Andreoli, a abelha e o leão
As fotos que ilustram o abre deste artigo são de 15/2/24, meu último dia na Globo, quando me despedi da equipe e da empresa em que fiquei por 17 anos (pra quem não leu, tem uma publicação aqui sobre). Mas as imagens são só para situar o Felipe Andreoli no que eu quero escrever hoje no LinkedIn.
A parceria com o Andreoli no Globo Esporte durou quase cinco anos. Ele me chama de “Zegon” por causa do meu homônimo DJ Zegon (ou DJ Zé Gonzales), emblemático no Planet Hemp dos anos 90. A estreia no comando do GE foi em 1º de junho de 2019, um sábado. Participei de toda a preparação, estive ao lado dele na hora de ir para o ar pela primeira vez e depois ainda fomos juntos até o Pacaembu, onde seria disputada a final da Taça das Favelas.
Mas conheço o Andreoli de outros tempos, antes do GE, antes do CQC... E é até lá que quero nos teletransportar. O ano era 2004, eu era repórter do jornal Lance! e cobria o dia a dia do São Paulo. O Felipe era produtor na TV Cultura e começou a ser escalado como videorrepórter. Na época, chamávamos carinhosamente de “repórter-abelha”. O abelha é uma espécie de “one-man-show” ou, traduzindo grosseiramente, um “faz-tudo”. É aquele repórter que vai sozinho para a pauta, muitas vezes até dirigindo o próprio carro, carrega e opera câmera, monta tripé, iluminação, grava imagens, se grava, faz entrevistas, gera para a emissora... É um combo “tudo em um”.
Andreoli costumava acompanhar os treinos do São Paulo no CT da Barra Funda, onde eu estava todos os dias na função de setorista. Chegamos a fazer algumas viagens juntos. Recordo da primeira viagem dele, para Quito (Equador), num 3 a 0 da LDU sobre o São Paulo pela Libertadores da América, e que ele relembra nesse post aqui abaixo.
Felipe coleciona – e sempre conta – uma história curiosa com o técnico Emerson Leão. O treinador se recusava a dar entrevista para ele na função de “abelha”. Certa vez, Andreoli fez uma pergunta para o técnico na coletiva e a resposta foi seca: “Não vou responder para você”. Questionado, o treinador emendou: “Já falei isso para sua emissora e para seus colegas. Vocês (videorrepórteres) estão roubando emprego dos cinegrafistas”.
Na visão de Leão, um repórter-abelha, operando a própria câmera, estava tirando o lugar de outro profissional. Para quem não é do meio, quando uma equipe de TV vai para uma gravação, existem vários modelos. Um modelo mais simples, com repórter e cinegrafista, até um modelo mais completo, com repórter, um cinegrafista (às vezes mais de um até), produtor, operador de áudio, auxiliar... A equipe do Andreoli era ele e ele mesmo. No máximo, ele e o Felipe, o Felipe Andreoli.
A partir daquele dia, quando a TV Cultura ia para uma entrevista do Leão, não usava mais o modelo abelha, mas sim uma equipe.
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Avancemos duas décadas e cortemos para 2024. Ainda que não se use muito mais a nomenclatura “abelha”, virou a coisa mais normal esse faz-tudo no dia a dia das emissoras. Há algumas semanas, minha esposa, ao ir pegar o trem para trabalhar, me mandou uma mensagem sobre um repórter da Globo que fazia uma entrada ao vivo na estação Santo Amaro da CPTM.
Transcrevo pra vocês a mensagem da Caroline Gonzalez : “O cara da Globo aqui na estação, chocante ver o que ele precisa fazer pra entrar no ar ao vivo, entrevistando e sendo câmera ao mesmo tempo, segurando pau de selfie...”.
Era o produtor Hermínio Bernardo . Ele é praticamente um setorista das estações de trem e metrô no Bom Dia São Paulo. É treinado no que chamam na Globo de “MoJo” (Mobile Journalist) e faz muito bem o trabalho dele. Consegue empilhar os pratos, rodopia todos ao mesmo tempo e raramente deixa cair ou quebrar algum. É um craque! Quase todos os telejornais hoje em dia, principalmente os locais, se utilizam desse recurso.
Não vou entrar na questão se o Leão estava certo ou errado, mas é fato que um profissional que faz tudo acaba, involuntariamente, tirando espaço de outros. Mas a evolução do mundo pede isso, a tecnologia ajuda e incentiva, o custo para a empresas diminui e o produto final é entregue, ainda que com alguma perda de qualidade.
Também existe o debate sobre estaremos formando mais generalistas e menos especialistas. Todo jornalista recém-formado precisa sair da faculdade minimamente com noções de captação e edição para ser o profissional versátil que o mercado exige. Nos meus tempos de Globo, com parceria do Leander Oliveira , supervisor de cinegrafia, incluímos como obrigatória a passagem dos estagiários pela área dos repcines. Poderíamos descobrir algum talento, ou, na pior das hipóteses, apenas dar capacitação a quem quisesse aprender.
No embate do Leão com as Abelhas, com quem você fica?
Editor e apresentador na TV Liberal
8 mExcelente discussão! Penso que Leão e abelhas tem suas razões. Resta a nós, profissionais, buscar adaptação aos novos tempos!
Jornalista | Mobile Journalist (MoJo) - TV Globo
8 mOi Zé! Muito legal! Acredito que o Mojo é uma forma de linguagem. Consigo entrar ao vivo em lugares (como um trem lotado) que seria impossível um repórter cinematográfico conseguir. Mas claro que tem limitações como internet, bateria, memória e sinal. Tem área da capital e da Grande SP que não pega de jeito nenhum. Tem reportagem que não dá para fazer de Mojo, como uma coletiva por exemplo. O Mojo é uma forma de linguagem que complementa a reportagem de uma "equipe tradicional" (repórter + cinegrafista). Várias vezes faço essa dobradinha no BDSP, com uma equipe em um ponto e eu sozinho em outro local, abordando o mesmo assunto. A tecnologia e os novos equipamentos estão aí para isso. Essa foto do post, por exemplo, já tem quase um ano. De lá para cá, praticamente o kit todo mudou com equipamentos mais modernos que facilitaram muito a minha rotina.
Journalism | Media | Photography
9 mBoa reflexão! E você e o Andreoli são uma baita dupla!
Gerente de Tecnologia Grupo Globo
9 mA pergunta vem exatamente de onde você veio meu amigo Zé Gonzalez. Qual o papel do digital e o novo perfil de profissional que foi criado para essa plataforma e que hoje é usado de certa forma na TV? O único fato, que o que possibilitou essa virada, foi a tecnologia. Hoje usamos um celular com um chip em 5G/4G para transmitir áudio e vídeo com qualidade. Lembra no CT tinha os locais das UMJ´s para vivo e gerar material? Carros de médio porte, que usavam antenas de MW (com mastros) e satélites para essa conexão com emissora. O tempo voa e entendo que agora algo legal, que o conteúdo prevalece sendo o diferencial.
Jornalista l Videorrepórter l TV TEM- Afiliada Globo l Pós graduando ESG- PUC
9 mExcelente debate , Zé . Trabalho com MoJo há mais de dois anos no interior de SP e muitas vezes fui questionado: “ mas você faz tudo sozinho com celular?” “ não tem mais cinegrafista? “ . Eu trabalhei muitos anos com cinegrafista e sei a falta que eles fazem no nosso dia a dia, mas como você disse, o mercado nos exige versatilidade. E precisamos aprender a lidar com isso, independente da área. Confesso que fico bem feliz quando alguém assiste minhas matérias e elogia as imagens ou até mesmo fica surpreso quando descobre que foi feita “com celular” . E tudo é um movimento , com prós e contras .