Automação e desindustrialização, um fenômeno global.
Por Luís Henrique Caldas
O processo de desindustrialização é um fenômeno que se inicia no pós Segunda Guerra e se acentuou nos últimos trinta anos no Ocidente. Para muitos analistas econômicos, a indústria é a principal fonte de riqueza de uma nação, ao agregar valor em seus produtos por via da tecnologia, e encaram a desindustrialização como um sinal preocupante. Muito desse raciocínio se origina do materialismo histórico, que considera a industrialização uma etapa necessária para o progresso da humanidade, como se existisse um roteiro do qual as nações deveriam seguir obrigatoriamente. Em outros comentaristas, há certo saudosismo quanto aos ditos anos dourados da indústria, siderúrgicas e de bens de capital, com aquele exército de operários indo e vindo.
No entanto, os exemplos do Chile e Nova Zelândia, países exportadores de commodities e com IDHs exemplares, demonstram que a dinâmica econômica não é bem assim. O aumento da produtividade é o principal fator de sucesso material, independente se os produtos forem de baixo ou alto valor agregado. Se o que se produz é de maneira eficiente e o ambiente econômico possibilita o acumulo de poupança, então há prosperidade. Em cada sociedade, a divisão do trabalho é baseada nas aptidões e vocações de seus membros para certas áreas, e como os dois países acima comprovam, não é necessária grande complexidade e sofisticação em seus trabalhos, basta a liberdade de ação.
Observando-se o que se passou nos países de economia madura como os EUA e os europeus no pós-II Guerra, podem-se apontar certos fatos relevantes:
- Os governos ocidentais passaram por um significativo crescimento de sua atuação, ou intervenção, perante suas sociedades ao adotarem o modelo social-democrático, levando a promulgação de novos direitos sociais, que em contra partida, acarretaram em aumento de tributação, regulações trabalhistas e econômicas;
- A realocação da mão de obra, do setor industrial para o de serviços, foi possível graças ao acumulo de poupança, as mudanças de preferência do consumidor, e o acesso ao crédito universitário, facilitando que as gerações descendentes da classe operária atuassem em outros ramos de atividade, sejam como profissionais liberais sejam como empreendedores;
- Paralelamente, as novas tecnologias possibilitaram a automação da produção industrial, a tornando mais eficiente e crescente, e necessitada por mão de obra qualificada no administrativo e logístico, enquanto as funções de chão de fábrica, repetitivas e maçantes, foram sendo eliminadas;
Quando não eliminadas, graças à globalização, foram terceirizadas para países em desenvolvimento, já que os custos de se produzir neles são menores do que nos países sedes das multinacionais. A Apple e a Nike são exemplos de corporações classificadas como Asset Light, por justamente terem terceirizado a manufatura de seus produtos para fornecedores asiáticos, cabendo às sedes a criação e a inovação dos mesmos.
Mesmo com a diminuição da mão de obra industrial e a transferência do imobilizado para outros países não significaram uma menor renda da população ou menor produtividade do setor, muito pelo contrário. Como aponta Gary North, atualmente o cerne da riqueza tem se desenvolvido em torno do conhecimento, a busca por resolução de problemas pela criatividade e inovação, prestando serviços de alto valor agregado, que tornem eficientes os processos e que cortem os custos de matéria-prima, capital e produção. E pessoas capacitadas com tais características são poucas, por isso a queda da participação populacional na indústria.
Retornando no tempo, desde os primórdios da humanidade, é o conhecimento acumulado ao longo das gerações e buscado pelos grandes sábios, que possibilitou o desenvolvimento civilizacional. As revoluções industriais dos últimos trezentos anos foram os saltos qualitativos frutos dessa sabedoria. E desde lá, que é perceptível a constante busca pela automação dos meios de produção, a começar pelo tear mecânico e a descaroçadora de algodão, Per Bylund destaca:
No passado, apenas o hardware nos libertou das tarefas pesadas. Repentinamente, o software se tornou capaz de impulsionar o hardware e produzir resultados exponencialmente maiores. Esse novo componente não acrescenta nada de fundamentalmente diferente à equação — todos os avanços são criados por humanos e servirão às necessidades dos humanos.(1)
Relação entre os postos de trabalho no setor industrial e a renda média familiar americana.
Relação entre a produção industrial americana e os postos de trabalho no setor.
E é justamente o ganho de produtividade o que garante o aumento da renda na sociedade, como explanado por Ryan McMaken: É a produção industrial o que realmente determina a renda real e o padrão de vida das pessoas. Maior produção significa maior oferta de produtos, o que pressiona os preços para baixo — ou, no caso, impede que eles subam.
Logo, maior oferta de produtos a preços contidos significa aumento da renda real da população consumidora ao longo do tempo... (2)
Fora que o aumento de produtividade implica em aumentos salariais reais, além dos benefícios oferecidos pelas corporações, que vão desde planos de saúde e seguro de vida, passando pelos fundos de pensão, direito a licença remunerada e descontos em produtos de empresas parceiras (3).
Ou seja, o processo de desindustrialização é próprio da dinâmica econômica, assim como fora a automação da agricultura, onde as máquinas agrícolas e a biotecnologia elevaram a quantidade e qualidade das safras e disponibilizaram milhões de trabalhadores a se realocarem e se dedicaram a atividades mais produtivas e certamente menos exaustivas. E esse ganho de produtividade agrícola gerou o aumento da oferta das commodities, as tornando baratas e acessíveis a população em geral.
O avanço da automação na economia é tanto, que se tornou comum encontrarmos no noticiário pesquisas apontando as profissões que desaparecerão substituídas pela inteligência artificial. Per Bylund explana:
Assim como as gerações passadas abandonaram as minas em troca de profissões e carreiras melhores e mais satisfatórias, os trabalhadores modernos cujos empregos serão afetados pela automação verão seu papel na sociedade evoluir em vez de desaparecer.
Mas essa transição, obviamente, não será indolor...
Há aqueles que se recusam a aprender novas habilidades, que não querem se mudar para uma nova área, ou que não possuem as habilidades necessárias para prosperar neste novo ambiente. No entanto, de uma perspectiva geral, esses problemas — embora significativos para aqueles afetados por eles — são apenas temporários...
À medida que a automação foi seguidamente mudando o mundo, a sociedade sempre foi descobrindo novas aplicações para a mão-de-obra que foi demitida.(4)
Sendo assim, essa realocação dos recursos humanos e materiais poderão ser dedicados a outras áreas e questões, econômicas ou não, desenvolvendo novas idéias, produtos e empreendimentos. E assim caminha a humanidade.