Chega de ideologias organizacionais hipócritas!
Você já reparou na semelhança da redação da Visão e Missão que consta na ideologia das organizações? Os bonitos quadros nas recepções, os sites e as propagandas não economizam as mesmas frases de efeito que prometem satisfazer o cliente, ser parceiro dos fornecedores, remunerar o acionista, qualidade em primeiro lugar, compromisso com a responsabilidade socioambiental, pessoas acima de tudo, entre outras promessas e intenções. E os Valores? Dignos do Nobel da Paz...
O que as organizações não estão se dando conta é de que no cenário sociológico do século XXI, é inadmissível fazer propaganda enganosa, prometer e não cumprir! Mais cedo ou mais tarde, uma parte interessada perceberá que está sendo ludibriada.
No livro “Projeto Empresarial: Como construir estratégias eficazes e identificar os caminhos da lucratividade e do crescimento” lançado em 2011, Luis Augusto Lobão - especialista em Projeto Empresarial - explica a importância e a seriedade de uma Ideologia Organizacional: “(...) caracteriza a atmosfera e os atributos que são exclusivos de cada organização, moldando e influenciando o comportamento e a atitude das pessoas. Além de representar as crenças e expectativas da organização, ela é determinante na escolha das estratégias (...). Ainda que deva ser assimilada por todos os membros e perpetuar, ela pode (e deve) ser revisada e reformulada na medida em que haja alteração no cenário em que está inserida a empresa, ou seja, a ideologia representa as definições empresariais básicas que orientam a empresa durante diversas fases de sua existência”.
Que ideologia você acha que deve determinar a escolha da estratégia organizacional, considerando o cenário sociológico do século XXI?
Já faz algum tempo que a resposta é uma unanimidade entre especialistas de renome nacional e internacional. O próprio Lobão afirma que cada vez mais executivos acreditam na prosperidade através do sucesso em seus relacionamentos com todas as partes interessadas. Uma nova visão, de que todos os stakeholders tem responsabilidade e devem ser considerados na estratégia empresarial.
Já em seus livros “TQC – Controle da Qualidade Total” e “ TQC – Gerenciamento da Rotina”, lançados em 1992, Vicente Falconi – especialista em programas para qualidade e produtividade – faz dois apelos aos empresários: “Todos devem estar envolvidos. TODOS. Para isso é necessário Emoção. Reveja suas políticas de recursos humanos e proponha uma Visão de Futuro compartilhada por todos. Estamos todos no mesmo barco e temos que sobreviver” e “A única forma de eliminar a miséria e a pobreza e mudarmos de fato o nosso país é iniciar pela mente e pelo coração de cada um de nós. Esta mudança tem que ser conduzida pelo nosso esforço, pela aplicação do conhecimento em nosso dia a dia, de dentro das Organizações para a Sociedade”.
Refletindo sobre o que argumentam Lobão e Falconi, concluo que as organizações do século XXI devem ter como ideal um relacionamento ganha↔ganha com cada uma das suas partes interessadas. E você?
“Existem quatro tipos de seres humanos que estão nos objetivos de qualquer organização e são chamados stakeholders ou “partes interessadas”: Clientes, Empregados, Acionistas e Sociedade. A sobrevivência em longo prazo é garantida pela satisfação simultânea das necessidades (que algumas vezes são antagônicas!) destas partes interessadas.”
Vicente Falconi, O Verdadeiro Poder (2009)
Complementando as argumentações de Lobão e Falconi, no livro Management of Organizational Behavior: Leading Human Resources, lançado em 2009, os autores Paul Hersey, Kenneth H. Blanchard e Dewey E. Johnson, afirmam: “Organizações de sucesso estão profundamente atentas ao seu senso de propósito. Essas organizações clarificaram suas responsabilidades com seus clientes, a sociedade, o meio ambiente, donos e funcionários – os stakeholders que são fortemente afetados por seu desempenho”. Além disso, o livro de Hersey, Blanchard e Dewey, faz referência a uma importante afirmação de Peter Drucker: “(...) para o gestor ter sucesso, deve buscar resultados valorizados pelas pessoas que influenciam nas realizações da organização. Gestores devem buscar atender as necessidades e aspirações tanto dos seus liderados quanto dos stakeholders".
Considerando as afirmações de Hersey, Blanchard, Johnson e Drucker, para mim fica claro que é responsabilidade dos gestores das organizações conciliar os diferentes interesses dos stakeholders. E para você?
“Não se pode esquivar da responsabilidade social. Não é apenas uma questão do público exigi-la. Nem que a sociedade precisa disso. Mas o fato é que, na nossa sociedade moderna, o único grupo de liderança são os administradores. Se os administradores das nossas principais instituições, especialmente das empresas, não assumirem responsabilidade pelo bem comum, ninguém mais irá assumir ou poderá assumir. Numa sociedade pluralista de organizações, o governo já não é mais capaz – como ainda querem as teorias políticas – de ser o ‘soberano’ e o ‘guardião do bem comum’. Os grupos de liderança desta sociedade, e isto significa os administradores das nossas principais instituições, terão – queiram ou não queiram, sejam ou não competentes – que resolver quais são as responsabilidades que eles podem e devem assumir, em quais áreas e visando quais objetivos”.
Peter Drucker, Fator Humano e Desempenho (1997)
Esta visionária ideologia defendida por Drucker, foi advogada por Oscar Motomura, fundador e presidente do Grupo Amana–Key. Em seu depoimento para a revista Harvard Business Review de 2009, Motomura revela a visão de futuro de Drucker sobre a essência de uma organização: “Quando conheci Peter Drucker, 15 anos atrás, fui apresentado a ideias que influenciaram profundamente meu trabalho desde então. A principal delas é que, além de dar lucro ou gerar riqueza para stakeholders, a essência de uma empresa é fazer diferença, ser verdadeiramente útil e criar algo de que o mundo realmente precise. Esse propósito maior, observou Drucker, tem de ser algo elevado (...). Não pode ser algo superficial, como muitas declarações de missão de empresas hoje em dia.”
Em resumo, todos estes especialistas estão defendendo uma única ideologia:
Cada parte interessada e interveniente na organização deve ser atendida em suas necessidades legítimas e TODOS devem ganhar mais e sempre: Colaboradores consideram como a melhor empresa para se trabalhar; Clientes a escolhem como melhor fornecedora de produtos ou serviços; Fornecedores querem tê-la sempre como parceira; Sempre cumpre a legislação segundo órgãos governamentais; Realiza as melhores negociações com sindicatos e entidades de classe; Respeitada pela sociedade por sua preocupação com pessoas e meio ambiente; Acionistas priorizam investir nela.
O que muitas organizações ainda não entenderam é que escrever não basta. É necessário fazer acontecer na prática...
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Um insulto a nossa inteligência!
A reunião para elaboração do Projeto Empresarial corria com tranquilidade. Os participantes se permitiam checar e-mails e redes sociais enquanto a redação final da Ideologia Organizacional era finalizada pelos assessores. O texto final mostrava-se digno de uma organização admirada por todas as partes interessadas.
Tudo parecia bem até o Diretor de RH visualizar uma notícia alarmante na sua rede de relacionamentos.
– Caramba! Um colaborador acabou de filmar e compartilhar nas redes sociais a cena de um de nossos gestores berrando com um colaborador!
– Não é só isso, vejam! – o Diretor de Operações encontrou outra notícia, dessa vez mostrando tanto setores externos quanto internos da empresa. – Alguém filmou nossos resíduos sendo despejados no meio ambiente! E neste outro vídeo mostram as altas temperaturas e condições inseguras daquele setor... Aquele! Lembram?
– Isso não é nada – afirmou o Diretor de Mercado, no que naquele momento parecia uma bizarra competição para encontrar irregularidades noticiadas. – Acabei de ver uma entrevista em rede nacional, onde o nosso principal cliente reclama do descumprimento dos nossos prazos de entrega, qualidade dos produtos e preços, na opinião dele abusivos.
Naquele momento, o telefone toca. Atendido pelo CEO, o acionista exige providências para toda esta situação.
– Sim, senhor acionista – começa o CEO, – Estamos sabendo sim. Fique tranquilo que na redação da Ideologia Organizacional nós vamos desmentir tudo!
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