O que a política brasileira nos ensina sobre comunicação?
Em um momento de delírio coletivo, quando os brasileiros estão tomados pela alienação e felicidade, e após o frenesi descontrolado da tensão política, vivemos um momento de descrença e falta de engajamento em causas políticas. Nesse contexto, assisti ao documentário indicado ao Oscar, Democracia em Vertigem.
Fui com muita sede ao pote. Ouvi elogios incontáveis de colegas ligados à política e da mídia, ainda assim, levei em conta a opinião de dois ou três mais chegados, que sei que são sóbrios com as questões do nosso contexto democrático.
Tenho uma palavra para descrever o documentário: narrativa.
Até meus amigos mais sóbrios foram envolvidos pela narrativa de Democracia Em Vertigem e eu confesso que fiquei surpresa no início, mas logo em seguida, conformada, pois sei bem o poder da comunicação bem construída.
A conclusão que chego é a constatação do que discutia com meus colegas, quando estive trabalhando nesse meio: a esquerda conta boas histórias. Essa é sua força e é assim que ela se mantém. Numa revolução, ninguém pega em armas porque acha que é legal, elas são convencidas a isso. Por mais que seja duro e cruel admitir, a massa não é pensante, então sempre cabe a um interlocutor contar um mais um e fazer com que eles enxerguem que algo não está bom. Não estou caindo no mérito do que é certo ou errado, estou apenas pontuando fatos.
O ponto alto do documentário, para mim, é a contradição da faxineira, explicando como se sente sobre tudo o que está acontecendo, após o impeachment de Dilma Rousseff, enquanto auxilia na desocupação e limpeza do Palácio da Alvorada. Aquilo ali representa o Brasil. Ela tem em torno de 1 minuto de fala e aqueles segundos de uma fala confusa representam mais o nosso país que qualquer outra cena das duas horas de documentário: desde os palácios de Brasília às manifestações. A cara do Brasil é a fala da faxineira.
Em sua simplicidade, ela explica que a política é assim mesmo, suja. Ela fica confusa sobre como se posicionar sobre o impeachment de Dilma: uma hora diz que Dilma “fez por merecer”, em seguida diz que a presidente foi eleita pelo povo. Conclui dizendo que novas eleições seriam a melhor solução, mas traz em seguida uma fala desiludida, no fim das contas, nada disso importa mesmo: "não foi uma escolha do voto, não foi uma democracia. Na verdade, acho que não existe democracia."
A Jornada do Herói construída por Petra nos faz simpatizar com os protagonistas do documentário, injustiçados pela direita conservadora e dona do poder no nosso país. Petra entra estrategicamente com seus comentários, conduzindo a percepção do expectador, quando conveniente. Quando não quer que ele pense demais, silencia. Perfeita estratégia. Sua forma de engajar, sensibilizar, trazer para perto o expectador e, ao mesmo tempo, trazer fatos sobre uma questão que chegou à casa de todos os brasileiros é formidável. Ainda que, de maneira prática, diversas dessas discussões não impactem o dia-a-dia de todos os brasileiros, esses mesmos brasileiros que permanecerão intocados (pelo bem ou pelo mal) têm papel fundamental nessa história, pois, de 4 em 4 anos, há um dia no mês de outubro que tanto o rico, quanto o pobre são iguais e valem 1.
No clímax, com a prisão do ex-presidente Lula, Petra mostra um trecho do discurso: lindo, emocionante, àquela altura estamos absolutamente sensibilizados. E Lula é um mestre em narrativa, eu pagaria o preço que fosse para um curso com ele. Sério. É tão óbvia a construção de cada degrau para desembocar naquele alvoroço, que fico sem palavras para tamanha genialidade. Eu sou uma apaixonada por comunicação e reconheço que o cara é um gênio.
Infelizmente para ele, o “outro lado” aprendeu a fazer a mesma coisa, como Petra coloca no documentário, quando diz que Moro aprendeu a usar a mídia a seu favor. No fim das contas, percebo que o Partido dos Trabalhadores (e, principalmente, Lula) pagou o preço por trabalhar com excelência uma boa estratégia de comunicação, porque, se observamos suas campanhas anteriores, quem mais pregou o “nós contra eles”, em toda história, foi o próprio PT. Estive lá, em 2014, na equipe da campanha presidencial do “outro lado” para afirmar com propriedade. Eles são muito bons.
E, no fim das contas, virou tudo um grande circo midiático, que, como comunicóloga acho incrível, mas como cidadã, acho lamentável. Democracia Em Vertigem me fez sentir ainda mais sede de conhecimento em comunicação. O documentário me mostra que a maior arma de um bom líder e/ ou de um grande impacto não é seu dinheiro, não são suas batalhas, não são seus amigos, mas sua capacidade comunicativa, de articulação e de persuasão. O documentário é só mais uma peça maravilhosamente bem trabalhada na narrativa de seus interessados.
N.A.: Em momento algum deste texto, discordei com qualquer uma das ideias expostas no documentário, tampouco concordei. Politicamente falando, minhas ideologias não são relevantes, o fato que trouxe para ser explanado aqui aqui foi apenas do impacto de uma narrativa bem construída e as proporções que isso pode tomar em um contexto nacional.