A adesão antidemocrática - Por que mentir para si mesmo é sempre a pior mentira?
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A adesão antidemocrática - Por que mentir para si mesmo é sempre a pior mentira?

Enquanto se acumulam os pedidos de impeachment e Bolsonaro recorre ao deputados do Centrão e réus do Mensalão e Lava Jato como, Valdemar Costa Neto (PL), Roberto Jefferson (PTB), Gilberto Kassab (PSD), Ciro Nogueira (Proguessistas) e Artur Lira (PP), e negocia cargos de segundo e terceiro escalão, ora para evitar as “pautas bombas” no Congresso, ora para evitar discussões sobre processos de impeachment, ainda reverberam as cenas, apelos e manifestações de apoio a pautas antidemocráticas ameaçadoras do equilíbrio dos poderes republicanos, da democracia e dos Direitos Humanos no Brasil. Estas ainda são adensadas pela incoerente publicação do texto fantasioso e persecutório “Chegou o Comunavírus” no blog pessoal de Ernesto Araújo, intitulado de Metapolítica 17 – contra o globalismo. Dessa situação, o que podemos extrair de mais banal? A filosofia política nos alerta a não menosprezar as tentativas de construção das mitologias nacionais, das narrativas oficias, seus inícios mesquinhos e causas particulares.

O que tanto temem os partidários do ataque à democracia? O que tanto estimam no AI-5? Com que se engajam aqueles e aquelas que não se constrangem nem com as valas comuns, nem com a perseguição, nem com a tortura, nem com o controle das opiniões? Afinal, o que esses manifestantes, que exaltam tanto o patriotismo e seus símbolos abstratos, têm de tão diferente em relação aos seus concidadãos para os quais se prontificam a recusar direitos e o valor individual?

Em 1950, nos EUA, era publicada em mil páginas o The Authoritarian Personality, esforço de alguns anos de pesquisa empírica realizada por psicólogos e cientistas sociais da Universidade da Califórnia a partir de 1944 quando Adorno, diretor da escrita do livro, era chefe do Grupo de Estudos Sobre Opinião Pública de Berkeley. O conjunto da obra mudou três vezes de título, inicialmente, se chamaria O Caráter Fascista, depois O Caráter Antidemocrático e, então, A Personalidade Autoritária. Envolveriam-se nessa escrita Theodor Adorno, Daniel J. Levinson, R. Levitt Sanford e Else Frenkel- Brunswik. O estudo empírico durou anos, passou por questionários como o Teste de Apercepção Temática (TAT), escalas para mensurar dados quantitativos e entrevistas clínicas individuais divididas em seções ideológica e clínico-genética, em que os indivíduos eram convocados a falar de forma espontânea. Inúmeras vezes revisados, foram aplicados por psicólogos treinados cinco formulários para cada indivíduo, compostos por itens contidos em quatro escalas, antissemitismo (AS), etnocentrismo (E), conservadorismo político econômico (PEC) e potencial fascista (F), aplicados entre 1944 e 1946 para os indivíduos da amostra, inicialmente universitários, sendo depois diversificado para fora do ambiente acadêmico.

O estudo contempla ambições interdisciplinares e vincula à pesquisa empírica, interpretações filosóficas, sociológicas e psicanalíticas. Embora “Estudos Sobre a Personalidade Autoritária” represente uma inflexão na obra de Adorno, antes da colaboração com a equipe de Berkeley, ele já havia escrito uma grande monografia sobre um agitador fascista ativo na Costa Oeste norte-americana, Martin Luther Thomas. Esta análise sociopsicológica teve como objeto os estímulos mais ou menos padronizados e não muito numerosos que os agitadores fascistas empregavam. Ao se tratar de um estudo aplicado nos EUA, torna-se evidente a preocupação das ciências humanas na década de 1940 com o tema do autoritarismo no ambiente democrático e em amostras da população norte-americana. Para os autores, era notável que a intolerância convivia com a democracia e lhes cabia a problematização principal do estudo: o nazifascismo poderia ocorrer em uma democracia consolidada como os EUA?

A realidade é que durante a realização dos estudos, os autores não encontraram muitas pessoas abertamente antidemocráticas, mas sim pessoas suscetíveis a propaganda ideológica autoritária e com potenciais traços fascistas. Ou seja, o fascismo e o autoritarismo estavam presentes de forma latente na população americana, na sua formação subjetiva, mantinha relações com o clima cultural geral e com momentos específicos de crise social. O sujeito potencialmente fascista estava longe de ser raro, os mais preconceituosos identificavam-se com conteúdos antidemocráticos, esteriótipos, ideias prontas e fáceis e opiniões afastadas da realidade externa. A latência observada pelos autores levou a conclusão de que esses indivíduos não eram, propriamente, uma personalidade autoritária, mas apresentavam uma dinâmica psíquica e libidinal que se associavam a atitudes preconceituosas e autoritárias, com pouco recurso reflexivo, autoconhecimento e recurso subjetivo para resistir as ideias, publicidade e ao medo que poderia ser exacerbado por crises sociais. A conclusão do estudo é que com muito pouco estímulo as pessoas podem aderir a pautas autoritárias e antidemocráticas.

O livro “Estudos Sobre a Personalidade Autoritária” nos lembra sobre o risco das crises, das farsas e dos estímulos banais que despertam a propensão ao autoritarismo e ao preconceito. Lembra-nos das formas culturais e que democracias não implicam apenas plebiscitos, mas devem implicar sobretudo a capacidade crítica, reflexiva e o afeto pelo viver libero. Tal como os estadunidenses, que na década de 1940 não se demonstravam antidemocráticos, nós, os brasileiros, não gostamos de nos crer diversos do que realmente somos e, por isso, nos pintamos como tolerantes, pacíficos e não racistas. Mas até o Bolsonaro se desmente, volta atrás e se pinta como democrata e protetor das instituições e do equilíbrio republicano. A democracia exige que se arranque o véu, que se destituam as farsas e que um povo não obscureça uma realidade violenta, racista e cruel. A democracia exige o reconhecimento da banalidade do mal e que por muito pouca sedução barata, a liberdade é ameaçada.

No Brasil, com Bolsonaro, na Turquia com Recep Tayyip Erdogan, na Polônia com  Andrzej Duda, na Hungria com Viktor Orbán, na Itália com Matteo Salvini, nas Filipinas com Rodrigo Duterte, em Israel com Benjamin Netanyahu, na Venezuela com Nicolás Maduro, nos EUA com Trump, vemos governos que com um tipo de aderência entre populismo e autoritarismo, chamado por alguns especialistas de “democradura”, ameaçam as instituições, os valores e a cultura democrática; tal como ameaçam a investigação cientifica, o jornalismo, a liberdade de expressão e uso de propaganda que não preza a realidade, a veritá efetualle,  e enfraquecem a liberdade e a igualdade civil. O autoritarismo e o fascismo estão em alta hoje no Brasil e no mundo, e conforme nos lembra a professora Lilia Scwarcz, em “Sobre o Autoritarismo Brasileiro”, nas “horas de pico na temperatura política, os direitos dos brasileiros costumam ser vilipendiados, bem como a própria norma democrática”.

Por: Edson Lopes, gerente-executivo de Eventos do Instituto Ethos

Coluna semana publicada todas as sextas-feiras no site do Instituto Ethos: www.ethos.org.br

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