Como manter a saúde mental no mundo acadêmico?
Dentre os múltiplos fatores que a chegada da pandemia da Covid-19 escancarou, um dos mais importantes foi a necessária atenção que deve ser dada a saúde mental. Por muitos anos – e, por um pequeno grupo, ainda hoje – realizar um tratamento/acompanhamento psicológico foi taxado como “coisa de gente louca”, quando, na verdade, a verdadeira loucura é não buscar ajuda profissional quando se necessita.
Ao atravessar um dos tantos desafios de minha trajetória acadêmica, encontrei na escrita uma forma auxiliar de ajuda terapêutica. O primeiro texto dessa série de artigos que estou produzindo foi “Algumas verdades nada convenientes sobre a vida acadêmica”. Nesse texto, apresento um resumo de uma trajetória acadêmica hipotética e os principais desafios/embates que podem ser vividos por acadêmicos. O segundo texto da mesma série foi “Notas sobre o recalque na vida acadêmica”, no qual trouxe reflexões embasadas nas leituras psicanalíticas do recalque, aplicadas ao mundo acadêmico. Fica o convite para leitura desses textos também.
Cuidar da saúde mental e emocional é tão importante quando cuidar da saúde física. É bastante provável que a pandemia tenha colocado na tela esse assunto que sempre existiu, contudo, poderia ter ficado “por debaixo do tapete” por algum tempo. Os cuidados com a saúde mental não são restritos a apenas um âmbito de nossas vidas, mas devem se fazer presentes em todos os aspectos, momentos e espaços de nossos cotidianos. Para as pessoas acadêmicas – como esse que escreve esse humilde texto – os cuidados com a saúde emocional devem existir e serem redobrados nesse âmbito da vida.
Muito já se escreveu sobre “saúde mental na academia”, e aqui trago os exemplos do belo texto da Yanna Lima, criadora da plataforma de ensino online Lacadêmica, intitulado “Pressão, saúde mental e vida acadêmica”; ou, ainda, o texto de Thiago Mourelle, intitulado “Vida acadêmica e saúde mental: um debate necessário”; ou, ainda, o texto da psicóloga Tânia Aosani, intitulado “Saúde Mental e o Ambiente Acadêmico”. Além de serem ótimos textos, o que mais eles teriam em comum? O fato de focarem suas análises na saúde mental de estudantes (de graduação e de pós-graduação). Pois é! Pouco se fala sobre saúde mental dos profissionais do mundo acadêmico (professores universitários e pesquisadores, por exemplo).
Se você é do meio acadêmico, muito provavelmente lembra-se do terrível episódio ocorrido, em 2017, com o Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Prof. Dr. Luiz Carlos Cancellier, que, após ser acusado injustamente de desvios de verbas e ser vítima de uma humilhação pública na qual foi acorrentado e preso em um presídio de segurança máxima por 30 horas, suicidou-se. Deixou um bilhete no qual constavam as tristes palavras: “a minha morte foi decretada quando fui banido da universidade!”. Como não havia provas que o incriminassem, a Polícia Federal se viu obrigada a encerrar o inquérito absurdo que levou o magnífico ao suicídio.
Esse triste e revoltante episódio acendeu os alertas máximos sobre a questão da saúde mental para os profissionais do mundo acadêmico. Por óbvio tratou-se de uma situação extrema, na qual um reitor foi acusado de desvio de milhões de reais. Quando nossa honra é atingida a esse ponto, atitudes extremas na mesma proporção foram vistas. Aproveitamos esse espaço para deixar registrados nossos sinceros sentimentos de pesar a família do Prof. Cancellier e a toda a comunidade acadêmica da UFSC, que vivenciou esse triste acontecimento.
Outros episódios – não tão visíveis, por obviedade, como o suicídio do reitor da UFSC – também são vistos no mundo acadêmico. O Professor português José Machado Pais nos diz que “o cotidiano é onde tudo passa, sem que nada pareça passar” e é nesse cotidiano e em seus meandros onde ocorrem diversos atos que podem levar ao adoecimento mental dos profissionais do meio acadêmico.
Como já apontei nos textos anteriores, estou vivenciando um desafio importante em minha trajetória acadêmica. Um desafio que, se não for bem acompanhado, pode ser motivo de um sério adoecimento mental. Portanto, tenho usado esse período de resistência nesse momento de desafio, para entender melhor como tenho lidado com a saúde mental em minha vida acadêmica. Após muitas reflexões, decidi compartilhar aqui quatro dicas importantes para que você, meu colega e minha colega, possa olhar para si e se cuidar também.
1. Valorize-se e tenha orgulho de si: como já apontei no texto “Notas sobre o recalque na vida acadêmica”, o recalque alheio (leia-se: posturas de inveja) é um dos elementos críticos e motivos de existências de muitas situações vivenciadas no mundo acadêmico. Por isso, é importante não se sentir diminuído ou desprezado se você produz e ganhou algum tipo de visibilidade. Ao contrário! Isso é motivo de orgulho para você! Precisamos entender que o recalque de outros pode ter origem em nossa produção acadêmica, já que alguém que produz ao lado de quem pouco ou nada faz, apenas escancara a improdutividade dos demais. Lembre-se: o problema (na maioria das vezes) não é você...
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2. Tenha atenção redobrada com pessoas recalcadas que estejam ao seu redor: na esteira da dica anterior, é fundamental identificar as pessoas recalcadas que estão em nossos círculos profissionais e ter total atenção com elas. É bastante provável que dessas pessoas é que virão ataques pessoais para conosco. Por isso, estar preparado é fundamental. Conheça quem está ao seu redor e saiba de onde você pode ser atacado e ter seu emocional abalado. Estar prevenido é importante para não ser pego de surpresa.
3. Tenha uma rede de apoio: fundamental ter pessoas com quem se pode confiar e com quem se podem compartilhar seus sofrimentos e angústias. De todas as formas, amigos de outras áreas e familiares podem ser bons elementos para formar sua rede de apoio e te ouvir, mas, também, é fundamental que existam pessoas do meio acadêmico, já que elas podem melhor entender o que você está sentido, uma vez que conhecem e vivem a mesma realidade. Conversar com os pares (colegas de alta confiança) sempre é bom. Esses colegas podem colocar luz em situações que nós não estamos conseguindo enxergar direito.
4. Busque ajuda profissional: na esteira da dica anterior, não basta apenas ter uma rede de apoio formada por familiares, amigos e/ou colegas de confiança. É sempre fundamental buscar apoio profissional. Não espere seu estresse e sua ansiedade chegarem a níveis preocupantes para buscar apoio profissional de psicólogos e demais profissionais de saúde mental. Lembre-se: conversar com amigos é importante, porém, são desabafos; conversar com um profissional, sim, é terapia.
É claro que existem outras dicas que poderiam ser colocadas aqui. Você já vivenciou situações que lhe deixaram com a saúde emocional abalada no meio acadêmico? Compartilhe conosco, se sentir-se segura/o. Compartilhe como você lidou com essas situações. É conversando que a gente forma redes e busca soluções em conjunto.
Por fim, lembre-se: “não diga que a canção está perdida. Tente outra vez!”.