ANARQUIA NÃO É CAPITALISMO SELVAGEM
No próximo 19 de novembro a vizinha Argentina escolherá seu novo presidente. Um dos candidatos, Javier Milei, tem sido associado a um suposto “anarcocapitalismo”. O termo “anarco” não procede. O certo seria chamá-lo simplesmente de “capitalista selvagem”. A proposta dele elimina o estado e deixa tudo, absolutamente tudo, nas mãos do mercado. Anarquia, por sua vez, não é “sem estado”; é sim “estado sem opressão”.
Embora anarquia, enquanto teoria política, não atenda a uma definição única e imutável, a sua essência pode ser descrita como almejar uma sociedade na qual os indivíduos cooperem livremente entre si como iguais e, especialmente, sem opressão. O anarquismo se opõe a todas as formas de controle hierárquico, venha ele do estado, de organizações ou de empresas, por ser danoso tanto ao indivíduo quanto à sociedade e, portanto, desnecessário.
Assim, em que pese a compreensão popular de anarquismo enquanto movimento violento contra o estado, ele é uma tradição muito mais pacífica e sofisticada. Os anarquistas se caracterizam principalmente pela oposição à ideia de que o poder e a dominação sejam elementos indispensáveis ao funcionamento da sociedade, defendendo sempre formas cooperativas e não hierárquicas de organização econômica, política e social.
É possível uma leitura contemporânea de anarquia enquanto centrada nas garantias de liberdade e no estímulo às ações individuais e coletivas que enfrentem, de forma solidária e cooperativa, problemas e desafios. Para tanto, em tese, no limite, admite-se a necessária mediação, principalmente em saúde e educação, de um estado não opressor que viabiliza o funcionamento de uma sociedade justa que seja econômica e ambientalmente sustentável.
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Anarquismo não se caracteriza por oposição à democracia, enquanto conceito, nem se reduz de forma simplista à negação pura e simples da noção de mercado. O foco prioritário dos anarquistas é nas liberdades e nas soberanias, individuais e coletivas, ancoradas nas premissas de governo baseado na não-opressão e no espírito de apoio às iniciativas solidárias.
Com relação às religiosidades, incluindo a não religiosidade, trata-se de decisão de fórum íntimo, sendo inadmissível qualquer interferência do estado. Sobre drogas, o uso por adultos é uma opção do usuário esclarecido, sendo, quando for o caso, tema de saúde e jamais de polícia. A pena de morte pelo estado é inaceitável. Os sindicatos são vistos, principalmente, como instrumentos de libertação e não como simplesmente defesas corporativas ou setoriais, as quais, eventualmente, possam conflitar com o social ou o indivíduo. Armas estão diretamente associadas à opressão e à possibilidade de violência. A homossexualidade, bem como todas as manifestações individuais que não prejudiquem o coletivo, devem ser plenamente naturalizadas (mais do que aceitas) por toda a sociedade.
Assim entendidos os anarquistas, enquanto possível leitura de inclinações políticas, é bastante provável que tenhamos muito mais anarquistas, argentinos ou brasileiros, do que sonham essas sociedades. Isso tudo desde que fique bem claro que o anarquismo está muy muy lejos do capitalismo selvagem, este sim avesso à democracia.