Carnaval 2020 - Falta de Decoro e Progresso

Carnaval 2020 - Falta de Decoro e Progresso

Como mostra a foto tirado em Sobral, CE, o Brasil continua um país complicado. Nada de novidade. Faz um ano o recém empossado Presidente publicou um vídeo improprio perguntando o que é “golden shower”? Agora no Carnaval novamente há mais polemicas com um Senador de “esquerda” tentando invadir um quartel com trator e levando tiros. Enquanto isso no Sul, o Presidente agride uma jornalista e outras mulheres com grosserias e mentiras sobre seu comportamento. Não basta as ofensas só do Bolsonaro mas seu “Posto Ipiranga” acaba de pedir desculpas aos funcionários públicos por tê-los chamados de “Parasitas” e também às empregadas domésticas que aparentemente estavam gastando muito dinheiro com viagens a Disney.

Enfim os ranços, traços e tradições classistas e racistas acabam entrando em choque com a narrativa que o Brasil não tem distinção nem de cor e nem de raça sendo assim um país muito cordial onde não existem conflitos de classe ou entre as camadas sociais. Reina a paz social e o Carnaval manifesta então a igualdade e relações amistosas com suas gozações e brincadeiras amigas. Os homens (machos por sinal) se fantasiam de mulheres ou de bebês com chupetas. Não existe portanto nem machismo e as fêmeas estão muito bem com sua nudez natural.

Agora, de carnaval em carnaval, passa-se um ano, uma década ou até um século. A questão que não cala entretanto é como fica o tal progresso ou desenvolvimento depois da festa Momesca? O ano iniciou com o canto de sucesso da reforma da previdência, dos juros, “nunca antes na história”, de tão baixos e de promessas que a economia iria crescer a uma taxa de 2.5 a 3%. Agora no meio do carnaval, o mercado e as pessoas começam, ironicamente, cair na realidade. O dólar vai para algo em volta de 4.4 reais (também nunca antes) e o crescimento provavelmente será inferior 1.9%.

Potencial, todos sabem, que o país tem. Mas o país não deslancha com medidas técnicas saídas da Ministro Guedes ou do Presidente do Banco Central. Em vez disso, o país precisa de uma solução política, mas como? Certamente não será através de um senador num arroubo de machismo tentando derrubar um portao da polícia militar amotinada com uma retroescavadeira. Também não será com o filho do Presidente Bolsonaro dando banana as mulheres indignadas. O que o Brasil precisa é de um consenso que deve consistir minimamente em torno dos seguintes pontos:

  • Democracia com eleições e imprensa sem censura
  • Reforma política com voto distrital
  • Medidas reais contra crime e corrupção
  • Reforço real ao sistema educacional, principalmente educação de base
  • Reforma do Estado para desatar os nós criados por grupos de interesse e pela burocracia que tolhe a iniciativa.
  • E carnaval e futebol para todos.

Em princípio os 6 pontos refletem um consenso básico existente na sociedade brasileira. O problema surge nos detalhes e na execução. Temos que reconhecer que o Presidente Bolsonaro ganhou democraticamente a eleição com 57 milhões de votos e ampla margem sobre seu concorrente. E o povo espera novas eleições como as municipais deste ano. Há uma democracia em construção mas funcionando.

Como juiz, Sergio Moro ganhou respeito e popularidade por seu papel no combate a corrupção, incluindo a condenação do ex-Presidente Lula. Entre a população há a expectativa ou talvez melhor a esperança que o Moro ainda seja, como Ministro da Justiça, um instrumento eficaz contra crime e corrupção. De fato, a queda real de homicídios e outros crimes da um lustre. O perigo entretanto existe com a expansão da criminalidade sob controle de grupos milicianos onde o Ministro não tem sido eficaz ou ate desinteressado. Além disso, a Lava-Jato já não tem o respaldo de antes. Portanto, o Ministro deve sentir um certo constrangimento inconfessável.

As reformas listadas (política, educação e do Estado) dependem da competência política do executivo e seu poder de articulação com o Congresso, além de pautar as propostas de forma que passam pela Justiça e sobretudo o Supremo. Bolsonaro começou seu governo com familiares políticos e assessores partidários mas o Presidente não demonstra poder de comunicação e gestão. Então sua equipe palaciana hoje é quase totalmente de militares reformados. Dentro do quadro político tradicional, existe um risco grande que os militares acabam sem poder de execução e com a imagem institucional arranhada diante da frustração de expectativas.

As ligações entre o Presidente e Ministro Guedes também podem estar estremecidas. Bolsonaro desde candidato anuncia que não entende de economia e por seu histórico nunca foi liberal em nada. Guedes com certeza não é político e também comete deslizes de comunicação nas suas tentativas de empurrar suas reformas. Hoje, ninguém sabe quais são as prioridades e quem vai fazer o meio de campo com o Congresso onde as modificações básicas têm que ser aprovadas. Por exemplo, o que vem agora? Qual reforma? A administrativa, a tributária, a independência do BC, os PECs? Nada é claro e tudo é constrangido pela camisa de forca dos limites fiscais, com o orçamento comprometido com despesas mandatórias.

Lembrando o passado, desde o final dos governos militares, vejamos erros e oportunidades repetindo: Sarney com corrupção e redemocratização; Collor com projeto pessoal corrupto e abertura econômica; Itamar Franco com o Plano Real mas sem grande respaldo politico, Fernando H. Cardoso competente na politica mas ambicioso demais na sua ganancia de um segundo mandato; Lula como o “cara” num cenário internacional favorável mas afogado pelo mar de lama construído em seu entorno; Dilma Rousseff como herdeira que se demonstrou inepta politicamente e apenas uma “gerentona” para estocar os ventos; Michel Temer um politico hábil constitucionalista que cedeu as tentações golpistas; para desembocar no Capitão revoltado, exaltado e populista que promete reunir os brasileiros com Deus e a Pátria Amada mas sem levar em conta que não sabe o caminho e agora vive reclamando contra tudo e todos que supostamente o perseguem.

Muitos agora aceitam e justificam a agressividade e falta de decoro do Presidente e família como resposta a roubalheira e suposto projeto comunista do Lula, do PT e do Fórum de São Paulo. A oposição, por sua vez, enxerga o “fascismo” avançando e aí constrói-se a imagem de uma baita polarização pelo menos na esfera da mídia social. Confio, entretanto, que as eleições municipais mostrarão que não é bem assim e em mais dois anos novas eleições darão oportunidade para uma nova alternância no poder. Só com essa lenta, mas progressiva construção democrática que podemos esperar a criação de um quadro favorável para o crescimento da economia onde as medidas reformistas têm um real respaldo e efeito pratico.

Vamos esperar o Carnaval passar para o ano começar e torcer que a sociedade civil se manifesta de forma madura e democrática.


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