Caderno de reflexão pessoal/propostas AP - #C2 Teletrabalho e CoWork-AP
Os mais recentes desenvolvimentos exógenos e globais obrigaram a uma mudança de paradigma no trabalho que vinha sendo protelada: a adoção facilitada do teletrabalho. Tal aconteceu de um dia para o outro e toda Administração Pública adaptou-se e ajustou-se a esta mudança, nos setores onde era possível fazê-la. Tal aconteceu porque tinha de ser, mas também, suspeito eu, porque há muito se desejava a generalização desta ferramenta.
De facto, o regime de teletrabalho tal como previsto na Lei, obriga a uma formalização rígida, difícil de combinar com os enormes benefícios que o trabalho a partir de casa pode proporcionar em situações pontuais, de necessidade, para uma melhor conciliação da relação familiar e profissional. Este poderoso instrumento de liberdade obriga, sim, a uma autorresponsabilização e autogestão que nem todas as pessoas desejam, mas que muitas são capazes de assumir e, na minha opinião, poderia ter um carácter flexível, como se verificou ser possível.
Assim, propõe-se, nesta reflexão, que se aprofunde o tema, tendo por base a experiência vivida no período de confinamento, analisando os seus resultados em termos de produtividade e felicidade das pessoas (sobretudo pelo ganho de tempo), mas também pensando que pode potenciar soluções de reorganização territorial, com claros impactos na Economia e Ambiente.
Teletrabalho
O projeto que se sugere desenvolver visa o alargamento do âmbito do teletrabalho para que a Lei possa enquadrar situações relativas a casos pontuais, de melhoria da relação da vida pessoal com a vida profissional, nomeadamente para acompanhamento de familiar (doente em casa, por exemplo) ou simplesmente por razão de poupança do tempo de deslocações, ganhos em comodidade, disponibilidade para o exercício de outras atividades (incluindo a solidariedade e voluntariado), saúde, etc.
A ideia é poder ser concedido o direito a exercer o trabalho à distância a todas as pessoas cujas funções possam ser assim exercidas, se assim o requererem. A formalização desta ideia simples sugere impactos esperados significativos que importa referir.
Desde logo, como se tem agora observado em todo o mundo, a redução do número de pessoas em circulação melhora as condições dos transportes pela redução da densidade de ocupação. Depois de passados os constrangimentos de distanciamento social, poderá e deverá ser ajustada a oferta desses mesmos transportes, bem como diminuída a circulação automóvel, e com isso a poluição atmosférica e sonora (perfeitamente evidenciada com atual “experiência” de lock down).
Por outro lado, pelo facto de se reduzir a ocupação nos edifícios, será de esperar que os custos operacionais com energia, água, papel e consumíveis, diminuam para a Administração Pública e, cumulativamente, será de esperar que, em casa, todas as pessoas zelem mais responsavelmente pela sua utilização eficiente. Daqui resultarão também ganhos ambientais relativos às emissões de CO2.
CoWork-AP
Acontece, porém, que o ser humano é um ser sociável e, naturalmente, procura a companhia do outro, para se afirmar enquanto pessoa.
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Por essa razão, nesta reflexão conjuga-se com o teletrabalho uma outra ideia fundamental: a criação de espaços para o CoWork, para mitigar o isolamento que possa afastar algumas pessoas do trabalho à distância e potenciar novas redes de colaboração entre organismos. CoWork é uma palavra que genericamente significa a partilha de um espaço de trabalho por várias pessoas, reduzindo assim as despesas fixas que cada uma teria, sozinha, para desenvolver a sua atividade.
Para tal, desafiam-se as políticas de Inovação e Descentralização para um projeto de criação de polos locais de trabalho, a designar CoWork-AP, a criar no centro de cidades onde o número de pessoas em regime de trabalho à distância o justifique. Seriam espaços pequenos (poderia até haver mais que um, localizados, por exemplo, em lojas) cedidos ao Estado central pelas autarquias locais, porventura por troca de edifícios do Estado central cedidos a essas mesmas autarquias.
Estes polos acolheriam as pessoas que, estando em regime de teletrabalho não têm em casa as melhores condições para trabalhar, mas também todas as outras que preferissem estar acompanhadas enquanto desenvolvem a sua atividade perto de casa. Estes CoWork-AP serviriam ainda para potenciar o desenvolvimento do comércio local, pela fixação de novos trabalhadores em zonas centrais e ainda garantir uma maior transparência e proximidade dos serviços do Estado central, através da possibilidade de, eventualmente, permitirem situações de atendimento personalizado (LocalDesk) sem ser necessário recorrer à complexidade de uma loja de cidadão, apoiando sobretudo as pessoas info-excluídas.
Paralelamente a estes CoWork-AP locais, devem também surgir CoWork internos, nos edifícios públicos de onde “saíram” as pessoas para o teletrabalho. Ou seja, para otimizar o espaço ocupado nos edifícios, seriam criadas salas partilhadas que acolheriam os trabalhadores que, estando em geral em regime de teletrabalho, mantivessem deslocações periódicas presenciais ao serviço. De facto, deixaria de fazer sentido manter intactos os “postos de trabalho físicos” de pessoas que não estão presentes sempre, sendo desejável que se revissem as várias ocupações (com potenciais ganhos na disponibilização de novos espaços para o mercado ou redução de custos com arrendamentos). Estes espaços dedicados a receber todos os que, três ou quatro dias por mês, precisassem visitar o serviço, para briefings, pontos de situação, reuniões, etc., poderiam adotar o nome de CoWork-In. Poderiam ser comuns a vários serviços dentro do mesmo organismo, o que potenciaria também um maior diálogo entre todos.
Concluindo...
As imensas possibilidades que as novas tecnologias permitem em relação a novos modelos de trabalho, sem perda de produtivade já comprovada e com ganhos na conciliação da vida profissional com a vida pessoal (os abusos pontuais que existirão, existiriam em qualquer dos modelos e devem ser combatidos), podem e devem associar-se a políticas de ordenamento do território e inovação para se poder garantir o desenvolvimento das pessoas, dos lugares e da economia, o que já não se permite dissociar de um equilíbrio com o meio ambiente e de uma diminuição drástica da nossa pegada ecológica.
Sabendo que a grande concentração de serviços do Estado Central está na cidade de Lisboa, poderemos começar por descentralizá-los, usando a fórmula aqui esquissada, para os concelhos da área metropolitana de Lisboa e outros de distritos vizinhos, onde moram as pessoas que mais diretamente se prevê poderem ser beneficiadas pela adoção do teletrabalho. Certamente este poderá ser um contributo para uma melhor redistribuição do PIB per capita por concelho, atenuando-se assim algumas desigualdades que têm vindo a prejudicar alguns concelhos, próximos da capital, mas longe dos benefícios gerados pelo seu crescimento económico. Hoje, mais do que nunca, precisamos pensar em desenvolvimento, equidade e eficácia do crescimento, que só será possível pela articulação entre objetivos macro e micro. Qualquer boa mudança no modelo de trabalho poderá conciliar os objetivos pessoais da pessoa, com os intermédios dos lugares e das cidades, e ainda com os mais abrangentes que responsabilizam o Estado (e o mundo), sendo por isso determinante a forma como se desenharem e implementarem as políticas públicas nesta área.
Marta Rosado da Fonseca
16 de abril de 2020
Técnica Superior no IGOT - área de comunicação
3 aUma excelente análise Marta, como sempre. A AP precisa de mais pessoas como tu.