Aprendizado, Propósito e lições para toda uma vida - a líder que mais admirei na vida

Aprendizado, Propósito e lições para toda uma vida - a líder que mais admirei na vida

Esse artigo é sobre Aprendizado, Propósito e Lições para toda uma vida.

Começo esse texto pelo fim, trazendo trecho de uma conversa minha com a líder que mais admirei na vida, minha avó Geny... há mais ou menos 35 anos ela me disse algo como:

"Senta aqui meu filho ….. sabe essa comida que você entrega todos os dias quando chega da escola? ….É a mesma que todos nós comemos em casa" . Vó Geny.

Desde pequeno sempre vi minha avó trabalhando muito, mas muito mesmo. Com pouco estudo, muita sabedoria, coração imenso e uma força interior que dificilmente vi até hoje , ela era a líder que mantinha a família unida e conseguia nos guiar por todo os tipos de adversidades e momentos difíceis , e olha que as décadas de 80 e 90 foram recheadas deles .

O “home office” já era realidade na minha casa , muito antes de entrar em moda . Mas era um trabalhar de casa diferente . Entre os barulhos das máquinas de costura e apitos de panela de pressão , o trabalho na minha casa era intenso, diário e com pouco descanso . Minha mãe trabalhava fora , era engenheira química , de um órgão federal , ela que trazia a base financeira , base mesmo no sentido do básico, mas que não daria para todos . Para completar o quebra cabeça financeiro , minha avó entrava em cena.

A Força do Trabalho

Quantas noites eu a via naquela máquina de costura de tricô, que fazia um barulho imenso, trabalhando até terminar a encomenda que ela tinha . Algumas vezes com a ajuda de sua querida amiga ,tia Neusa, elas varavam a noite. Dia seguinte estavam lá inteiras, começando tudo de novo , pelo menos era essa a imagem que eu tinha ,  que independente de tão cansadas e quebradas por dentro que porventura estavam , ela me transmitia a plenitude e segurança de que no final tudo daria certo .

Máquina Singer, que minha avó trabalhava incansávelmente


Foi nessa época que começou meu aprendizado sobre várias coisas que ajudaram a construir quem sou hoje , na minha vida e profissão . Aprendi sobre gente , a força do trabalho , sobre liderança e talvez o maior dos aprendizados , sobre propósito .

Como eu entro nessa história

Dentre outros micro negócios que minha avó tocava , um deles trabalhei mais intensamente. 

Das diversas habilidades que ela tinha , ela dominava a arte da cozinha . Mas não só de cozinhar em si . De pensar como fazer algo bom, com pouco dinheiro, muito sabor, encantar os “fregueses” e alimentar a família . 

Isso é uma arte sim , mas  é também  uma operação complexa. Conplexa do ponto de vista financeiro, de supply chain, marketing , experiência do cliente e claro de escassos Recursos Humanos. 

Esse pequeno negócio que minha avó tinha em casa, consistia em todos os dias pela manhã cozinhar refeições para o almoço e entregar para pessoas que trabalhavam em empresas da vizinhança .

No Rio, onde morávamos , eram  as famosas “quentinhas”, aqui em São Paulo seriam as marmitex! 

Lembro dela a noite pensando no cardápio para o dia seguinte . Com o dinheiro curto( a inflação era implacável)  e os clientes pagavam pagavam mensalmente , ela tinha de ser criativa . 

Eu a via conversando lá em casa para decidir o que seria de cardápio (único) para o dia seguinte . Era um planejamento diário, do o que , do como e da execução . 

Por mais difícil que fosse, sempre tinha o cardápio do dia seguinte.

 Alguns com mais sucesso, quando dos dias de feijoada por exemplo , para a alegria dos fregueses , e claro, de nós em casa , e outros dias com menos popularidades , como as dobradinhas e bifes de fígado que também eram feitos . Em casa, eu pelo menos , comia o que tivesse , não tinha a opção que o freguês tinha de ir a outro lugar , e estava tudo ótimo , eu e minha família tínhamos comida para nos alimentarmos .

Pois bem, deixa eu falar como eu entro nessa história . 

Por um bom tempo, lá para os meus 12 anos , eu fui o entregador das refeições . Era um IFood a moda antiga . Minha rotina era a seguinte :

Ia para escola de manhã , chegava em casa por volta de meio dia e pouco e ao chegar , ainda sem tirar o uniforme , a primeira caixa de quentinha já estava preparada para eu levar . Era uma caixa de papelão grande , daquelas de mudança ,  que cabiam em torno de umas 10 a 15 quentinhas . 

A empresa, onde os clientes para quem eu entregava era do lado do predinho que eu morava . 

Meu prédio não tinha elevador , então meu trabalho era descer os 3 andares de escada com a caixa , ir andando até o prédio de  escritórios  , pegar o elevador para o 10o andar e começar as entregas do andar mais alto até o térreo  . A caixa já estava organizada por andares , então ia a cada  sala dos fregueses , fazia a entrega , e descia um lance de escada para as salas seguintes .

As quentinha tinham seus nomes . E , por incrível que pareça , me lembro de muitos deles e ate de suas preferências até hoje . 

Na marmita da Lia estava escrito “pouco feijão” , a do Moabis , um senhor super alto e com apetite enorme  , sempre era a mais cheia , quase não dava para fechar ,  ele sempre pedia  para caprichar na quantidade  . O Edson , que no meu imaginário era  o chefe da empresa , era um dos únicos que sempre pagava na hora . Era indescritível  minha felicidade de colocar um PG ( pago) ao lado de seu nome no caderninho que eu levava . Praticamente para todos os outros , eu escrevia que pagariam no final do mês .

Na tampa branca ia escrito o nome e as preferências dos fregueses.


Dias de feijoada por exemplo , poderiam me custar quatro viagens dessas . Ia , entregava a primeira caixa, enquanto minha avó preparava a segunda , e fazia o percurso, com aquele cheiro maravilhoso do feijão da minha avó ,  por sucessivas vezes . 

Aprendi muito sobre gente nesse meu primeiro “emprego” . Começava a entender ali que todos nós somos bastante diferentes, que temos motivações, gostos e formas de nos comunicar bem distintos . 

Escutava atentamente algumas poucas reclamações, que eram as vezes doloridas mas importantes de ouvir .

 Ficava Imensamente  feliz quando ouvia elogios, ou sobre mim ou sobre a comida e o atendimento … e ainda mais feliz quando chegava em casa e repassava para a minha avó , sempre aumentando um pouquinho , porque achava que ela merecia !

A Lição e o Aprendizado

Mas claro , nem tudo eram flores … não era fácil para mim , com 12 anos , chegar da escola e pensar que enquanto meus amigos estavam já almoçando , ou tirando aquela soneca , eu estava ali pra cima e pra baixo carregando peso , lidando com um monte de adultos e , ainda por cima , com aquela fome de adolescente indo e voltando com aquele cheirinho de comida . Chegou um momento que acho que comecei a demonstrar um pouco de insatisfação para minha avó .

Foi quando eu tive uma das maiores lições de liderança da minha vida . Coisas que hoje vejo “gurus” vendendo cursos , programas e afins para ensinar profissionais no mercado , e não cobram barato . Mas naquele momento eu tive de graça , e tive o privilégio de não só ouvir essa lição , mas como também viver isso por todo o tempo que minha avó estava aqui conosco nesse mundo .

Ela me chamou um dia de tarde , que estava mais tranquilo , devia ser uma sexta, e falou que queria conversar comigo , pois ela estava sentindo que eu não estava bem .

Iniciamos a conversa , e do meu jeito ,e com muito respeito que tinha por ela , devo ter falado o que se passava na minha cabeça e porque estava meio chateado .  Aí veio o conselho e lição para toda uma vida .

 “Meu Filho( ela chamava todos assim , dos 3 aos 90 anos)  …Senta aqui comigo , sei que não é fácil o que você faz todos os dias , para mim também não é nada fácil , mas vou te dizer uma coisa … sabe essa comida que você entrega todos os dias quando chega da escola? Fazemos isso porque precisamos do dinheiro e, além disso, e o mais importante , essa é a mesma comida que todos aqui em casa comemos a cada dia “

Propósito

Ela me ensinava naquele momento que o meu trabalho não era o de entregar quentinha.  Na verdade era muito maior que isso , minha missão ali era ajudar a alimentar toda nossa família e não era pouca gente. Naquele momento , mesmo sem saber , estava aprendendo o que era Propósito . Meu trabalho era muito maior do que eu , meu propósito era alimentar a família e não tinha nada mais importante que isso,  aliás , para mim não tem até hoje .

Propósito , algo maior que nós, foi esse meu grande aprendizado .

Além disso , aprendi diversas outras coisas nessa época que uso em toda minha vida até hoje .

Assumir a Responsabilidade: Me apropriar dos meus erros e acertos, saber que quando algo é confiado a mim sou eu o dono daquilo e tenho que fazer. Aprendi que o primeiro passo para se conquistar mais responsabilidades é mostrando que posso assumir a responsabilidade que me foi delegada.

Aprendi que temos que dar nosso melhor em todas as situações, independente da função que temos, mesmo as mais simples, pois todas elas têm um papel importante para o objetivo maior .

As Pessoas são Diferentes : Aprendi também que temos primeiro que entender as necessidades dos clientes para que depois possamos atendê-las , sermos bons ouvintes, termos empatia, se prometemos algo , que entreguemos o prometido e, o mais importante, entendermos que os clientes são pessoas e como sabemos, os indivíduos são diferentes.


Minha avó era uma pessoa com pouco estudo, mas muito sábia que dominava como ninguém o ofício de como comunicar um propósito maior … me engajou de maneira única  no meu trabalho . Me mostrou que a experiência que os “funcionários” tem com a empresa se dá pela experiência que eles têm com seus líderes  . 


Líder que mais aprendi

Ela foi minha primeira líder e a que mais aprendi.

Minha avó foi a líder que mais admirei e inconscientemente ela me fez acreditar também sobre o tamanho do impacto que uma liderança tem nas organizações  . 

Grande parte do que fiz , do que sou e do que serei devo a minha avó Geny . Ela não deixou nenhum bem material , mas me deixou coisa muito mais importante que isso ,  um legado de aprendizado , me deixou valores que fizeram quem eu sou . Se hoje tenho a oportunidade de fazer diversas coisas na vida , como por exemplo escrever esse artigo , devo muito a minha avó Geny. 

Pude falar tudo isso para ela em vida , mas nunca deixarei de honrar a importância de seu legado para mim , e para tantas  outras pessoas que , como eu , tiveram a trajetória de suas vidas influenciadas e melhoradas a partir de seus ensinamentos . Obrigado Vó...

Até o próximo!

Erika Karagulian

Executiva Comercial | Estratégia comercial

4 m

Muito bom, me fez lembrar o meu avô, que era o responsável por abrir e fechar o comercio do meu pai. Não importava o clima, sua saúde, todos os dias as 8:00 as portas abriam. Meu avô me ensinou o que é responsabilidade e comprometimento. Grandes professores que não tinham diplomas, mas tinham valores.

Patrícia de Araujo Barbosa

Diretora de RH | Estratégia de Capital Humano | Transformação Organizacional | Projetos de RH | Pessoas & Cultura | Operações de RH | Diversidade & Inclusão (D&I) | Jornada do Colaborador

4 m

Obrigada por compartilhar Thiago! Pura inspiração! Abs

Patrícia Behmer

Psicóloga | Mãe | Diretora de Pessoas| Business Partner

4 m

Minha avó, Helena, era como a sua… Pessoa simples, estudou ate a 2a ou 4serie, mas muito sábia. Aprendi muito com ela.

ALEX AMARO

Regional | Distrital | Contas | Alta complexidade | Hospitalar | Virologia | Vacinas| Doenças raras | Transplantes

6 m

Quantos aprendizados! Obrigado por compartilhar essa linda passagem. 1 abraço.

Giuliana Bufalo

Assistente Executiva | Assistente Administrativo | Secretária Executiva Bilíngue

6 m

Amo suas histórias, Thiago! Parabéns 👏👏👏

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