Adesão Medicamentosa, Nanotecnologia e o Glaucoma

Adesão Medicamentosa, Nanotecnologia e o Glaucoma

Todo dia, me deparo com uma situação tão trivial quanto alarmante no consultório: pacientes, em uma condição oftalmológica de risco, que não seguem a prescrição e a rotina medicamentosa de maneira responsável e/ou razoável. E a minha constatação prática é a mesma narrada em muitos estudos científicos que medem a adesão ao tratamento à base de medicamentos; quanto maior a pluralidade de itens a serem administrados, menor é a probabilidade de darem continuidade ao seu uso. Parece irreal, mas é muito comum, e, muitas vezes, independe da gravidade do caso ou do grau de risco envolvido.

Pacientes com glaucoma, minha especialidade clínica, por exemplo, têm uma tendência a negligenciarem o tratamento através do uso constante e diário de colírios, especialmente se estiverem no grau 1 e 2 da doença, quando ainda não afeta de maneira tão decisiva a autonomia e o dia a dia. O problema é que o fato de não seguir a linha terapêutica adequada faz com que o indivíduo evolua de maneira rápida ao grau mais severo da doença, que pode causar perda irreversível da visão.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são registrados 2,4 milhões de novos casos de glaucoma anualmente, o que totaliza 60 milhões de pessoas no mundo. No Brasil, de acordo com a Sociedade Brasileira de Glaucoma, a doença atinge 2% dos brasileiros acima dos 40 anos, resultando em cerca de um milhão de pessoas.

Um estudo da Universidade de Maceió, de 2016, publicado pela Revista Brasileira de Oftalmologia, avaliou mais de 250 pacientes com glaucoma e tinha como objetivo principal verificar a utilização e frequência de uso de colírios, método mais comum, como tratamento. E o resultado apurado atingiu 46% de não adesão ao tratamento. Trata-se de um percentual médio, mas é importante deixar claro que a amostra avaliada utilizava de 1 a 4 ou mais colírios diferentes ao longo do dia, e que esse percentual variou dependendo da quantidade de itens prescritos. O fator esquecimento liderou a lista de motivos que justificariam a não adesão, seguido de “vida estressada”, incompatibilidade de horários, falta de conhecimento acerca da doença e a crença de que a cegueira não os atingiria.

Há 25 anos, lido com questões maiores do que a própria técnica em consultório; nós, médicos, lidamos com fatores imponderáveis todos os dias e o exercício da empatia, expressão da moda atualmente, mas tão necessária ao nosso ofício diário, tem se tornado um aliado para a busca de soluções que tragam aos pacientes conforto, adequação e alinhamento a suas expectativas. Colocar os óculos do outro nos faz sair em busca do novo e pensar possibilidades capazes de tornar a nossa vida um pouco mais simples.

Pensando em todo esse contexto, há algum tempo venho estudando nanotecnologia aplicada ao glaucoma e as Cirurgias Minimamente Invasivas para Glaucoma, MIGS, que chegaram recentemente ao Brasil e que podem reduzir, ou mesmo descontinuar por um longo período, a necessidade de uso de colírios. Ao introduzir o menor dispositivo já projetado para implantar em seres humanos (cerca de 0,3mm), quase um grão de areia, e por ser através de um procedimento minimamente invasivo, a recuperação dos pacientes tem sido extremamente mais simples, além, é claro, de devolver a liberdade que eles tanto esperam, com um excelente custo x benefício.

Essa inovação foi recebida por nós com muito otimismo e ansiedade, uma vez que pode ser considerado um marco para a evolução do tratamento de glaucoma no país, na medida em que alinha efetividade terapêutica à geração de qualidade de vida aos pacientes.

Em breve, novos estudos serão divulgados em torno dos resultados mais amplos quanto ao uso das novas técnicas MIGS, e deixo aqui minha predição técnica enquanto médico especialista na área, além de um palpite, que acredito ser certeiro diante da minha vasta experiência diária com gente: estamos diante de algo disruptivo, capaz de reduzir os alarmantes números atuais e que farão com que os profissionais da área se reinventem e se qualifiquem ainda mais para atuarem nessa nova seara. O futuro está aqui! Não estamos falando de “se faremos parte disso”, mas de “quando seremos parte disso”.

Michael Bethlem

Oftalmologista especialista em Glaucoma

Diretor da Downtown Oftalmocenter

Quer conhecer o estudo completo? Acesse: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-72802016000600432

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