ROFFÉ, 1999; SERPA, 1987; VANEK, 1987).

Não obstante, relativamente à metodologia a observar para a colaboração a desempenhar por estes especialistas, os treinadores não são unânimes. Ou seja, ainda que quase metade deles sabendo a necessidade tem defendido a integração do psicólogo do desporto na equipa técnica, ou, por exemplo, que talvez o perfil ideal se situasse numa área de interligação entre a equipa técnica e a equipa médica. Em meu entender, porém, esta opção insinua-se como potencialmente perigosa, já que se não for devidamente clarificada poderá promover uma percepção da Psicologia do Desporto deveras conotada com uma abordagem do foro clínico, o que nos parece desajustado em relação ao contexto em análise.

Vários autores têm laborado perseverantemente no sentido de clarificar esta imprópria associação entre a área desportiva e a área clínica, já que os jogadores são profissionais a quem são constantemente exigidos os mais altos padrões de preparação e de rendimento (BARRERO, 1994; CRUZ; VIANA, 1996; FONSECA, 1997; GOMES; CRUZ, 2001; GULINELLI; MAGRINI, 1992; ROFFÉ, 1999; ROSSI, 1991; SERPA, 1987). Daí que, o mais importante seja a consciência de que nem o treinador pode realizar as tarefas do psicólogo, intervindo especificamente junto de um jogador que se sente inseguro, nem o psicólogo tem a responsabilidade de desenvolver estratégias psicológicas específicas do treinador.

Por outro lado, existem claras vantagens em manter uma ligação estreita entre o psicólogo desportivo e os responsáveis da equipa técnica, não se assumindo que o treino psicológico e o treino físico, técnico e táctico, são domínios a cultivar separadamente. Pelo contrário, a preparação mental do atleta só funciona totalmente quando ela é testada e praticada nos contextos “naturais” de treino e competição (GOMES; CRUZ, 2001).

Para os treinadores o principal obstáculo à inclusão de especialistas em Psicologia do Desporto nas equipas técnicas decorre da mentalidade, da formação e da cultura generalizada imperante no Futebol, sobretudo ao nível dos dirigentes.

É também referidos por alguns treinadores constrangimentos de natureza financeira, o que aliás já tinha sido evidenciado. Todavia, esta perspectiva não é consensual, porquanto, tal como outros treinadores sublinharam, com os orçamentos atualmente existentes não será certamente a entrada de mais um especialista que poderá agravar drasticamente os problemas financeiros dos clubes.

A questão de fundo parece, portanto, resumir-se à percepção que os responsáveis possuem relativamente ao que consideram ser o reduzido contributo que estes especialistas podem oferecer, no que concerne à persecução e obtenção dos desejados níveis de rendimento.

De recordar a este propósito que entre os mitos e crenças associados ao papel dos psicólogos no desporto se encontram os de que:

(i) tanto no passado como no presente, muitos atletas não precisaram de psicólogos para serem campeões e, portanto, estes profissionais não são fundamentais, nem sequer necessários;

(ii) a preparação psicológica dos atletas sempre foi efetuada pelos treinadores e o discurso dos psicólogos não tem aplicação prática no desporto (CRUZ et al., 1996). Desta forma, será certamente por aí que se deve começar: os especialistas em Psicologia do Desporto devem procurar mostrar da forma mais objetiva possível (considerando os naturais condicionalismos de que se reveste a sua ação), como podem contribuir para que tal suceda, assumindo-se, por exemplo, os cursos de formação, e consequentemente os treinadores, como grandes impulsionadores do aproveitamento destes quadros, com base no reconhecimento da importância que a psicologia tem no rendimento e no sucesso individual e colectivo”.

“Defendo a globalização do trabalho, a não separação das componentes físicas, tácticas, técnicas e psicológicas, pelo que o lado psicológico é fundamental.” (José Mourinho, 2004)


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