Atenção, empreendedorismo e ousadia para a cultura da doação

Atenção, empreendedorismo e ousadia para a cultura da doação

Por Láislla de Gouveia, engenheira agrônoma especialista em sustentabilidade empresarial e integrante do Movimento por uma Cultura de Doação.


Uns bons anos atrás, quando senti a necessidade de tornar meu dia a dia mais ágil, organizado e eficiente, me inscrevi num curso de produtividade. Foi quando conheci algumas ferramentas de gestão de tempo e organização pessoal, dentre elas o conceito da ‘arquitetura da inevitabilidade’. Trata-se de construir um cenário que me leve inevitavelmente para o meu objetivo. Por exemplo, se o objetivo é me arrumar rapidamente para sair de casa de manhã, a construção do inevitável deve envolver: deixar a roupa do trabalho separada na noite anterior e deixar a cafeteira preparada para somente ter que pressionar o botão de ligar na manhã seguinte. Se o objetivo for correr todas as manhãs, deixar o tênis de corrida ao lado da cama faz parte da arquitetura da inevitabilidade, assim, ele será um dos primeiros objetos que verei ao levantar. A ferramenta envolve ainda outra estratégia que é comprometer-se publicamente com o cumprimento da meta e estar disposto a cumprir uma penalidade desagradável caso não execute o plano. Lembro que na época fiz um comprometimento com meu irmão sobre algo que queria colocar em prática, que deveria ser fazer atividade física três vezes na semana ou algo assim, e caso eu não cumprisse o plano minha penalidade desagradável seria carregar uma meia usada dele dentro da bolsa por um dia inteiro.

Na época, não fui tão bem sucedida em adquirir um novo hábito, mas internalizei um conceito: arquitetar estratégias para deixar meus objetivos o mais fácil possível de serem atingidos, de forma eficiente e prática. Sobre o comprometimento e punição pública, acredito que na maior parte dos casos são desnecessários, pois a punição vem de toda a forma, caso não cumpra algo que desejo. Facilitar os processos de doação e melhorá-los continuamente está dentro da diretriz 3 do movimento pela cultura de doação, doar precisa ser fácil, rápido – com ajuda da tecnologia – e sem entraves legais.

Organizações sociais, startups de impacto do setor e empresas engajadas com a cultura de doação se perguntam todos os dias: “como posso simplificar o processo de doação?” e buscam reduzir a complexidade para o doador, se aproximando ao máximo do inevitável. Vou dar um exemplo que acompanhei na prática (e até ajudei a ser como é hoje). Desde janeiro de 2020 o aplicativo do iFood conta com uma área de doação que requer 5 cliques para doar e é independente do fluxo de compra: você abre o app, entra no perfil de usuário, na aba doações, escolhe a organização/campanha, escolhe o valor e doa. Foi a primeira forma que o iFood encontrou de utilizar sua ferramenta tecnológica para gerar impacto para além do negócio. Em agosto de 2021, foi implementada a doação no fluxo de compra do usuário, ou seja, enquanto faz um pedido no iFood o cliente é convidado a incluir uma doação também, e isso reduziu para 1 clique o ato de doar. Com a simplificação e inserção no trajeto que o cliente já percorria, ficou inevitável que clientes iFood recebam um convite ao ato de doar e facilitou-se muito o caminho, o que gerou um significativo aumento do número de doações e valor arrecadado.

Outro exemplo que se relaciona com a facilitação da doação é o caso das doações de alimentos excedentes. Embora nunca tenha existido no Brasil uma legislação que proibisse a doação de alimentos que perderam seu valor comercial, também não havia uma que permitisse. Não até 2020. A Lei 14.016/2020, dispõe sobre o combate ao desperdício de alimentos e a doação de excedentes de alimentos para o consumo humano, visando facilitar o processo e estimular que cada vez mais estabelecimentos comerciais doem seus excedentes em perfeito estado de consumo e dentro da validade. Na opinião dos advogados Ticiano Figueiredo e outros, “ao não distinguir o comércio regular das doações de caráter humanitário, desincentivava-se a doação de excedentes alimentícios por parte de estabelecimentos comerciais. Enquadravam-se as doações de excedentes em uma lógica burocrática: excessivas disposições legais que, em tese, embora legitimamente visassem à regulamentação da prática de comerciantes para com consumidores, propiciavam resultado diverso quando o assunto era doação de excedentes, inviabilizando as doações e desencorajando eventuais doadores que receavam possíveis responsabilizações”. Na prática a nova lei deixa mais claros e simplificados os processos de doação de alimentos excedentes, como quem pode doar e receber, e o que pode ser doado, e as responsabilidades de doadores e recebedores. “Quanto ao combate à fome, percebe-se um salutar acerto legislativo. Com o advento da nova lei, espera-se que a doação de alimentos seja fomentada, a quantidade de alimentos desperdiçados, diminuída e, consequentemente, menos pessoas passem fome. Trata-se de sintoma da esperança de que os atores políticos tenham olhar mais atento aos excessos burocráticos presentes na legislação brasileira.” comentam os advogados.

Em ambos os exemplos práticos de como desburocratizar a doação que citei, observo pontos em comum: primeiro o olhar atento, que questiona o status quo, depois o olhar empreendedor, que busca oportunidades e propõe novos caminhos, e ainda o olhar ousado e que sabe lidar com a ambiguidade e os riscos de propor algo novo. É necessário que os agentes do movimento pela cultura de doação, em todos os setores da economia e sociedade, estejam atentos, sejam ousados e lancem mão das melhores ferramentas possíveis de gestão e articulação para facilitar e estimular os processos de doação.

Cláudio Ricaldoni

CEO e co-founder da Térreo Tecnologia e Inteligência Tributária

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Essa é a proposta da @doecash, cuja doação é por cashback social. Simples, seguro e sem gastar nada a mais para doar

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