Alheira; chouriço com história na inquisição na Idade Média (Alheira; chorizo with history in the inquisition in the Middle Ages)
A Alheira é um prato típico de Portugal, um embutido de carne, tradicionalmente de aves e porco, temperado com alho e especiarias, como páprica e pimenta.
A iguaria é consumida grelhada ou frita, na companhia de batatas fritas ou cozidas e legumes.
Existem variações da receita da Alheira do país, como Alheira de Barroso-Montalegre, Alheira de Vinhais e Alheira de Mirandela.
A Alheira de Mirandela é a mais conhecida, fazendo parte da lista das 7 Maravilhas Gastronômicas de Portugal, que também incluiu o tradicional Leitão da Bairrada.
Alheira
A alheira é um enchido (ou embutido) típico da gastronomia portuguesa, cujos ingredientes principais podem ser: carne de aves, pão, azeite, banha, alho e colorau.
Mas como surgiu a alheira portuguesa?
Não existem registros históricos confiáveis, e a hipótese mais aceita e difundida é a de que ela foi inventada no final do século XV por judeus que se instalaram no interior de Portugal depois de terem sido expulsos da Espanha pelos reis católicos.
Lá, para não serem perseguidos pela Inquisição, teriam que fingir que consumiam normalmente carne de porco (animal proibido na religião judaica) e, por isso, criariam um tipo de chouriço apenas com outras carnes (vitela, coelho, peru, pato etc.) e massa de pão, para dar consistência.
A receita teria, então, conquistado o paladar dos cristãos, que depois incorporaram a carne de porco à versão original.
No entanto trata-se de uma típica salsicha (entenda-se por linguiça) da culinária portuguesa de um passado distante e ainda desconhecido, a alheira é um embutido defumado em formato de ferradura e cilíndrico, que tem em seu interior uma espécie de pasta formada por diversos tipos de carne, pão e condimentos.
Uma das versões mais famosas é a alheira de Mirandela.
A alheira pode ser consumida grelhada ou assada e normalmente é acompanhada de batatas cozidas e legumes da época ou então com batatas fritas, arroz e ovo frito.
No Brasil, em alguns bares, também costuma ser saboreada como aperitivo, quando é servida junto com fatias de pão.
Segundo a tradição, este enchido (ou embutido) terá sido criado por cristãos novos que, em segredo, continuavam a guardar costumes da sua renegada religião judaica, a fim de dar a entender a toda a sociedade de que eram cristãos assumidos e bem integrados.
Como o judaísmo proíbe o consumo da carne de porco, alguns dos supostamente recém convertidos teriam inventado um chouriço onde discretamente a carne de ave substituía a carne de porco, tradicional entre os cristãos.
Desta forma, nas primeiras alheiras foram usadas várias carnes alternativas ao porco, tais como peru, galinha e outras aves.
Esta suposta ligação com os cristãos novos talvez não passe de uma ideia romântica popular, sendo que não há fatos concludentes que a suportem.
No entanto, também pode ser que o seu aparecimento esteja ligado ao próprio ciclo de produção de fumeiros (defumadores) caseiros, ou simplesmente à necessidade de conservação das carnes dos diversos animais criados e para consumo próprio.
Na região de sua origem, o norte de Portugal (Região de Trás os Montes) a alheira é consumida grelhada, ou assada em fogo brando, acompanhada com batata cozida regada de azeite, e legumes de época.
No sul de Portugal o natural é encontrar nos menus a alheira frita, acompanhada de batatas fritas, ovo estrelado e saladas de alface e tomate.
Algumas preparações a alheira é acompanhada de couve ou de nabiça.
É uma presença habitual nos cardápios dos restaurantes de todo o país.
O nabo é uma raiz e a nabiça é a sua folha.
Esta classificação, quanto à constituição, da planta destinada à alimentação é muito saborosa.
O nabo e a nabiça apresentam diferentes formas de preparação, mas são deliciosas e saudáveis podendo ser utilizadas em sopas e nas saladas.
A mais famosa das alheiras é a oriunda de Mirandela na região de Trás os Montes, considerada a de melhor qualidade, tendo sido nomeada uma das 7 maravilhas da gastronomia de Portugal.
Também há produção de alheiras, de grande qualidade, na região norte (Vinhais), na região de Mirandesa e em Montalegre.
Os tipos são diferentes na forma de preparo, e algo que as mantém distintas, é o tempo que permanecem dentro do fumeiro (defumador).
Por tradição, os fumeiros da região norte levam mais lenha e utilizam mais vinho e alho, se comparados com os defumadores da região da Mirandela, porque são mais suaves e menos temperados.
Atualmente a produção de alheiras é um negócio industrial, mantendo-se, no entanto, a elevada qualidade no processo de produção.
Quem quiser provar alheiras mais próximas do seu estado original e da sua essência primitiva, terá de recorrer à produção artesanal, encontradas nas aldeias do Concelho de Mirandela.
As alheiras extrapolam atualmente o território transmontano e produzem-se em muitas regiões de Portugal, ainda que sem a qualidade do local de origem.
Em países consumidores de embutidos, as pessoas não veem com bons olhos se uma salsicha (entenda-se como sendo uma linguiça) tem uma proporção muito grande de seu recheio que não seja a tradicional carne.
Mas a alheira é justamente isso: carne de aves ou coelho, pão, azeite, banha e colorau - além, claro, de bastante alho.
O apreço por ela é também uma questão histórica: a alheira pode ter ajudado a salvar milhares de vidas na Idade Média.
A cozinha portuguesa é repleta de narrativas que refletem um passado de invasões e colonizações que forma uma imensa tapeçaria de povos, misturando continentes e religiões de ocupantes e invasores.
Muitos pratos em Portugal datam do período da Invasão Moura, que também ficou conhecida como uma era dourada para os judeus na Europa Ocidental.
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A partir do século VIII, muçulmanos do Norte da África deram as cartas em grande parte da Península Ibérica, incluindo uma cidade cheia de colinas chamada Al-Ushbuna.
Uma comunidade judaica fixada na região há muito tempo, e que conviveu em harmonia com os invasores.
Do marzipan e confeitos com água de rosa a sopas, cozidos e salsichas, as duas culturas deixaram suas marcas gastronômicas no que se tornaria a Lisboa dos dias atuais.
Em Portugal existem linguiça mouro, prato mouro com peixes e até caldos mouros como frutos do mar, que são chamados de cataplana.
Esses pratos obedeciam às leis religiosas islâmica e judaica, sem a utilização de ingredientes utilizados atualmente, como crustáceos e carne suína.
No século XII, quando os cruzados cristãos passaram pela primeira vez por Lisboa, assassinando e violentando muçulmanos, judeus e mesmo irmãos de fé, a cidade já tinha sua cultura culinária.
Ingredientes usados por cristãos, como a carne de porco, misturaram-se ao leque de muitos outros sabores.
Mais tarde, com as navegações, ingredientes como tomates e pimentas deixariam sua marca.
O historiador Paulo Scheffer, um especialista na história judaica de Lisboa, diz que é difícil separar o que hoje é identificado como comida portuguesa de suas raízes árabes e judaicas.
Mesmo depois da expulsão dos mouros pelas Cruzadas, Portugal seguiu como um lugar relativamente tolerante às invasões.
Mas depois que os reis Ferdinando de Aragão e Isabel de Castilha, o mesmo casal real que financiou a expedição de Cristóvão Colombo, expulsaram os árabes de seu último emirado na península, Granada, mudou tudo.
Católicos devotos e amigos do Vaticano, Ferdinando e Isabel acreditavam que judeus praticantes poderiam encorajar convertidos ao cristianismo a voltar a adotar a religião original.
E criaram uma legião de interrogadores que saiu em perseguição dos judeus no que ficou conhecido como a Inquisição Espanhola.
Como resultado, dezenas de milhares de judeus foram expulsos ou fugiram do que hoje é a Espanha, tomando o rumo de Portugal, em especial Lisboa.
Mas a cidade não ficou segura por muito tempo: depois que a superpopulação local causou um surto de praga, cristãos portugueses forçaram os judeus a viver do lado de fora das muralhas.
E, em 1496, Portugal aderiu às conversões forçadas de judeus para o cristianismo.
Dez anos mais tarde, o Massacre da Páscoa resultou na perseguição, tortura e morte de centenas de pessoas acusadas de serem judias.
Iria piorar porque em 1536, a Inquisição chegou de vez a Portugal e não demorou muito para que judeus fossem torturados e queimados na fogueira com a chancela oficial.
Muitos deles optaram por converter-se ao Cristianismo, mas por vezes como disfarce.
Para esconder a fé de verdade, usavam expedientes como escrever preces hebraicas em livros de oração cristãos ou combinar palavras judaicas a rituais católicos, lutando para a preservação de sua identidade cultural.
Uma comunidade em Belmonte, por exemplo, conseguiu esconder sua fé por mais de 400 anos.
E foi nas montanhas de Trás os Montes que uma comunidade de judeus, que vivia alí escondida, criou a melhor alheira de Portugal: a alheira de Mirandela.
Era costume em Trás os Montes que moradores conservassem salsichas (entenda-se linguiça) de porco para consumir nos meses de inverno, penduradas em vários pontos da casa.
Mas não na casa de judeus, que não comem carne suína.
Mas em Mirandela foi desenvolvida uma salsicha de pão que poderia enganar informantes e dedos duros dispostos que denunciariam os judeus.
Para os judeus asquenazes, segundo o historiador Paulo Scheffer, a alheira de Mirandela parece muito com a kishke, uma salsicha kosher recheada com gordura, farinha de trigo, cebola e temperos, geralmente servida com o tcholent, cozido de feijão servido no shabat (aos sábado).
Kishke (intestino em Ídiche) é um prato popular na cozinha judaica (judeus asquenazes) que é preparado no shabat.
Asquenazes ou asquenazim são os judeus provenientes da Europa Central e Europa Oriental.
O termo provém do termo do hebraico medieval para a Alemanha chamada Ashkenaz.
Nos dias de hoje, o termo asquenazita é utilizado para tratar das tradições religiosas dos judeus que viviam na Europa Oriental, assim como as de seus descendentes, espalhados por todo mundo após o Holocausto ocorrido na Segunda Guerra Mundial.
Os judeus de Trás os Montes tradicionalmente faziam sua alheira com pão e frango. Hoje em dia, a iguaria não é somente produzida nas montanhas, e pode incluir carne de porco na sua produção.
É encontrada em cafés e supermercados, apesar de ser esnobada por estabelecimentos refinados (gourmet).
Em locais onde se pratica uma culinária mais popular, é alheira é consumida acompanhada com ovos fritos, batatas fritas e arroz.
Portugal também redescobriu sua história judaica.
Embora os judeus só tenham começado a retornar ao país no século XIX, e não houvesse mais do que mil judeus em Lisboa durante os anos em que Adolf Hitler esteve no poder na Alemanha, a cidade, e o país eram neutros, servindo de refúgio para quem fugiu da perseguição do nazismo.
Desafiando o ditador Antônio Salazar, o diplomata Aristide de Sousa Mendes, por exemplo, concedeu visto de viagem para que milhares de judeus cruzassem o Atlântico para escapar dos horrores do Holocausto.
A alheira hoje deixou de ser um símbolo de sobrevivência para se tornar elemento comum na culinária portuguesa.
Só que, ao mesmo tempo em que a palavra sábado vem do shabat judeu (o dia de cessação do trabalho), a alheira é uma pista de um passado inesquecível para portugueses e judeus.