É PRECISO ACELERAR
O Brasil deve se abrir à revolução na mobilidade trazida pelos carros elétricos e autônomos, sob pena de amargar grandes prejuízos nas finanças, na saúde pública e na segurança
*Lucas di Grassi
A transição da mobilidade baseada em combustível fóssil para elétrica, a chegada de veículos autônomos em um futuro próximo e as mudanças comportamentais na relação com o veículo (dá-se importância a ele como um serviço e não mais como propriedade) vão revolucionar a mobilidade de uma forma somente vista antes com a invenção do carro no final do século XIX, quando cavalos eram o principal meio de transporte.
Os últimos dez anos valeram por cem quando o assunto é transporte urbano. Em 1908, quando Henry Ford mudou a história ao criar a linha de produção a fim de fabricar carros padronizados em massa, ele resolveu um “problema de poluição” da época: as ruas de Manhattan, por exemplo, inundadas de esterco de cavalo e lixo, foram ficando mais limpas com a chegada dos automóveis. Desde então, os carros a combustão evoluíram muito pouco em termos de eficiência energética. O sistema de queima do combustível fóssil, por motivos de leis da física e da termodinâmica, é limitado a uma eficiência máxima de 45% a 50% em carros.
Como referência, praticamente quase todos os motores elétricos atingem facilmente 85% de eficiência, chegando a 95% em alguns casos especiais. Além disso, o motor elétrico tem uma relação peso-potência muito mais elevada que os motores convencionais e é muito mais simples de fabricar. A grande restrição da evolução desses veículos sempre foi a bateria, ou a capacidade de armazenar energia elétrica.
A bateria teve uma grande evolução na década de 1990, devido à necessidade de celulares e computadores serem móveis. Isso levou à invenção da bateria de lítio, muito mais leve, com mais capacidade de armazenar energia e muito mais prática do que as baterias convencionais de chumbo ácido.
A principal vantagem, na prática, é o custo operacional dos veículos elétricos. Para “encher o tanque”, ou seja, recarregar um veículo elétrico, o custo gira em torno de 3 a 5 reais, dependendo dos preços da energia da localidade. Para um veículo a gasolina, os valores podem passar dos 200 reais. Outro ponto importante é o custo de manutenção ser muito menor: enquanto um carro a combustão tem cerca de 2 000 peças móveis, um carro elétrico tem vinte peças móveis. Considerados todos esses fatores, hoje em dia, o custo por quilômetro rodado de um carro elétrico já é muito menor do que o carro a combustão — e essa diferença só irá aumentar com a massificação de produção e a melhoria do armazenamento de energia nas baterias.
Nas questões de poluição do ar, mesmo que a matriz energética de um país utilize combustível fóssil para gerar eletricidade, a grande vantagem do carro elétrico é a não-emissão de gases dentro das cidades onde moram o maior número de pessoas por área, melhorando a qualidade do ar. Em países como o Brasil, por exemplo, com mais de 40% da população com problemas respiratórios, o impacto seria significativo, já que doenças como bronquite e asma são agravadas pelo ar impuro. Sem contar a poluição sonora - o motor elétrico é bem mais silencioso.
Outro ponto de mudança para o futuro da mobilidade é a questão da propriedade do veículo. Se há vinte anos, os jovens, como eu, sonhavam com a carteira de habilitação e um automóvel para ter a liberdade de passear ou viajar com a namorada, hoje os objetivos são outros. O carro é um passivo — ele é caro, burocrático (pontos na licença, carteira de motorista, IPVA, seguro etc), não há onde estacionar, você não pode beber quando sai com ele. Deixou de ser um ativo. Com a evolução dos aplicativos, como Uber, a mobilidade passou a ser vista como serviço e não como propriedade.
Se a eletrificação e o uso da mobilidade como serviço vão trazer vantagens para os indivíduos e para a sociedade, a grande transformação virá quando o transporte for totalmente automatizado. Carros autônomos vão chegar na próxima década. Tecnologias essenciais para o veículo sem motorista, tais como V2X, comunicação entre veículos e com a infraestrutura usando 5G, já estão sendo implementadas, enquanto a evolução de processadores especializados em machine learning (aprendizado de máquina) vai fazer essa tecnologia viável e, mais uma vez, diminuindo radicalmente o custo do transporte.
Pense em uma corrida de Uber. Com a eletrificação, o custo do veículo e o custo da energia serão menores. Se a corrida envolver um veículo autônomo de nível 5 (máxima automação), não há o custo do profissional ao volante — outros postos de trabalho se abrirão com a nova tecnologia. Importante lembrar que esse transporte de passageiros terá mais segurança, o que resultará em vidas humanas salvas nas ruas e rodovias brasileiras.
Para variar o Brasil não está atualizado em nenhuma dessas tecnologias. O país possui uma matriz energética incrivelmente renovável por causa das hidrelétricas e também tem potencial solar e eólico gigantescos. Seria o caso perfeito para a eletrificação real do transporte, diferente da China, Estados Unidos ou Alemanha, que têm matrizes energéticas baseadas em carbono. Se o país direcionar sua indústria para tal transformação, criaremos centenas de milhares, talvez milhões, de empregos novos nesses setores, além de democratizar e socializar o transporte, baixando o custo para a sociedade e diminuindo a emissão de poluentes. A economia do estado seria enorme, tanto em gasto com transporte, como também em saúde.
Devemos ter uma visão crítica diante do discurso de pseudo-cientistas, da indústria petrolífera e do lobby de muitas montadoras, que vão tentar nos enfiar goela abaixo tecnologias antigas, como fazem atualmente. Temos uma chance única e precisamos agarrá-la, sob pena de aceitar as consequências do atraso.
Executive Director, MediaLink Corporate Communications
5 aCaro Lucas... seu artigo omite a experiência mais bem sucedida do mundo na produção e uso de um combustível renovável em larga escala substituindo os fósseis. Estranhamente, essa experiência é a do Brasil com o etanol, que você conhece bem. Órgãos globais como IEA (International Energy Agency) e IPCC (International Panel o Climate Change), vem reforçando a importância de se aumentar a produção e uso dos biocombustíveis para reduzir emissões. Mais e mais países estão decidindo por aumentar o uso do etanol (China e India são os mais recentes). No Brasil, a Toyota lança este ano o primeiro carro híbrido flex, já considerado o híbrido mais limpo do mundo - será exportado do Brasil para mais cinco países. A Nissan desenvolve carros a célula de hidrogênio, abastecidos com etanol. Aqui, o cenário que você desenha decretaria a perda de importância da indústria automotiva, reduzida a mera repetidora de tecnologias adotadas em outros países. Tudo bem, você compete em uma categoria só de carros elétricos, mas vale repensar um pouco seus conceitos. Medir as emissões de um carro apenas pelo que sai (ou não sai) pelo escapamento é muito superficial e incompleto.
PropTech enthusiast
5 aForza👊🏼
Industrial Designer creating innovative concept design and industrial design solutions
5 aExcelente posicionamento, maduro e consistente. Entretanto o caminho ainda será árduo e tortuoso, já que o desconhecimento teórico e científico que hoje se perpetua pelo Brasil gera entraves quase solidificados.