Abstinência de realidade

Abstinência de realidade

"Eu estava só em meu quarto, só em minha casa. Desliguei a televisão, o rádio e o celular. Desliguei tudo ao meu redor, apaguei as luzes. Eu queria sentir o que era eu dentro da casa. Apenas eu, nada mais. Na minha cabeça havia passado algo como uma hora, quando olhei no relógio, percebi que fiquei incríveis 4 minutos e já me sentia ansioso".

O relato trata de algo simples: sentar-se em casa. Porque é tão difícil? Porque estar só, sem nenhuma distração causa tanta ansiedade? Minha resposta é que cada vez mais estamos menos preparados para lidar com a realidade. Quando se pensa em ficar só em casa sem contato com nada, por exemplo, logo vem a imagem de iluminação através da meditação, grandes revelações. Tudo é show e o que não é show, está errado.

Quanto mais virtuais somos, mais este "espetáculo" da vida fica presente e menos a vida "de fato". Um filósofo indiano chamado Osho certa vez disse que a vida é tediosa, que era a repetição de ciclos de maneira quase infinita. Concordo com ele. A realidade, em si, é muito crua, ela não precisa de espetáculos, apenas é. Mas isso nos incomoda porque o show nos dá a sensação de "sentido de vida".

Porém há sentido tanto na alegria, quanto na tristeza, na empolgação ou na quietude. A necessidade de espetáculo nos torna doentes. Quando é simplesmente um "gosto" é saudável, porém quando se torna necessária para validar uma vida é corruptiva. Corrompe pelo fato de que não é necessário que a vida seja um show para que ela seja bela e repleta de sentido.

Sou da geração que ouviu o "carpe diem" no filme Sociedade dos Poetas Mortos. Mas receio que entendemos errado o que "carpe" significa. Aproveitar não significa viver dentro de um clipe ou de um thriller, mas sim saborear o que há. No caminho para minha academia aproveito a temperatura do nascer do dia, o cheiro das flores que a cada 3 meses muda e o nascer do sol atrás das montanhas da serra do mar. 

Sem espetáculos, sem trilha sonora, apenas observo e ponto. Aquilo é aquilo. Quando não há nascer do sol, aprecio a chuva ou a noite que ainda permanece durante o inverno. É o que é, há o que há. Se você pensa "ah, que chato", repense, isso pode ser sintoma de abstinência de realidade.

Abraço

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