Aprender na empresa é um direito, não um dever.
"Aqui na nossa empresa, cada colaborador deve ser protagonista do seu desenvolvimento e da sua carreira!"
Escuto essa frase com a mesma frequência que escuto queixas de que os times não participam de treinamentos ou não aproveitam as oportunidades que a empresa oferece.
Muitas organizações vivem uma situação paradoxal: quando as pesquisas de clima são realizadas, as avaliações relacionadas às oportunidades de aprendizado são ruins. Contudo, quando oferecemos os programas de treinamento temos que fazer um esforço enorme para garantir um número mínimo de presentes e não desperdiçar os recursos da empresa.
Vejo também uma preocupação dos times de T&D em justificar os investimentos em plataformas e conteúdos online que às vezes são subaproveitados, especialmente se considerarmos o potencial e o volume de conteúdo que elas possuem.
Essa situação gera frases como a do início do texto.
E acabamos por duvidar da vontade, interesse ou capacidade dos aprendizes adultos que habitam nossa empresa. Sem saber o que fazer - e com uma pressão enorme em função de metas baseadas em volume de treinamento, geramos o quanto mais melhor e acabamos por criar políticas e processos que incentivam a participação compulsória nos treinamentos.
Fazemos isso, mesmo sabendo que adultos não aprendem sem uma participação ativa na escolha. A Andragogia também nos ensina que a verdadeira motivação para o aprendizado é a intrínseca. Por isso, artifícios como email para o gestor ou listas de presenças são tão pouco efetivas. Como dizemos no manifesto lifewide que publicamos na nōvi,
"a verdadeira presença não se mede de fora para dentro".
Como participante ativo da comunidade de RH nos últimos 20 anos, acredito que temos um primeiro passo a dar antes de cobrar interesse e autonomia dos colaboradores. Podemos começar fazendo um mea culpa: somos os responsáveis pela suposta passividade desse grupo.
A lógica das universidades corporativas - ou as áreas de educação corporativa e treinamento da grande maioria das empresas - é baseada em controle e em heterodireção, o contrário da autodireção do aprendizado tão desejada. Nós seguimos os modelos educacionais clássicos e assumimos o papel de diretor da escola ou curador chefe de toda a empresa. A área de RH é quem define o que é necessário aprender, qual o formato desejado e estabelece as datas para aplicação do conhecimento. E pune (ou no mínimo reclama ) quando o aprendiz não pode ou não quer participar.
Não me canso de citar o Eduard Lindeman, que há quase 100 anos já nos dava algumas dicas do que funciona para o aprendiz adulto. Não podemos forçar alunos a estudar disciplinas "na esperança de que algum dia essas informações sejam úteis. Pelo contrário, [a aprendiz adulto] começa dando atenção a situações em que se encontra e a problemas que trazem obstáculos para sua autorrealização."
Antes de convidar (ou pior, convocar) alguém para um workshop de negociação, design thinking, mentalidade ágil ou transformação digital é importante levar dois aspectos em consideração: i) a pessoa tem vontade de aprender sobre esse tema? Faz sentido para seu momento de vida ou carreira?; e ii) existe uma situação real de aplicação do assunto aprendido nas próximas 4 a 6 semanas?
Se alguma das perguntas tiver um não como resposta, o participante deveria ter todo o direito de dizer que prefere não fazer o programa sem qualquer punição.
Um outro aspecto importante é que o aprendizado informal é totalmente ignorado pelas práticas oficiais das empresas. O que as pessoas aprendem fora do mundo de T&D não é percebido como aprendizado "de verdade" pela empresa. E o pior, muitas vezes os próprios aprendizes não reconhecem o valor de um projeto, um papo ou rituais que estão conectados ao trabalho, como uma reunião de lições aprendidas ao final de um projeto.
E para falar a verdade, não podemos dizer que ficamos felizes quando descobrimos que alguma área se aventurou a oferecer um workshop, ou outro treinamento formal sem que o RH tenha participação.
Por isso, digo que o primeiro passo é reconhecer que o aprendizado é um direito, não um dever.
Nosso papel é contar isso para ele ou ela. Ajudar cada um a desconstruir a lógica que lhes foi imposta nos últimos 50 anos e fazer um convite para o aprendizado autônomo da maneira mais clara e generosa possível. Junto com isso oferecer apoio para cada um aprender a criar suas jornadas de maneira autônoma.
O time de RH também precisa aprender a atuar de uma forma diferente e a desempenhar um novo papel. Claro que ainda existe muita necessidade e espaço para programas formais, mas isso já sabemos fazer bem.
O que precisamos é nos aventurar e criar espaços de desenvolvimento em que não temos controle. Reconhecer que é bem provável que exista gente mais preparada para pensar em iniciativas informais de aprendizado do que a distante área de T&D. Precisamos deixar de ser provedores e assumir nossa missão de criar uma nova cultura de aprendizagem nas empresas. Isso é parte de uma função social da empresa.
Há quase 6 anos escrevi um artigo para o UOL com o título "Ainda não aceitamos o fato de que o aprendizado ocorre no trabalho". Todo esse tempo depois, sinto que evoluímos pouco. Eu poderia terminar esse texto com as mesmas palavras que utilizei: "A proposta é parar de controlar cada clique e reconhecer mais o resultado do que o processo, mais o impacto do aprendizado do que o conteúdo em si. Enfim, de considerar aprendizes adultos como seres autônomos, responsáveis e criativos."
Contudo, após o volume de interessados e a energia que vivemos no From Control To Culture, nosso festival de cultura de aprendizagem, começo o mês de março com muito mais esperança.
Acredito que atingimos o ponto de não-retorno e nossa comunidade percebeu que precisamos de novos caminhos. Eles não são tão óbvios e estruturados como os que já conhecemos, com certeza trazem riscos e situações inesperadas.
Portanto, precisamos de um grupo de aventureiros e aventureiras apaixonados, que sejam abertos e ativos para o aprender com a mesma intensidade que exigimos dos nossos colaboradores.
Vivemos o começo dessa transformação, não só no Brasil, e acredito que estamos na direção correta.
É só o começo, mas agora somos muitos e estamos juntos
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PS: Nos projetos da nōvi, utilizamos nossa matriz lifewide para termos certeza de que não esquecemos de equilibrar o formal com o informal, e a autodireção com a autodireção. Aqui apresentamos esse instrumento (que é aberto) e damos algumas dicas de como utilizamos.
Especialista em DHO | T&D | People Experience and Engagement | Diversidade & Inclusão | Gestão de Projeto | Open to Talk 🏳️🌈 ♾️ 🌻
3 aGustavo Marques, acredito que você possa achar interessante a reflexão 😊
Customer Experience Business Partner
3 aAndrea Bulgari Cervantes Luciana Querino de Melo Mancini Luciana Bolz Marcio Monti - PhD
RH | T&D | DHO | BP | Gente e Gestão | Psicóloga
3 aConrado Schlochauer Acredito sobre a questão da autonomia sobre o que aprender... Mas "vontade" em aprender não significa ter consciência dos seus pontos necessários de desenvolvimentos que impacta no seu trabalho. Os programas de desenvolvimento de liderança deixa de existir? ou Cria-se algumas opções porém "direcionada" para dar ao poder de escolha do profissional?
Engenheira Civil | Engenheira da Qualidade
3 aJuliana Bellak Moraes Ozeas
Marketing | Comunicação | Produtos | Consultoria em Projetos | Inovação | Design Estratégico
3 aMto mto boa reflexão! Obrigada por compartilhar.