Como nossas medalhas no Rio podem mudar o país

Como nossas medalhas no Rio podem mudar o país

2016. Ano de olimpíada, e no Brasil. A expectativa é alta, a pressão por resultados aumenta na medida que eles talvez sejam a única maneira de fazer com que esses jogos tenham algum legado relevante, se eles virão ou não deixamos para discutir em outro momento, mas e se vierem, o que muda na terra do Time Brasil?

A meta estabelecida pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) ainda em 2014 – de acordo com a agência Estado – é a de atingir o top 10 no quadro de medalhas o que significaria, usando como base o resultado da edição de Londres, pelo menos mais quatro medalhas de ouro, internamente esse objetivo vem sendo revisto pela entidade. Além do suposto pessimismo do COB, prognósticos de acadêmicos e profissionais do esporte, acrescentamos outro ingrediente que faz crer que não haverá grande evolução do “quadro” – com o perdão do trocadilho – nos jogos que se aproximam, um índice científico.

Liderado pela professora e pesquisadora Veerle de Bosscher, da Universidade Vrije de Bruxelas, o SPLISS – sigla para Sports policy factors leading to international sporting success (Fatores de políticas públicas para o esporte que proporcionam sucesso internacional, em tradução livre) comparou 15 países em 9 diferentes indicadores que influenciam o desempenho olímpico de um país. O resultado da segunda parte do estudo do projeto iniciado em 2002 conduzido por 53 pesquisadores e que contou com a colaboração de 3142 atletas e 1376 técnicos mostra o Brasil como um país intermediário dentro do que é considerado ideal pelos pesquisadores, com virtudes no que se refere a suporte financeiro e organização de competições municipais e estaduais, incluindo nesse último a oportunidade para que atletas em formação possam representar o país internacionalmente e carências na área de pesquisa, formação de técnicos, identificação e desenvolvimento de talentos, governança, promoção da participação esportiva,suporte da carreira e pós-carreira do atleta e instalações esportivas, temos muito trabalho pela frente.

A professora Maria Teresa Bohme, da Escola de Educação Física da USP – EEFE e que colaborou com o estudo no país, vê a falta de coordenação como a principal falha do sistema esportivo brasileiro“não se sabe o que compete a cada nível, cada um faz o que quer. Na educação se tem a LDB [Lei de diretrizes e bases] em que se define bem qual é o papel do município, estado e união”, aponta. A pesquisadora cita como exemplo a definição das primeiras categorias competitivas em cada modalidade, a faixa etária normalmente é decidida de maneira aleatória “todas as federações internacionais possuem um padrão, mas aqui não se segue. Em um trabalho de mestrado de uma orientada minha, foi perguntado para clubes e federações o motivo de dada categoria ser a primeira a ter competições. A resposta da federação é que é em razão da vontade do clube, o clube fala que é por que a federação definiu”.

A ESTRUTURA DE GESTÃO DO ESPORTE BRASILEIRO

Retirado da apresentação dos resultados do SPLISS 2.0 no Simpósio Internacional sobre Políticas para o Esporte de Alto Rendimento

MARIA TERESA BOHME – “Falta entendimento e acesso da competência de clubes ligas e federações. É fundamental que as federações e confederações parem de se limitar a simplesmente montar tabelas” 

Exemplos a seguir…

DE BOSSCHER – “Os países que melhor pontuaram nesse quesito(gestão e governança) , caso de Holanda, Suíça e Austrália, são países que fazem mais com menos, ou seja investem melhor seus recursos. A palavra chave para isso é coordenação, todos os órgãos envolvidos devem se comunicar, estar mais integrados, claro que falar disso em um país com as dimensões do Brasil é diferente do que na Suíça, Holanda e até da Austrália, apesar do grande território, mas o caminho é esse”

E se, inspirados por representar o país na própria casa, inflamados pela torcida apaixonada nossos atletas surpreenderem e arrebatarem todas as medalhas que se espera e as que não se espera e conseguirem com folga o melhor desempenho brasileiro de todos os tempos? Existiria algum impacto positivo para o esporte e, ainda mais, para o país como um todo?

Perguntada sobre a importância do desempenho esportivo internacional, ou o sucesso olímpico, para o desenvolvimento de uma nação a própria De Bosscher diz não haver evidências de uma relação direta nesse sentido “A verdade é que não existe nada na literatura científica que traga uma resposta definitiva para isso, o que eu diria é que o impacto na auto-estima das pessoas é positivo, o exemplo de esportistas vencedores idem. Claro que essa é uma pergunta que deve sempre ser feita para pensarmos continuamente como está processo que leva à medalha, é uma reflexão importante”, afirma. Reflitamos, então.

O índice de desenvolvimento humano (IDH) é uma medida resumida do progresso a longo prazo em três dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda, educação e saúde*, criado para contrapor o produto interno bruto (PIB), como indicador de desenvolvimento de um país. Sua primeira medição foi divulgada em 1998, sendo o IDH um dos mais confiáveis para a medição do nível de desenvolvimento de determinado país, província, estado ou município. Uma nação que teve uma melhora vertiginosa no seu resultado olímpico na década passada, a China, líder no quadro de medalhas quando sediou os jogos em 2008, apresentou evolução significativa no IDH entre 2001 e 2005 período que precedeu e até adentrou o ciclo que culminou com o melhor desempenho da história do país nos jogos. Essa relação porém, não foi percebida quando analisada a variação da Romênia por exemplo, que viu sua contagem de medalhas cair de 26, em Sidney, para 9 em Londres, enquanto o IDH teve leve evolução no período.

Enquanto é possível perceber uma evolução no IDH chinês (linha vermelha caindo) antes do seu melhor desempenho olímpico na história – seria o sucesso olímpico possível apenas para países desenvolvidos? – os romenos apresentaram leve evolução de IDH (linha amarela cai gradativamente ao longo do gráfico) e uma queda significativa no desempenho dos jogos – principalmente de 2004 para 2008

 

O Brasil não apresenta variação significativa no ranking mundial de IDH – apresentando a maior queda entre os relatórios de 2010 e 2011 (quando a linha sobe) – já a Nova Zelândia – sempre entre os 20 mais desenvolvidos – mostrou evolução esportiva ANTES do maior salto de seu posicionamento no IDH entre 2007 e 2010, teria o esporte colaborado de alguma maneira com essa melhora?

Apesar de não ser possível estabelecer uma relação direta entre medalha e evolução de um país através dos dados levantados acima, uma política pública que tenha como um dos objetivos o sucesso esportivo internacional passará obrigatoriamente pelo fortalecimento das categorias de base e outras medidas que de uma maneira ou de outra farão alguma diferença no futuro daquele país.

Por isso, mais importante do que ter definida uma política esportiva nacional, o que de maneira integrada ainda não existe no Brasil, é que ela contenha meios humanos para se atingir seus objetivos, afinal queremos elevar nossa auto-estima, comemorar triunfos, mas mais do que isso queremos consumir esporte de qualidade, praticar esporte de qualidade e incorporar essa qualidade nas nossas vidas. Sonhamos muito com o primeiro mundo, a eficiência alemã – ainda mais depois de 2014 – temos um modelo a seguir, centralizador, autoritário e que trouxe resultados rápidos de um ciclo olímpico para outro, da edição de 32, disputada em Los Angeles, para 36, em Berlim. Nesses dois jogos a Alemanha de Hitler passou de 20 medalhas – 3 ouros – a 89 – 33 ouros – superando os Estados Unidos e mostrando para o mundo como eram competentes no que faziam, e realmente o eram, só não possuíam valores que se pode chamar de humanos, as vitórias não podem vir a qualquer custo.

A ASSUSTADORA EVOLUÇÃO ALEMÃ ENTRE 32 e 36

NO CAMPO DE JOGO

João Guilherme Chiminazzo é mestre e profissional atuante da Educação Física, estudou o nível de conhecimento que os técnicos de tênis possuem sobre uma síndrome físico-psico-emocional, muito comum em trabalhadores sobrecarregados e frustados assim como em atletas de alto-rendimento de todas as categorias. Um dado da pesquisa chama atenção “o que me surpreendeu é que mais de 80% dos técnicos entrevistados alegaram que o excesso de treinamento pode dar origem à síndrome de burnout. Aí a gente para e pensa, pô, é justamente o técnico que monta os treinos, como ele monta essa agenda e ele mesmo diz que o treino dá origem ao esgotamento? Alguma coisa está errada”, protesta.

A dissertação defendida em 2005 na UNICAMP se mostra atual, já que a formação de técnicos foi uma das áreas apontadas como deficientes pelo SPLISS, o que preocupa pela natureza da síndrome em questão. O burnout é um processo de esgotamento em relação a uma atividade qualquer que, caso não tenha o devido acompanhamento, pode levar a uma aversão definitiva ou o dropout, que é a desistência irreversível da prática em questão, ou seja estamos perdendo muitos futuros praticantes para o burnout, dropout, e outras tantas situações que poderiam ser evitadas com maior qualificação dos envolvidos.

SOBRE O BURNOUT – Quando o limite é ultrapassado

Perder praticantes significa perder potenciais talentos esportivos, perder adultos com hábitos de vida mais saudáveis e perder a oportunidade de fazer com que o esporte tenha uma influência positiva na vida desses indivíduos “um avião pode transportar passageiros, mas também bombas. O avião é o mal nesse caso? O mal é quem faz o uso dele. Com o esporte o raciocínio é o mesmo”, defende Chiminazzo, mas se o aeroplano nem sair do chão fica complicado.

Fazendo nosso 747 decolar, o próximo passo é ficar o mais próximo possível de preenchê-lo apenas com passageiros, sem nenhum artefato explosivo. Não é fácil. “O esporte está presente em toda sociedade sob diferentes firmas de manifestação. Como o esporte é desenvolvido em uma sociedade depende da cultura da mesma”, explica a professora Maria Teresa, “ele vai fazer bem ou não da maneira como ele é desenvolvido apresentado e como a criança vivencia isso. Em modalidades com uma iniciação muito específica e cedo, com muita competitividade, você vê o esporte na infância trabalhado sob o ponto de vista do adulto, do que ele quer que a criança faça, e o que a criança quer com essa coisa chamada esporte? segundo estudos a criança quer ter prazer, a competição fica em último nessa lista, antes vem fazer amigos, se divertir, desenvolver habilidades, ganhar não é a prioridade para elas. É preciso saber fazer.

Até se sabe, como provam os entrevistados desse texto, mas o saber enfrenta dificuldades de se comunicar com a prática. A educação física como conhecimento vem sendo muito menos aplicável do que deveria, seja pela falta de habilidade dos acadêmicos ou pela desorganização das entidades esportivas “se discute no mundo inteira a dificuldade dessa interação. A formação de quem vai trabalhar com esporte e com alto rendimento varia de país para país, em alguns deles que participaram do SPLISS o papel das federações e confederações é muito importante. Na nossa realidade em geral não se percebe isso, a atuação dessas entidades aqui tem como objetivo organizar as competições, mas elas não tem a preocupação de promoção da atividade. Isso passa pela capacitação dos profissionais que trabalham com a modalidade”, argumenta a professora. Por outro lado, a falta de convicção no modelo de formação ideal na graduação da Educação Física para suas mais diversas áreas de atuação incluindo aí a de técnico desportivo distancia ainda mais a teoria da prática.

Temos muitas virtudes, mas ainda muito o que progredir, não serão as medalhas que começarão a ser conquistadas daqui a cem dias que mudarão esse cenário, independentemente de a meta do décimo lugar ser ou não atingida . Que vençam os melhores!

PUBLICADO ORIGINALMENTE NO INDÚSTRIA DE BASE

* Retirado do site da ONU

OUTRAS FONTES

Quadro de medalhas e aqui

– “Teoria geral do treinamento desportivo” Valdimir Platonov

SPLISS

SIPEAR

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