APRESENTAÇÃO DO ROMANCE
“MINHA CASA OCIDENTAL – Relato verdadeiro sobre a morte do facínora”
Você gosta desse jardim?
Ele é meu!
Matamos as pessoas que sonham com ele.
“Seu livro é sobre o quê?”, perguntam-me recorrentemente.
Respondo.
Escrevi um romance segundo a definição clássica da forma literária. Trata-se, segundo previsão, do primeiro livro de uma trilogia denominada “Homem Terminal”.
O livro embute tramas de ficção, mas é híbrido, impregnado de cultura histórica. Mais precisamente, um livro de verdades e ficções. Personagens ficcionais, fácticos, figuras históricas e aconteceres efetivos, listados pela melhor historiografia, se misturam para compor o enredo. Como todo e qualquer trabalho a que se atribui ser de “ficção”, é o produto de licenciosidade artística permitida pelas experiências vividas, sentidas, intuídas, sonhadas, lidas e imaginadas. Os eventos históricos, como não poderia deixar de acontecer, foram interpretados com o inafastável subjetivismo. Aproveitou-se, ao livre alvedrio do autor, de elementos, dados, tempos e aconteceres humanos, empregados na narração e determinantes até mesmo da escolha das palavras, desde que primei pela utilização desejável daquelas constantes do português clássico mais em uso, no Brasil, dos anos setenta para trás. Aqueles mesmos em que transcorreram os fatos principais narrados.
O título é uma alegoria. “Minha Casa Ocidental” é uma figuração de elementos subjacentes. Valores, religião, geografia, geopolítica, cultura e o modo de vida ostentado pelos habitantes das nações a oeste do meridiano de Greenwich, que, sujeitos à herança greco-romana, aprenderam, desde cedo, o significado das expressões “Calcanhar de Aquiles” e “Cavalo de Troia”, eternizadas, com variações, a partir de Homero (O subtítulo é autoexplicativo). Embora trate de situações específicas, o enredo do livro foi formatado no contexto maior das experiências belicistas, ressentimentos e interesses, tanto os endógenos como aqueles que se relacionam com o resto do mundo, que movem as nações e os povos. A trama principal tem como base, em última instância, a batalha, a cargo das nações, pelos jantares dos séculos seguintes, usando como bucha de canhão os seres humanos comuns.
É um livro de autor-personagem. O autor fictício é também protagonista. Apresenta-se na primeira pessoa e narra na terceira (eventualmente, na segunda). O “eu” dele não quer calar, até mesmo porque tem um motivo extra: demonstrar tripudia, excrescente e desnecessária, em relação ao seu retratado principal, que sonha em ser escritor, mas não consegue nenhuma concretude na área das letras.
A morfologia demonstra que se trata de um só livro composto de 988 páginas. Entretanto, o conteúdo se apresenta sob a forma de três histórias que se entrelaçam para um final convergente (não é único, é um delta geográfico, uma foz com confluência de várias fontes), mantendo, desde o primeiro momento, a partir mesmo do subtítulo, um clima de suspense arrumado (“Quem é o facínora?”, induz o subtítulo). São contadas em trinta e quatro capítulos, três vozes (1.ª, 2.ª e 3.ª pessoa) e três linhas de tempo de cada uma delas, embora se entremeiem em alguns pontos.
A primeira história, na 1.ª pessoa, tem a narrativa iniciada no passado recente, 2018, mas retroage para contar o pretérito remoto, e depois avança até 2020. É uma ligação — costura — do todo, um preenchimento de lacunas que dá mais informação, interação e sentido aos capítulos das demais histórias escritas, preponderantemente, na terceira pessoa. Possui chave autobiográfica e testemunhal. O personagem autor, com o seu “eu” ativo, escreve e participa, contando a história de José Marcelino da Silva, dono do principal fio condutor do livro, como foi anunciado logo no capítulo preambular, escrito na primeira pessoa. Nesse mesmo canal, o personagem autor-escritor do livro estreia, contando também a sua própria história, misturando-se com o personagem principal. Além de narrar, fala de si próprio e da sua relação com José Marcelino da Silva. Assim, desliza no tempo, para trás e para frente, permitindo contar tudo, sempre identificando as datas das ocorrências. Nós a constatamos nos capítulos I, V, XXII, XXVI, XXXII e XXXIII. É nessa história, a nervura central, embora de menor tamanho, que as outras se colam e se sustentam.
As outras duas variantes, que também misturam ficção e história, são contadas na terceira pessoa, e, em menor quantidade, na segunda. À medida que a narração avança na linha do tempo, os personagens vão se encontrando.
A segunda história tem como personagem principal, Crescêncio Santana Souza, um típico “coronel” nordestino, pernambucano, das antigas. Tem início no 1.º dia da instauração da república no Brasil, revelando detalhes da vida dele e de alguns fatos históricos que permitem uma feição do país a partir daquele momento. A terceira se refere a Steven Montefeltro, norte-americano, agente da CIA, que no início dos anos sessenta veio ao Brasil no bojo do serviço de ajuda policial promovido pela Unites States Agency for International Development–USAID, um bônus do programa Aliança para o Progresso, de John Kennedy. O espião norte-americano termina fazendo parte da trama principal, ao lado de José Marcelino da Silva, isto, já na década seguinte, de setenta.
Através das particularidades ficcionais vividas pelos personagens, dos relatos históricos e das condições conjunturais narradas, acredito ter efetuado algo consequente, que interessa às pessoas em patamar bem acima da simples diversão pelo gosto da leitura. Um livro útil, que atua além do simples evento literário. No objetivo a que me propus, tracei um singelo retrato do Brasil, a partir da república, abordando temas pertinentes e urgentes questões nacionais em voga até os dias atuais. Também apresentei fatos ilustrativos do mundo que se destampou depois da Segunda Guerra Mundial, apesar de serem eventos já conhecidos e objeto de exaustivas considerações em todo o planeta. Nenhuma novidade, talvez apenas um modo diferente de olhar, ou de contar, nas páginas de um romance.
Mostrando homens, suas épocas, suas ideologias maniqueístas, suas cores, suas tendências, suas animosidades, suas guerras (quentes ou frias), suas armas, seus pensamentos, seus sofrimentos, derrotas e vitórias, compus uma paisagem, embora débil, das tensões humanas, sociais, políticas e econômicas que atravessaram o século XX e vieram bater, firmes, no seguinte, XXI. Este foi o objetivo priorizado, alcançar o mundo dos personagens, pois imaginei que não bastava contar por que “A” mata “B”. É preciso narrar a cosmética do mundo em que “A” mata “B”. Alerte-se, não se trata de um mundo novo. Cuida-se do mesmo velho mundo, cujos habitantes, dando seguimento às incursões passadas de outros povos, partiram em cursivas caravelas ultramarinas em busca de espólios. Navegavam e enfrentavam os mares enfurecidos para fazer a guerra em nome do lucro, mas detendo um eficiente álibi. Portavam, na frente, um estandarte, estimulante e anestesiante, de um Deus, que, certamente, não se reconheceria na convalidação dos atos, e afirmaria, sem nenhuma clareza aparente, “Eu sou o que sou” (Êxodo 3:14). Era como se a divindade aproveitada tivesse sido formatada em fantasias e talhada em pau oco.
Na escolha do amplo espectro histórico de quase cem anos, contando-se a partir do início do século XX e especialmente da Primeira Guerra Mundial, usei uma técnica de perspectiva muito particular. Foi dada especial ênfase no romance a duas situações dinâmicas, cujas consequências ainda se fazem sentir, a cada dia, mais fortes no presente cenário mundial. Em primeiro lugar, a decisão política e declarada de dominar o mundo, iniciada sorrateiramente ainda no início do século XX, com um aditivo à Doutrina Monroe, permitindo à nação norte-americana “exercer poder político internacional” e intervir em outros países na defesa dos seus interesses. Não demorou muito e, claro, essa intervenção começaria a ser pautada na alegada apologia do planeta inteiro, com os Estados Unidos, na condição de alentado xerife global, distribuindo heróis e ordens executivas por todos os continentes. Em segundo lugar, foi considerada a época florescente da eleição de John Kennedy, em 1960, nos Estados Unidos, que exprime completa e infelizmente o atual mundo de tirania internacional, a cargo da nação norte-americana, iniciado formalmente a partir de 1905.
Uma das inúmeras consequências dessa situação de dominação, apenas um exemplo dentre centenas de outros, foi a opressão norte-americana quanto ao governo nacionalista de João Goulart. Redundou na autodenominada Revolução Militar Brasileira de 1964, o ápice de uma caçada iniciada ainda contra Getúlio Vargas, que, desgostoso e irritado com o capital internacional internado, de origem norte-americana, afirmara: “Em vez de os dólares produzirem cruzeiros, os cruzeiros é que estão produzindo dólares e emigrando”. Foi a senha da perseguição que culminou, anos depois, na ditadura militar. Deflagrada sob o argumento de atender aos anseios nacionais de preservação das instituições democráticas e evitar a radicalização política, durou vinte e um anos, e as linhas mestras da cumeeira erguida continuam vigentes no Brasil atual. Vivemos, ainda hoje, sob o pálio dos ditames da Revolução Militar de 1964, especialmente no presente, quando o conservadorismo, unido com a mais nova versão do liberalismo em sua pior versão, fez surgir uma odiosa política ultradireitista que repica em muitas partes do mundo. Vivemos, durante muitos anos, sob a dominação norte-americana, promulgadora da Revolução Militar de 1964, escondida sob as leis do mercado e as ameaças belicosas, que não nos permitia sequer assistir a um filme francês ou italiano, tendo em vista as reservas comerciais e o poderio da grana seletiva, dominadora e castradora (O streaming, reconheço, tem modificado a situação com relação ao conteúdo posto à disposição, mas ainda assim é verdadeiro afirmar que o capital estrangeiro, associado com oligarquias locais, domina e determina a seleção do que devemos ver e ouvir). Em seguida a essa revolução militar brasileira, como a reafirmar a época de dominação castrense sob a batuta duradoura dos Estados Unidos, de John Kennedy, e da CIA, nove governos latino-americanos, eleitos pelo povo, foram afastados e substituídos por juntas militares e ditadores rapaces, em rápido curso de tempo. Dentre eles, o governo do Chile, em 1973, onde se desenvolve também parte da ação do romance. (Os demais países da América Latina já estavam completamente alinhados com as diretrizes de Washington, e as intervenções forçadas não foram necessárias).
Foi nessa conjuntura histórica, no epicentro dessas tensões dos anos setenta (ainda atuais sob muitos aspectos, especialmente no que concerne às políticas internacionais e às questões sociais), que, transitando entre as cidades de Salvador e Santiago do Chile, o personagem principal — estudante esquerdista pernambucano, radicado na Bahia — encontrou o agente da CIA, em 1973. Isto, após este último ter trabalhado, a partir de 1962, em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, quando participou intensamente de atividades conspiratórias contra o governo de João Goulart. Por último, trabalhara também em Montevidéu, no Uruguai, em Santiago do Chile, e em outros países da América, no início da década de setenta. Foi quando os personagens, desafiando todas as probabilidades, se confrontaram em local não determinado, no cone sul da América Latina.
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Esta é a história desse encontro, deles próprios, de circunstantes e de relatos e curiosidades históricas, tudo absolutamente necessário para a perfeita compreensão do enredo.
Com a utilização das bocas dos personagens, tenho a pretensão de ter passado um leve bafejo sobre prementes questões do Brasil e do mundo, inerentes à desarvorada natureza humana. Não vou elencar exaustivamente, apenas mencionar algumas análises e digressões que os personagens discorreram. Capitalismo e socialismo (que nunca morreu, nem de velho e nem com a queda do muro de Berlim). Direita e esquerda. Os achaques do imperialismo. A supremacia das leis do mercado monarca, em atuação no planeta inteiro, que se sobrepujam ou se imiscuem nos fins, princípios e atuações dos estados. Especulação financeira. Concentração de riquezas. As disparidades e os derrames sociais. Os latifúndios criminosos. A pobreza endêmica. As soluções finais travestidas de verdadeiras necropolíticas. Violência acachapante. As religiões de fugas. A luta pelo emplacamento de deuses e ideologias. O sonho tão latino-americano de uma revolução. O fenômeno hippie. A América Latina, achacada, fraudada e depauperada, mas resistente, débil resistência. Esses e outros temas foram abordados, muitas vezes indiretamente, com um sopro de alma sentida, permitindo os seguintes questionamentos. Por que razão os ricos sempre ficam mais ricos e os pobres mais miseráveis a cada dia? Qual o motivo de que dois mil bilionários do planeta Terra são mais ricos do que sessenta por cento (60%) da população mundial? Qual a explicação para que os dez (10) maiores bilionários brasileiros, segundo a revista Forbes, sejam ligados ao mercado financeiro e a casas bancárias recentes, que cobram os juros compostos mais altos do mundo? Por que alguém pagaria milhões de dólares a outrem, apenas para este ensinar a fritar ovos à frente das câmeras de televisão?
Sem paridade de condições, abaixo de sujeição a provas impossíveis de serem vencidas, os países pobres e as pessoas “menos aquinhoadas”, para seguir a linguagem capitalista, jogam um jogo antecipadamente perdido.
Este livro, de pegada engajada, em que o autor — trata-se, aqui, do autor real — está comprometido, dentro, pulsante, trata disso. Cuida dos postergados indefinidamente, tanto dos países de soberanias violadas, como dos indivíduos massacrados. Fala da tragédia da perpetuação da miséria e da dominação artificializada, consequência do maior prodígio da natureza: o homem efêmero que se perpetua nas ideias.
Apesar de tudo, repita-se, estamos diante de um romance contando uma história. Uma história que se conta, como sempre, dando azo à criatividade para gerar dramaticidade cativante. A despeito de narrar fatos ocorridos em décadas anteriores, é um romance completamente atual, desde que o hoje é uma cópia xerox do ontem — e, seguramente, do amanhã próximo — no que diz respeito às relações internacionais e às questões sociais em todo o mundo. As nações, no decorrer do tempo, repetem as mesmas condições quando confrontadas com esses dois temas. Até as vergastadas bandeiras de direita e esquerda foram recentemente resgatadas no mais recôndito da mala velha e estão sendo hasteadas nas duas bandas do planeta Terra, mascarando os problemas reais, embora a fome não escolha cor ou símbolo. É colorida artificial e forçosamente.
Não indico bibliografia. Primeiro, porque as fontes formais utilizadas foram citadas diretamente no corpo do texto. Depois, trata-se de literatura preponderantemente ficcional, e não de obra técnica ou científica. Ademais, o material, histórico ou não, oficial ou não, decorreu de pesquisas, observações reativas próprias, interpretações subjetivas e criatividade. São atividades não sujeitas, nos limites da lei ou da ética, a qualquer controle.
Um detalhe importante na forma de escrita empregada foi a intercessão, na narração, em parênteses e com a significação a eles inerentes, de digressões esclarecedoras, para melhor contextualização e enriquecimento da compreensão da trama urdida. Nada que ainda não tenha sido tentado em construção literária. Contudo, anote-se: não são textos didáticos, mesmo quando se referem à ciência histórica. São entendimentos que complementam o enredo e embutem, talvez, uma pitada anódina de experimentação.
O enredo é simples, a sinopse dos fatos também, já acima brevemente relatada. A trama do fio condutor das letras, trata do encontro entre um estudante de esquerda, participante de grupo terrorista — um jovem dos anos cinquenta, atingido pelas ideologias contrastantes que se avantajaram após a 2ª Guerra Mundial, e se depara perplexo e azucrinado com as argumentações e contradições de ambas as correntes de pensamentos. Na outra banda do encontro, um veterano agente norte-americano da CIA, que termina sendo sequestrado e morto, isto, nos turbulentos anos setenta. Este, contudo, não é o ponto nevrálgico do romance. A riqueza do escrito, no entender do próprio autor, decorre muito mais da preparação do que do enredo propriamente dito. Apesar de narrar uma situação que se pretende empolgante, o grande objetivo está nos detalhes superiores. São neles que o romance cresce e se sobressai.
Foram lançadas luzes sobre um tempo que ainda nos representa e determina uma conclusão sombria: o caminhar humano é desastroso.
Contudo, você sempre pode ler um romance.
CISINO COSTA
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Ele é meu!
Matamos as pessoas que sonham com ele.