China acelera importação e quer terra no Brasil
Vicente Vilardaga - GMEHUB
De São Paulo -- A China se consolidou como o cliente fundamental do agronegócio brasileiro. Superou os Estados Unidos como maior comprador de produtos nacionais e, de uns tempos para cá, por conta do enriquecimento de sua população, que consome mais e melhor, vem diversificando sua pauta e adquirindo mais proteína animal, além de outros cereais e açúcar.
Em outra frente, ela busca garantir seu fornecimento de longo prazo, principalmente de soja, e trata de aumentar seu controle estratégico sobre a produção agropecuária. A estatal Cofco, depois de consolidar várias aquisições, tornou-se uma das maiores compradoras do grãos no Brasil, rivalizando, desde 2015, com os tradicionais donos do mercado nacional, apelidados de ABCD – ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus. Em maio, a chinesa Hunan Dakang Pasture Farming adquiriu 57% da Fiagril, compradora de grãos e distribuidora de insumos agrícolas do Mato Grosso do Sul.
Pela primeira vez, neste ano, os chineses foram o maior importador de carne bovina do Brasil, desembolsando US$ 6,98 bilhões de dólares, no primeiro semestre. Além disso ampliaram suas compras de frango e passaram a comprar açúcar – as importações do complexo sucroalcooleiro alcançaram US$ 4,46 bilhões.
No caso da soja, principal item de interesse e razão inicial dessa intensa aproximação, as compras tem sido crescentes. Representaram, no primeiro semestre, 75% das 38,5 milhões de toneladas vendidas no mercado externo, o que fez o Brasil superar mais uma vez os Estados Unidos como maior fornecedor do país asiático. As importações totais do complexo soja feitas pela China alcançaram US$ 17,43 bilhões, segundo o Ministério da Indústria, comércio e serviços (MICS).
Esse avanço por todos os lados, que envolve também investimentos em infraestrutura, como o de R$ 400 milhões recentemente feito pelo grupo CCCC no Terminal de Uso Privado de São Luiz (MA) para escoamento da produção agrícola do Meio-Oeste, é parte da estratégia de requalificação da relação comercial chinesa com os países da América Latina, sobretudo com o Brasil.
Esse novo posicionamento, estabelecido no 13º Plano Quinquenal apresentado pelo governo chinês, no ano passado, definiu o objetivo prioritário de elevar essas parcerias econômicas de um nível estritamente comercial para um estágio de investimento direto.
“Os chineses sabem o que querem e sua expansão global chinesa está muito bem planejada”, afirma o consultor e professor de Relações Internacionais da ESPM, José Luiz Pimenta Júnior. “Eles têm capital, apetite de investimento e pretendem aumentar seu controle sobre os meios de produção.”
Charles Tang, presidente da Câmara do Comércio e Indústria Brasil-China, diz que só falta liberar a compra de grandes extensões de terras para estrangeiros, o que faria a relação bilateral dar mais um alto evolutivo. A lei em vigor, sustentada em um parecer, de 2011, da Advocacia Geral da União (AGU), estabelece que essas aquisições não podem ultrapassar 5 mil hectares e nunca superar 25% da área do município onde a fazenda está localizada.
Além disso, cidadãos de uma mesma nacionalidade não podem ser donos de mais 10% do território de um mesmo município. “Esse parecer inibiu investimentos de mais de R$ 90 bilhões em 7 anos, que foram destinados para outros países da América Latina e da África”, diz Tang.
“É o que eu chamo de nacionalismo antinacionalista.” Segundo ele, a Constituição de 1988 é clara e define empresa brasileira como aquela constituída no Brasil sob as leis brasileiras e que tenha administração e sede no Brasil. “Mas isso não vale para a compra de terras, o que espero que mude no atual governo.”
O novo governo, do presidente Michel Temer, deu indicações de que pode rever esses limites e abrir a possibilidade de aquisição de grandes lotes a empresas estrangeiras. O projeto foi confirmado pelo ministro da Agricultura Blairo Maggi, que vê na reforma da legislação atual, definida no início do governo de Dilma Rousseff – sob a justificativa de manutenção da soberania nacional sobre terras agriculturáveis -- uma alternativa para a entrada de recursos em grande volume.
O foco dos chineses é investir diretamente na produção agrícola de outros países e sua principal motivação é a segurança alimentar. Com 1,36 bilhão de habitantes e áreas cultiváveis esgotadas, só resta a eles produzir comida fora de seu território. A soja, em particular, vastamente consumida, tanto em grãos, mas também como na forma de leite, carne e molhos, é ingrediente básico do prato chinês e uma das principais fontes de proteína da população local.
Mesmo que o Brasil seja um fornecedor altamente competitivo, produtivo e seguro, ele não está sozinho nesse jogo e os chineses não querem ficar reféns de nenhum fornecedor. Estados Unidos e Argentina são os principais concorrentes da soja brasileira, mas também enfrentam limitações de expansão e só poderão fazer isso se avançarem sobre outras culturas.
Diante disso, os chineses tratam de comprar grandes lotes de terras em países africanos e em vários países da América Latina, como o Paraguai e a Colômbia. Até 2012, o Paraguai, por exemplo, segundo a ONG Grain, vendeu 8 milhões de hectares, o equivalente a 38% de suas terras agrícolas, para grupos estrangeiros, incluindo chineses.