Choque de futuro ou crise de futuro? Melhor mesmo é culpar a geração “nem nem”.
Ainda na década de 70, Alvin Toffler, definiu que o “choque de futuro” acontece no momento em que o futuro se torna presente e não há preparo ou compreensão para lidar com a situação. O futuro chegou e não espera por você, diria a mais pura filosofia de rua. E o que isso tem a ver com a amaldiçoada geração “nem nem”?
Bom, primeiro vamos definir quem é essa turma. E o verbete da Wikipedia informa que é uma geração na faixa dos 15-29 anos, que recebeu o inglório epíteto por “nem trabalhar” e “nem estudar”. Assim, são adolescentes e adultos que, no presente momento, não procuram emprego e nem estão estudando, para desespero de pais, Universidades e empregadores, mundo afora (o fenômeno é teimosamente mundial).
Para que possamos tentar entender essa história preciso citar três fatores que operam simbioticamente e embaralham o cenário, quais sejam, a transformação cultural, a revolução tecnológica e o encurtamento do tempo.
Os últimos quinze anos deste Século marcam uma profunda cisão com o passado, com a disseminação do acesso à internet, onipresença das redes sociais, aplicativos, streaming e plataformas fervilhando num ecossistema em que o universo cabe na palma da mão (desde que você possua um smartphone). O mundo se transforma e é ingenuidade acreditar que as pessoas irão receber essas “dádivas” tecnológicas e se comportarem da mesma maneira que seus pais e avós. Infelizmente, ou felizmente, não é assim que os seres humanos são. As expectativas e as perspectivas não são as mesmas. Alteradas as condições iniciais, não dá para esperar o mesmo resultado.
A virtualização da vida social e da vida profissional, numa lógica de consumo desenfreado e deslumbrado, faz surgir um modo de existência hiperconectado, ansioso, ególatra, sentimental e tendente ao exagero. A tecnologia altera a cultura e a cultura altera a tecnologia. O meio é a mensagem, como alertou Marshall Mcluhan.
Nesse caldeirão tecno-acelerado, é evidente que a noção de tempo - e de finitude da vida - se perde ao longo do caminho, bem como ficam para trás paradigmas como casa própria, automóvel e emprego sólido de longo prazo.
Edgar Morin propõe a expressão “crise de futuro” para explicar o momento em que as expectativas em relação ao futuro geram medo. Esse temor faz o indivíduo se refugiar no presente, nas pequenas ofertas do dia a dia. Contudo, nesse ciclo curto e falsamente “presenteísta” e nada estoico, morre a perspectiva de um futuro melhor.
Compreensivelmente, não dá para ser feliz e apropriar-se da vida sem a presença da noção e sentimento de futuro. O futuro é o tempo do ser humano, já disse e respondeu a si mesmo, o filósofo Francesco Morace, quando escreveu sua obra “O que é o futuro?”. A aspiração e o desejo por um futuro mais próspero e feliz emprestam sentido à vida.
Portanto, nem “choque de futuro” nem “crise de futuro” respondem sozinhos ao atual momento. Muito mais razoável parece ser dizer que há uma generalizada “crise de sentido” e, que essa crise de sentido gera, por sua vez, uma crise de esperança e uma falta de motivação.
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Nenhum discurso motivacional ou de “propósito” resiste à falta de sentido. Educação para que? Trabalhar para que? Sem sentido e, portanto, sem esperança não existe razão para agir. Talvez, e não mais do que talvez, a inação e a paralisia sejam a inconsciente negação deste zeitgeist tão vinculado às gerações anteriores.
Há uma pergunta sendo feito por essa geração “nem nem”, muito seguramente, uma questão não compreendida porque não é articulada e nem consegue ser expressa em termos claros. Nesse caso, vou me valer do físico e astrônomo Carl Sagan que deu seu veredito ao afirmar que “toda pergunta é um grito para compreender o mundo”.
O sociólogo francês Michel Maffesoli, tomando a noção de soteriologia (em resumo, a salvação humana) já previa este cenário em 2008 ao alertar que, para o ser humano, “há uma tensão voltada ao futuro. Toda educação, tudo o que vai ser político, é uma mobilização das energias individuais ou coletivas para atingir uma meta distante” e que “só mais tarde haverá uma realização de si”.
E as respostas a essa situação? Não tenho nenhuma pretensão de tê-las. Resta a minha vaga impressão, em mega apertada síntese, de que as respostas passam pela noção de responsabilidade e pela devolução do sentimento de esperança.
Em algum momento, perdemos a capacidade social de gerar uma transição para a vida adulta. Perdeu-se o “rito de passagem” do adolescente para o adulto. Esfacelou-se a “jornada do herói” que precisa ser tomado pela disposição de abandonar o reino, ver o mundo e depois retornar com a sabedoria. Joseph Campbell, o maior estudioso dos mitos, alertou que “hoje não dispomos de mitos que nos ajudem a passar por essas transições” que a vida exige. E herói, nos termos que proponho, são conscientes de sua fragilidade e nada tem de infalíveis.
Nesse sentido, retomar a noção de finitude da vida é uma urgência para fazer renascer a esperança. Somos “seres para a morte”, nas palavras do filósofo Martin Heidegger. É possível que o fascínio e a esperança com a vida estejam contidos na certeza de que o relógio da vida é implacável e, por isso mesmo, encantador. Como disse Carol Pearson “quando paramos de lutar contra a verdade, podemos ser livres”.
Talvez, nos reste acreditar, estoicamente, que alguma esperança é melhor do que nenhuma.
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2 aQuanta sabedoria em um artigo meu querido Rodrigo... futuro é algo tão maluco, que projetamos, muitas vezes, tanto em a única coisa incerta dessa experiência. Isso sim é ousadia. Mas de que vale essa jornada da vida, senão viver correndo o risco de ser feliz no futuro?