Autoconhecimento demais pode nos prejudicar?
“Quando detemos um conhecimento, fica difícil imaginar como é não ter esse conhecimento.” - Chip Heath
"Autoconhecimento" é uma tendência que veio para ficar. De bits de conteúdo como imagens no Instagram e Pinterest, à livros inteiros voltados para o assunto, certamente você deve ter notado esse hype. Embora inúmeras razões tenham contribuído para que isso acontecesse, a principal, com certeza, seria a propagação da informação em velocidades e facilidades nunca antes vistas.
O que é autoconhecimento?
Talvez, em sua definição mais bruta, seria saber como conversar consigo mesmo para descobrir quais são seus fortes, fraquezas, gostos, valores, o que realmente importa para você e o que te faz feliz.
Não somente isso, autoconhecimento é algo tão único de cada pessoa que não existe somente um "Guia para se autoconhecer", um hack ou apenas um processo bem definido. Cada pessoa se interessa, descobre e aplica seu próprio modo de praticar essa arte.
É por isso que autoconhecimento é tão importante.
Saber à qual porto desejamos ir é o primeiro passo para saber como aproveitar o vento. Ninguém em sã consciência quer subir a "Escada da Vida", só para chegar lá e perceber que ela estava apoiada no muro errado, por isso é importante que nós entendamos como funcionamos.
Em outras palavras, se autoconhecer é a maneira mais fácil de viver sem arrependimentos.
Então, como alguém obtém autoconhecimento?
Embora existam diversos meios para um obter autoconhecimento, todos envolvem uma habilidade cuja qual, sem ela, a própria definição fica invalidada: a capacidade de autorreflexão.
Autorreflexão é um tipo de pensamento crítico profundo, mas difere-se do pensamento em si.
“Pensar” é o ato de usar sua mente para analisar o presente e o futuro. Quando pensamos em algo, usamos nossa imaginação e criatividade para visualizar e moldar possibilidades de diversas situações.
"Refletir", por outro lado, é uma ferramenta que usamos para analisar o passado. Nós refletimos quando analisamos experiências vividas, conhecimentos obtidos e memórias guardadas em conjunto. Não é à toa que a própria palavra “reflexão” vem do latim “re-flexus” que significa “dobrar de novo”.
“O melhor jeito de limpar água suja é deixando-a parada” - Alan Watts
O que acontece quando ficamos bom em reflexões
Saber usar essa habilidade nos traz diversas vantagens. Uma delas é nos autoconhecer que, indiscutivelmente, nos fornece clareza. Com clareza, ganhamos foco, com foco, somos mais eficientes, sendo mais eficientes, fazemos mais com menos, o que nos salva tempo, gera dinheiro e abre novas portas.
Mas também nos traz uma “desvantagem”, se é que podemos definir assim.
Veja bem, a reflexão é uma análise, uma análise que começa internamente. Tudo que começa internamente, se torna mais forte e se expande. Um desejo, uma ideia, uma ação. Tudo que é impresso, é expresso. De dentro, para fora.
Então, quando começamos a refletir sobre nós mesmos, nossas experiências, sentimentos, emoções, percepções, atitudes e pensamentos, é quase inevitável que, com essa prática constante, isso não se expanda para o ambiente externo. E aí o que acontece é que começamos a analisar o mundo à nossa volta e principalmente, as pessoas.
Nós nos tornamos muito bons em notar.
Notamos quando 8 em cada 10 pessoas estão mexendo em seus smartphones, quando alguém fica constantemente entre apps de conversas e apps de namoro. Notamos as expressões faciais de quando elas recebem uma mensagem de amor nos aplicativos. Notamos quem é a pessoa que sempre se atrasa no trabalho, quem é o que parece estar com problemas em casa, quem está disfarçando sua tristeza com felicidade.
No começo, eu achava que isso era julgar as pessoas.
E a verdade é que sim, isso é julgar. Mas não se engane, todos nós julgamos e não quer dizer que isso é necessariamente algo ruim. Quando estamos caminhando sozinhos à noite na rua e vemos três indivíduos suspeitos, encapuzados, vindo em nossa direção, ou dois capangas em uma moto, nós julgamos a situação e tomamos uma atitude.
“Julgar” é o mecanismo de defesa mais antigo da nossa espécie, onde analisamos tipos de perigos e medos para garantir nossa sobrevivência. A diferença entre o julgar "comum" e o julgar "ruim" são duas: intenção, e o que você faz depois de julgar, se você lamenta, reclama, toma uma atitude, humilha, provoca, etc.
Então sim, julgar é normal. Notar é normal. Mas toda essa “notação” pode nos levar à loucura e à ter conflitos internos. É fácil dizer “Ah, eu não me importo”, mas a realidade é que é difícil dizer isso com significado. A razão na verdade é simples: se realmente atingimos um nível de reflexão superior, tendemos a analisar também a situação das pessoas.
Quando fazemos isso, somos capazes de ter empatia com elas, e ao simpatizar, nós nos importamos, nem que seja um pouco. Afinal, “importar” por definição é “trazer para dentro”. Em outras palavras, obtemos contexto, e embora nunca tenhamos 100% dele, quanto mais temos, menos “julgamos” as decisões tomadas por terceiros.
Existe outra palavra também para “analisar”: comparar. Comparação foi uma ferramenta útil à milhares de anos.
Na mente de Rodrigo, nosso ancestral, se ele corresse mais rápido que seu predador, se fosse capaz de escolher melhores alimentos, e se conquistasse a mulher neandertal, ele sobreviveria. Então, talvez devêssemos ser mais como Rodrigo. O que Rodrigo faz? Como ele lida com essas situações? Porque ele faz isso, dessa forma?
Essa mentalidade primitiva ainda persiste nos humanos hoje. Mas na sociedade atual, “comparar-se” se tornou basicamente o mal de todos os males.
Quando o problema começa a aparecer
O “problema” com tanta mini-análise, -reflexão, -julgamento, -notação e -comparação, é que isso se torna um hábito. Esse é um efeito colateral da busca do ser humano por se tornar melhor. E ao buscar se tornar melhor, você acaba com duas conclusões: ou você é pior que eles, ou melhor.
E em ambos os casos, acho que é possível sairmos perdendo. Possível.
Quando constantemente nos comparamos e decidimos que somos piores, isso pode afetar nossa autoestima, nossa performance, alguns podem até cair na perigosa espiral da auto-retaliação emocional.
Isso gera ansiedade, depressão, falta de atenção e outros problemas que não são causas, mas sim consequências.
Ainda pior, podemos magoar pessoas com quem nos importamos. Isso sim é complicado.
Por outro lado, quando decidimos que somos melhores também pode não ser, ironicamente, melhor. É o efeito Super-Homem. O famoso herói é indestrutível, (quase) ninguém o derrota, ele é um ser superior. Mas ele também paga um preço por ser melhor: solidão.
Quanto mais alto escalamos, mais rarefeito fica o ar. Mais alto, menos escaladores, até que você se depara com a realidade: você é o melhor, mas está sozinho.
Se você não é o tipo de pessoa que consegue se desligar de seus próprios pensamentos, seus amigos, colegas de trabalho, talvez até sua família podem não entender quem você é, e por não te compreenderem irão achar que você é diferente.
Por ser diferente, poderá correr o risco de ser tratado como tal, talvez seja segregado e isolado, ou até disfarçado de “pedestal”, mas uma espécie de segregação toma forma. Claro que isso não acontece da noite para o dia, é gradual. Esse é seu fardo para carregar: a sensação de estar sozinho.
O pior é que às vezes, você não tem culpa mesmo. Mas, por ter determinada posição no trabalho ou status na sociedade, automaticamente as pessoas colocam você nessa situação.
E não se engane ou seja um individualista indiferente por pensar: “f***-se eles”. Assim, você com certeza se sentirá mais sozinho ainda, se tornará amargo, impaciente e raivoso. Humanos não foram feitos para ficar sozinhos.
Então qual a solução?
Na minha própria reflexão desse processo, só consegui chegar à uma solução prática: treinar para ter autocontrole suficiente e, assim, saber quando agir e quando não agir.
Os verdadeiros heróis e sábios da história não são definidos pela sua superioridade constante, mas sim pelo momento em que decidem usá-la. Pessoas que sabem o momento certo de agir, seja por palavras ou atitudes, são as pessoas que obtém os maiores benefícios.
Você sabe do que estou falando.
Nem sempre aquilo que você analisa, você precisa falar em voz alta. Nem sempre aquilo que você pensa, precisa ficar martelando na sua cabeça. Você pode escolher determinado pensamento simplesmente ir.
Analisar, julgar, parar, e aí refletir se aquilo que você julgou é de fato tão importante assim pra ser expressado, é uma habilidade que traz ótimos frutos.
“Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades” - Tio Ben, Homem- Aranha
Então aprender a se desligar, ou até mesmo ignorar pequenas coisas que notamos em outras pessoas, se torna também uma ferramenta auxiliar nesse processo de autoconhecimento. É uma ferramenta pouco comentada, eu nunca vi ela escrita dessa forma pelo menos, mas quem já passou por esse processo sabe quão importante ela é.
Aprenda à se controlar para não cair nessa armadilha de comparação. Julgue as pessoas sim, mas não precisa deixar elas saberem o que você pensa sobre elas, ou deixe esse pensamento ser uma certeza.
Deixe ir.
Não há prazer maior do que ter sua mente em paz.
Autoconhecimento é uma dádiva imensurável quando direcionada para nosso mundo interno, mas quando voltada para o mundo externo, talvez seja melhor alinhá-la com prática e autocontrole.