É possível o Lula confiscar a poupança como o Collor fez em 90?

É possível o Lula confiscar a poupança como o Collor fez em 90?

Se há algo que podemos ter certeza no Brasil destes tempos é que este final de ano de 2022 não está nem um pouco parecido com o que imaginávamos. 

Os eleitores de Jair Bolsonaro esperavam a reeleição do atual presidente e com isso a continuidade das políticas econômicas e fiscais, com um viés de reforma, que o governo vinha fazendo. Isso manteria os mercados com a visão otimista de recuperação econômica do Brasil. Já os eleitores do vencedor Luiz Inácio Lula da Silva esperavam que os mercados fossem mais misericordiosos e compreendessem aquilo que a maioria aparente dos eleitores acreditava, que uma mudança de governo, este novo dedicado a implementar as políticas de centro-esquerda seriam bem-vistas e mais corretamente precificadas pelo mercado. O fato é que as reações dos mercados têm mostrado uma grande preocupação com relação às primeiras sinalizações que o novo governo vem dando. Os investidores parecem estar ainda mais preocupados e uma velha pergunta, que de tempos em tempos teima em surgir, voltou à tona: é possível o Lula confiscar a poupança como Collor fez em 90?

Para bem respondê-la precisamos entender os porquês do governo Collor optar por este caminho logo no princípio de seu governo em março de 1990. 


Como estávamos nos anos 90?

O final do governo dos militares e a transição para a democracia não foi nada fácil no Brasil. Nossa economia estava fechada, pouco competitiva e a máquina pública já era, no final dos anos 70 e começo dos anos 80, bastante inchada para o tamanho da economia brasileira. Por essa razão, constantemente operávamos com déficits no orçamento. Isso fazia a dívida pública tornar-se insustentável, ao ponto de o Brasil recorrer ao calote internacional em meados dos anos 80. Excesso de dívida significa aumento da base monetária sem que a economia cresça no mesmo ritmo, o que invariavelmente leva a inflação. A inflação dos anos 80 foi especialmente cruel no Brasil, constantemente figurávamos entre as mais altas taxas do mundo. Para que se tenha uma ideia do tamanho do estrago, em 1989, último ano do governo Sarney e anterior ao governo Collor, a inflação alcançou 1.789%. Em fevereiro de 1990, mês anterior à posse do novo governo, alcançou 84%. Para fazer frente à semelhante desafio, a ministra da economia Zélia Cardoso de Melo propôs um plano que iria acabar com toda a liquidez da economia, de forma temporária e assim faria com que a inflação ficasse sob controle. A ideia era, durante um período de seis meses, impedir a movimentação financeira de valores superiores a 50.000 cruzeiros. Esses valores deveriam estar retidos nas contas correntes e depósitos a prazo, e após o período de 180 dias voltariam a ficar disponíveis, mas sem nenhum tipo de correção monetária. Obviamente que semelhante disparate na tentativa de controle dos preços do dinheiro (afinal, os juros são o preço do dinheiro) trouxe um verdadeiro caos social. Fato é que a inflação ficou controlada nos primeiros meses, mas logo em seguida voltou a níveis estratosféricos. Isso aconteceu porque os gastos públicos não foram restringidos o suficiente para evitar que o governo tivesse que recorrer a emissão de títulos da dívida pública para se autofinanciar.

Mais duas tentativas de controle por parte do governo Collor, o processo de impeachment e o governo transitório do Presidente Itamar Franco trouxeram a novidade do Plano Real que finalmente conseguiu colocar sob controle o dragão da inflação.

A diferenças fundamentais do Brasil dos anos 90 para o Brasil de hoje. Precisamos entendê-las para poder responder corretamente à pergunta.


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Inflação

No início do artigo mostramos que a inflação nos anos 90 estava fora de controle. Veio o Plano Real, e com ele a estabilização da economia. Um dos principais méritos do Plano Real foi enxugar a liquidez da economia sem que isso travasse em demasia a atividade econômica. Hoje nós temos uma inflação que, para padrões de países desenvolvidos ainda é alta, mas não pode sequer ser comparada com a inflação que tínhamos nos anos 90. Logo, não é pela inflação que seria necessário fazer um confisco tão duro, ainda que temporário como o que foi feito pelo governo Collor.




Dívida pública

Poucos anos antes da introdução do Plano Real o Brasil havia dado um calote internacional. Isso fez que o nosso acesso aos mercados de crédito mundial estivesse restrito. Uma das grandes sacadas do Plano foi colocar economistas de peso e renome mundial que trouxeram credibilidade à tentativa que o novo governo iria fazer para estabilizar a economia. Um dos pilares foi o controle dos gastos públicos, uma bandeira do governo Fernando Henrique em seus primeiros anos. Isso permitiu com que a nossa dívida fosse pouco a pouco sendo domada. Lembrando, o crescimento da dívida pública é um dos grandes fatores, se não o principal, na génese da inflação. Hoje a nossa dívida pública está na casa de 58% do PIB, muito menor do que os cerca de 100% que eram observados ao final do governo Sarney. Esta é uma evidência de que não é necessário tomar nenhuma medida drástica para controlar a dívida pública, já que ela está dentro de parâmetros bastante manejáveis, bastando para isso o controle dos gastos públicos.


A taxa básica de juros

Em outras palavras, o preço do dinheiro no curto prazo. Um dos instrumentos mais amargos (e o mais efetivo) para o controle da inflação. Através deste mecanismo se busca reduzir o consumo e investimento no curto prazo. A taxa DI em dezembro de 1989 atingiu a expressiva marca de 64% no mês. Isso fora necessário para manter o mercado de títulos públicos funcionando. Hoje em dia, a taxa Selic está em 13,75% ao ano. Este dado é muito relevante porque, embora alta, essa a taxa foi a responsável por corrigir a trajetória de alta da inflação e trazê-la para os níveis controlados que hoje observamos. Ao que tudo indica, o ano de 2022 deve fechar com inflação fora do centro da meta, mas dentro do limite superior tolerado, segundo estabelecido pelo Banco Central. Esta é uma evidência de que os instrumentos de política monetária hoje existentes são suficientes para corrigir qualquer disparidade que possa haver na economia.


Reservas cambiais

Ter uma reserva cambial para chamar de brazuca era algo impensável nos anos 80 e princípios dos anos 90. Nossa economia era um conjunto de mercados completamente fechados, de difícil acesso ao exterior. Assim como na Argentina de hoje, nós convivíamos com uma infinidade de câmbios distintos, porque o oficial não espelhava a realidade do custo da moeda forte. Hoje, em contrapartida, temos mais de 350 bilhões de dólares em reservas cambiais, uma das maiores do mundo. Podemos operar tranquilamente nosso mercado de câmbio, ainda que com as oscilações próprias de nossa economia. Esta é outra evidência de que não há necessidade de fazer nenhuma intervenção nas reservas sejam elas em reais ou reservas de moeda forte.


Sofisticação do mercado de investimentos e de capitais

A bolsa de valores nos anos 80 era restrita para poucos operadores, muito poucos. O mercado era pequeno, pouco informatizado, tínhamos poucas empresas espalhadas nas diferentes bolsas (na época a bolsa do Rio de Janeiro ainda não havia sido incorporada pela bolsa de São Paulo). Eram poucos os que se arriscavam a comprar ações e a maior parte dos investidores optavam pelos muito rentáveis Certificado de Depósito Overnight e pela velha e boa poupança. Isso permitiu com que a ação de confisco fosse extremamente efetiva, porque com acesso às informações submetidas ao Banco Central, o governo pode bloquear o saldo das contas correntes, as Poupanças e os depósitos em instituições financeiras. Hoje em dia, embora a Poupança ainda represente uma fatia significativa dos investimentos da população brasileira, a maior parte dos investimentos já não se encontram mais nessa modalidade. Estão principalmente em fundos, planos de previdência, dentro do mercado de ações e uma boa parte com exposição ao exterior. Nosso mercado é hoje muito mais sofisticado, em linha com as ofertas de investimentos existentes ao redor do mundo. Logo, um confisco não teria o mesmo efeito que teve no começo dos anos 90, quando nosso mercado ainda era muito imaturo.

A situação econômica brasileira é atualmente muito melhor do que era no começo dos anos 90. Todos os indicadores parecem corroborar com esta afirmação. Uma ação de confisco seria muito pouco provável e pouco efetiva, ou seja, sem sentido de ocorrer.

Entretanto há algo que deveria trazer preocupação aos investidores: a possibilidade de aumento da carga tributária, em diferentes formas. O novo governo tem sinalizado a possibilidade de aumentar os impostos já existentes e até mesmo criar novos, como o imposto sobre grandes fortunas. Embora as indicações dadas pelo novo governo não sejam muito claras, existem vários caminhos para se fazer isso, sobretudo através da taxação dos lucros de empresas.

Luciano Jorge

Assessor de Investimentos na InvestsmartXP

2 a

Excelente artigo Denis!

Vitor Conor

Partner and Leader Team at InvestSmart

2 a

Muito bom, Denis!

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