Cisne Verde
A depressão econômica mundial de 2008 fez surgir o termo "cisne negro" para se referir a eventos fora da curva e que têm um forte impacto negativo ou até catastrófico sobre a economia. Quando essa crise emergiu, poucos imaginavam a abrangência e o profundo impacto que causaria na economia mundial, com efeitos em cadeia, fazendo ruir uma a uma as economias dos países, das mais sólidas às mais voláteis.
Recentemente foi cunhado um novo termo, o “cisne verde”, relacionado à perspectiva de uma crise financeira causada pelas mudanças climáticas. Tem a ver com os recentes incêndios na Austrália e nos Estados Unidos, inundações na Europa, situações que têm se tornado cada vez mais frequentes em várias partes do mundo, afetando muita gente, com grandes impactos financeiros.
A diferença entre os cisnes negros e os cisnes verdes é a certeza de que, em algum momento, os verdes vão se materializar como consequência de eventos relacionados às mudanças climáticas, tais como: incêndios, inundações, secas prolongadas, dentre outros. No mês de fevereiro de 2020, por exemplo, a intensidade das chuvas foi superior à média histórica dos últimos 77 anos em São Paulo, causando transtornos enormes, com impactos sociais e financeiros incalculáveis. Essa situação é o novo normal no comportamento do clima, com tendência de agravamento caso medidas urgentes não sejam tomadas para conter o aquecimento global.
Eventos como os incêndios na Austrália e as inundações na Europa podem provocar mudanças repentinas de percepção de risco de um país ou de uma empresa, levando os proprietários de ativos financeiros dessas economias a se livrarem deles, gerando pânico que pode levar a um contágio profundo na economia global. Na ocorrência de um evento dessa magnitude, os estoques de capital disponível nos mercados também não seriam suficientes para reduzir os efeitos em cascata no sistema financeiro.
Embora o conceito do cisne verde não inclua os aspectos relacionados ao problema da saúde pública, me atrevo a adicionar esses eventos na teoria do cisne verde, principalmente para os casos de pandemias. Uma triste constatação é que o mundo sempre operou com um ciclo de pânico e outro de negligência. Ao enfrentar uma epidemia, coloca-se muito dinheiro para gerenciá-la, e quando finalmente a controlamos, nada é feito para prevenir a próxima.
Da mesma forma, reagimos após inundações devastadoras e escorregamentos de encostas que reincidem em cidades, com perdas de vidas e enormes impactos materiais. No entanto, passados alguns meses, se cai no esquecimento e nenhuma ação é tomada para evitar a próxima ocorrência. Esses eventos são tratados como desastres naturais isolados e não como consequência do uso exagerado de combustíveis fósseis e desmatamento desenfreado.
O fato é que estamos à beira de uma mudança fundamental no sistema financeiro global, como consequência dos cisnes verdes, visto que os impactos provenientes das mudanças climáticas ou sociais se tornaram um fator central na estratégia de longo prazo das empresas, que vai requerer perspectivas mais holísticas para eventos que até agora não estavam no radar. Dentre os potenciais riscos associados às mudanças climáticas podem-se destacar: (1) risco de crédito, (2) riscos de liquidez, que podem afetar bancos e instituições financeiras, (3) risco operacional, por falta de matéria prima ou de acesso aos ambientes de produção, e (4) riscos de mercado, como consequência de fugas de capital em um país ou região.
Os Bancos Centrais de muitos países estão monitorando os riscos de potenciais “cisnes verdes” por meio da introdução de testes de estresse que incluam critérios ambientais e de governança das instituições financeiras, que, por sua vez, têm usado dos mesmos critérios para avaliação de risco das empresas com as quais fazem negócios. O Banco Central Europeu, por exemplo, está avaliando a possibilidade de incluir a mudança climática em todos os modelos econômicos usados para avaliação de riscos de seus associados, visto que os modelos tradicionais não conseguem capturar os eventos de cisnes verdes.
Além dessas medidas, uma das alternativas importantes para melhorar a cobertura de gestão de riscos seria a criação de modelos de avaliação de riscos de saúde pública, a partir de sistemas de governança e planos de contingência robustos o suficiente para gerenciar catástrofes naturais, além de crises de saúde pública e epidemias. Mas acima de tudo, governantes e governados precisam se conscientizar que o modelo exploratório de recursos naturais em curso se tornou insustentável e requer uma rápida ação para reverter a tendência de aumento do aquecimento global sob o risco de ser tarde demais.