COBRANÇA POR SEGREGAÇÃO E ENTREGA DE CONTÊINER – PRÁTICA ANTICONCORRENCIAL NOS PORTOS BRASILEIROS

COBRANÇA POR SEGREGAÇÃO E ENTREGA DE CONTÊINER – PRÁTICA ANTICONCORRENCIAL NOS PORTOS BRASILEIROS

Entre os diversos serviços prestados pelos Operadores Portuários, existe um, especificamente, que é alvo de grande discussão administrativa e, inclusive, judicial há mais de uma década, sem que até hoje tenha sido definitivamente pacificado o assunto. Trata-se da movimentação de contêiner para armazéns retroportuários.

Serviços como atracação, estiva e capatazia são cobrados dos armadores (responsáveis pelos navios) em um valor único chamado Box Rate (Cesta de Serviços), de acordo com inc. III do art. 2º do Anexo da Resolução Normativa ANTAQ nº 34/2019. Esse custo, por sua vez, é repassado ao dono da carga compondo o valor total do frete numa rubrica chamada Terminal Handling Charge – THC, prevista no inc. X do art. 2º do referido Anexo.

No caso de contratação de armazéns situados fora do porto molhado, os quais não possuem acesso direto ao local de desembarque das cargas, faz-se necessária a transferência do contêiner em momento posterior ao seu descarregamento do navio, o que demanda em parte a utilização de maquinário e pessoal próprios das empresas sediadas nas imediações onde se dá a atracação, surgindo então uma outra cobrança por serviço atualmente intitulado de “segregação e entrega de contêiner”.

Apesar da insatisfação dos responsáveis pelos portos secos, com a edição da Resolução Normativa nº 34, ficou oficialmente reconhecido pela agência reguladora do setor através do § 1º do art. 6º do seu Anexo o Serviço de Segregação e Entrega de contêineres – SSE, representando, na prática, uma permissão para os Operadores realizarem a contestada cobrança, definida pelo inciso IX do art. 2º do citado Anexo nestes termos:

IX - Serviço de Segregação e Entrega de contêineres - SSE: preço cobrado, na importação, pelo serviço de movimentação das cargas entre a pilha no pátio e o portão do terminal portuário, pelo gerenciamento de riscos de cargas perigosas, pelo cadastramento de empresas ou pessoas, pela permanência de veículos para retirada, pela liberação de documentos ou circulação de prepostos, pela remoção da carga da pilha na ordem ou na disposição em que se encontra e pelo posicionamento da carga no veículo do importador ou do seu representante;

Registre-se, contudo, que parte do trabalho físico que supostamente compõe o custo do SSE, qual seja, a posterior movimentação do contêiner até o portão do terminal após retirada da pilha, na verdade não é desempenhada pelo Operador Portuário, uma vez que o caminhão contratado pelo dono da carga realiza essa função.

No que tange à parte do trabalho efetivamente executada pelo Terminal – a retirada do contêiner da pilha –, não há por que se falar em serviço adicional, já que o contêiner seria, invariavelmente, retirado em algum momento de qualquer forma, o que não enseja nova cobrança nos casos em que as empresas contratam a armazenagem com o próprio Operador Portuário.

A cobrança afronta, portanto, previsão expressa disposta na Lei dos Portos nº 12.815/2013, no sentido de que a concorrência deve ser estimulada para incentivar a participação do setor privado a partir do amplo acesso aos portos organizados, instalações e atividades portuárias, nos termos do inc. V art. 3º.

Com a imposição aos retroportuários, de uma “tarifa” adicional para colocar o contêiner à sua disposição, cria-se uma barreira aos concorrentes prestadores do serviço de armazenagem, que sem alternativa se encontraram em posição desvantajosa arbitrariamente imposta.

Do outro lado, defensores da cobrança sustentam que o SSE, além de contemplar a realização de trabalhos físicos de movimentação de contêiner, remunera funções administrativas como agendamento, conferência documental, preenchimento de informações nos sistemas de controle de alfândega, atribuições que já são inerentes ao Operador Portuário, conforme se depreende do inc. VII do art. 26 e do art. 27, § 1º, da Lei dos Portos.

O modelo constitucional brasileiro de regulação das atividades econômicas concede espaço para convivência harmônica entra fiscalização setorial (art. 174 CF) e concorrencial (art. 173, § 4º CF), o que na prática deveria representar uma dupla proteção das atividades econômicas. Neste sentido a atual legislação antitruste (Lei nº 12.529/11) dispõe sobre a proteção da concorrência, enquanto a Lei nº 10.233/01 dispõe sobre a regulação de transportes aquaviários e terrestres.

Assim, apesar de a ANTAQ ter editado resolução que valida a cobrança por Serviço de Segregação e Entrega e contêiner, o CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica condenou a referida prática em todas as oportunidades que julgou a matéria, considerando-a como uma infração contra a ordem econômica prevista no art. 36, incisos I, II, IV, e § 3º, incisos III, IV, e X, da referida Lei nº 12.529/2011.

Ao contar com uma postura conivente da Antaq perante determinadas práticas consideradas abusivas, Operadores Portuários estão se blindando através da agência, órgão que deveria garantir isonomia no acesso à exploração e uso dos serviços portuários, condição imprescindível ao fomento da competição entre os players, conforme inc. VI do art. 27 da Lei nº 10.233/2001.

A competência da agência reguladora não deve ser interpretada como uma presunção absoluta de cumprimento da sua função, ou, ainda, como único e exclusivo meio de efetivação do bem a ser tutelado, sob pena de produzir efeito inverso. Como diz o ditado, não devemos colocar todos os ovos na mesma cesta!

Tratando-se de regulação, a imposição de análise setorial em prevalência da concorrencial acarreta prejuízos para as empresas, usuários de serviços públicos e consequentemente aos consumidores finais, permitindo a formação de monopólios, levando ao abuso do poder econômico e criação de embaraços à livre concorrência, como no presente caso.

Não se pode perder de vista o fato de que, no âmbito regulatório, CADE e ANTAQ exercem funções complementares, razão pela qual seus posicionamentos podem divergir eventualmente sobre a ocorrência de conduta abusiva nos portos, o que deveria representar um duplo filtro vantajoso para a economia em vez de uma duradoura e infrutífera queda de braço.


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