Carta aberta aos misóginos online.

Carta aberta aos misóginos online.

E aí está você.

O grande macho alfa que acredita fielmente que o mundo deve se curvar aos seus pés. Você com certeza tem uma definição sobre o que é ser um "homem de verdade" e acredita que tudo o que tem hoje veio de merecimento, afinal, você sabe qual é o seu papel na sociedade - sociedade construída sob uma sólida base patriarcal, termo que provavelmente você não sabe o significado e tão pouco tem interesse em descobrir.

Há diversas outras coisas que você também não sabe, e entre elas há um tema que você adora dissecar: mulheres.


Você define qual é o nosso valor; o que deveríamos ser; se nossa opinião é válida; se deveríamos estar falando; qual de nossas roupas é apropriada; como deveríamos falar; quanto deveríamos receber; como deveríamos nos maquiar; quais espaços não deveríamos entrar; quais profissões não deveríamos escolher; como nosso corpo deve ser; se seremos estupradas hoje ou amanhã; se vamos sobreviver até amanhã.

Será que em algum momento você parou para pensar no que de fato é uma mulher e uma travesti? Provavelmente, não. Então eu compartilho com você.


Dentro da palavra "mulher" e "travesti" há uma imensidão de corpos, sonhos e batalhadas. Muitos desses corpos são apagados, muitos desses sonhos não alcançam a realidade e muitas dessas batalhas começam antes mesmo de termos nascido.


Ao longo dos anos, muitas histórias foram contadas com base nos nossos sonhos, e a verdade é que poucas delas representam o que de fato é desejado pelo nosso coração.

Nós mulheres e travestis queremos viajar pelo mundo; aprender idiomas diferentes; provar os mais distintos sabores; apreciar e criar arte; sentir o sol na pele enquanto lemos o que outras escreveram. Queremos descobrir a cura de doenças; desenvolver vacinas; criar novas tecnologias. Queremos trabalhar com aquilo que alimenta nossa alma; queremos relaxar em nossas camas, em nossos quartos, em nossas casas. Queremos ensinar. Queremos aplaudir nossas irmãs e sermos aplaudidas. Queremos criar e recriar. Queremos aprender e ter a chance de errar; queremos cantar, dançar e rir. Queremos superar desafios. Queremos evoluir cada dia mais. Queremos tomar decisões por nós e para nós. Queremos tudo aquilo que cabe em um sonho.

Mas nem sempre é possível sonhar.


É difícil sonhar quando você caminha pela rua com uma chave entre os dedos, que você mantém tão apertada que chega a fazer marcas na pele. Também é difícil sonhar quando você está dormindo no ônibus e um homem ejacula em você. É difícil sonhar quando você é roubada e se sente aliviada de só ter acontecido aquilo. É difícil sonhar quando você solicita uma viagem via aplicativo e o motorista te leva para outro lugar. É difícil sonhar quando o seu corpo é vendido e usado. É difícil sonhar quando você está morta.

E enquanto tudo isso acontece, aí está você.


Aí está você escrevendo no LinkedIn sobre como a escolha profissional de uma mulher pode afetar seus relacionamentos. Sobre como uma mulher bem sucedida afasta possíveis pretendentes que se sentem ameaçados por essa independência. Aí está você dizendo que mulheres deveriam cuidar apenas de atividades domésticas. Aí está você dizendo que mulheres servem apenas para transar e que nenhum homem que se preza deveria ser bancado por elas.

Enquanto você está aí destilando suas ideias e recebendo palmas de homens que pensam igual a você, mulheres e travestis estão virando estatística todos os dias, todas as horas.



Enquanto você se incomoda por uma mulher ter um salário maior do que o seu ou uma posição de maior evidência na empresa em que você trabalha, nós estamos lutando por políticas públicas de saúde e educação; delegaciais especializadas em crimes contra mulheres e travestis; apoio pisicológico às vítimas de estupro; a garantia do aborto legalizado e seguro; nossa presença na política; nossa presença em cargos de liderança; nossa presença à frente de estudos científicos; nossa presenta no esporte; nossa presença na arte; nossa presença no mundo.


Aí está você, surtando na internet e propagando ódio, enquanto dia após dia - há séculos - nós estamos lutando por nossas vidas. 

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