Brasil (?) no topo da elite do surfe mundial
Silvana Lima e Filipe Toledo vencem a etapa americana da elite do surfe mundial (World Surf League). Um feito histórico e um dia para não ser esquecido no esporte... brasileiro?
No calor da hora, eu até poderia puxar para o ufanismo nacional e bradar que é o Brasil no topo do surfe mundial... mas na verdade é muito mais do que isso.
Estamos falando de um esporte que só ganhou projeção no nosso país depois do título mundial de Gabriel Medina. Antes disso, falar de surfista era falar de ratos de praia estereótipos de vagabundos e drogados.
Enfim, acredito que já superamos essa "marca" e todos entendem o quão difícil é ser atleta do surfe e se manter na elite mundial. E aqui estou falando além da questão de treinamento e aptidão física para encarar todos os oceanos desse planeta; o ponto crucial que faz dessa conquista dupla de Silvana e Filipe são os aspectos sociais e financeiros para quem se arrisca ser atleta brasileiro (tirando uma minoria de jogadores de futebol).
Vamos lá, você sabia que Silvana Lima vende filhotes de cachorro para se manter surfando? Sim, ela contou isso a BBC afirmando que não se encaixa no tipo de surfista "modelinho" e por isso seu "tipo" não vende na concepção das surfwears.
E o Toledo? Tirando também as dificuldades de início de carreira, depois de Medina e do experiente Adriano de Souza - Mineirinho, sem dúvida é o surfista brasileiro com mais recursos técnicos e a um passo de se tornar campeão mundial. Só que a "paixão" pelo surfe às vezes lhe faz perder a cabeça e, claro, oportunidades de mais sucesso - como a punição de não participar da etapa de Fiji depois de tentar invadir a sala dos árbitros da WSL na etapa brasileira.
Sim, Toledo por vezes tem razão no fato da "interpretação" dos árbitros da WSL serem mais favoráveis aos gringos. Ainda dói a invasão brasileira de bons jovens surfistas no surfe mundial. A "tempestade" não foi passageira como queriam americanos, australianos, etc.
Porém em Trestles, Toledo conseguiu alinhar sua capacidade técnica com a tática e controlar seus nervos. Foi impecável para superar as notas encorpadas do queridinho John John Florence e do atual líder do campeonato Jordy Smith.
E a Silvana? Impossível não se comover com a história dessa guerreira que sobe no pódio de uma etapa da WSL depois de SETE anos. O que significa algumas ninhadas de buldogue para poder levar um troféu.
O surfe para a maioria dos seus adeptos (como eu) é como uma "filosofia de vida", de contato com a natureza e de muito respeito aos limites que ela impõe. É ali esperando uma onda na imensidão do oceano que você percebe sua insignificância no planeta.
Mesmo que Silvana e Filipe sejam profissionais, tenho certeza que eles compartilham desse modo de pensar sobre o esporte que caminha a passos largos para sua primeira Olimpíada e, consequentemente, a consolidação no formato "batalha entre nações".
Por isso questiono esse "Brasil no pódio". A vitória de Lima e Toledo em Trestles é "brasileira" pelo local de nascimento dos atletas, mas não representa nem de longe a organização esportiva do país.
A conquista deles é pessoal, de vencer os desafios da vida para estar aonde sonharam. É por isso que estou vibrando. A bandeira nos ombros deles nos faz sentir parte dessa conquista. Porém muito mais como uma alusão a todos nós que "sofremos juntos" com o descaso esportivo no país.
Parabéns Silvana e Filipe! Desculpe "politizar" a conquista de vocês. Hoje, os dois fizeram um belo capítulo da história do surfe. Vocês me representam, com bandeira ou sem ela.