Como o leilão do 5G vai impactar o IoT
Aconteceu recentemente o leilão do 5G, que é o tiro de largada para implantação de sistemas comerciais da nova geração de comunicação móvel celular. Fala-se muito em como o 5G vai viabilizar aplicações IoT. Eu concordo com isso, mas não da forma mais óbvia: acredito que o 5G impulsiona o IoT ao aumentar a oferta de 4G. Ou seja, o futuro é IoT sobre 4G e não sobre 5G. Deixa eu te explicar porque e como.
O leilão do 5G
Aconteceu neste mês de novembro de 2021 o esperado "leilão do 5G". Nele, o governo federal leiloou a outorga de faixas de frequências que permitirão às operadoras implantar e operar comercialmente os sistemas 5G. Os ganhadores e resultados foram amplamente noticiados pela mídia, mas se perdeu alguma coisa pode se atualizar aqui, aqui e aqui.
Foram leiloadas as seguintes faixas de frequência (referência):
· 700 MHz: faixa de 4G principalmente para rodovias, mas também compatível com 5G
· 2,3 GHz: suporta 5G mas vai ser compartilhada com 4G em locais que ainda não tem esse serviço.
· 3,5 GHz: a preferida para aplicações 5G, principal faixa utilizada no mundo.
· 26 GHz: principalmente conectividade nas escolas
O cronograma de implantação prevê que até julho de 2022 as capitais estaduais e o distrito federal já tenham cobertura 5G, e até 2028 chegar a todas as cidades do país com mais de 30 mil habitante.
Um ponto que eu quero enfatizar aqui é que além da operação comercial do 5G, é que existem compromissos e mais compromissos de expansão cobertura 4G pelas ganhadoras. Isto inclui levar conectividade 4G a 95% da área urbana dos município que ainda não possuem a garantir cobertura 4G de 31 mil km de estradas federais.
Tecnologia 5G
O 5G chega com grandes promessas. Quem acompanha notícias sobre tecnologia já ouve falar deste sistema de comunicação móvel faz algum tempo, e agora o último passo foi dado para sua implementação efetiva no Brasil com citado leilão.
Sem querer aprofundar no assunto, para efeitos dessa nossa discussão aqui, vamos enfatizar apenas o aspecto multifuncional do 5G. Em relação às gerações anteriores esta é a principal diferença para mim e gostaria de chamar atenção para esse ponto. Nas gerações anteriores de comunicação móvel digital (2G, 3G e 4G) havia, a priori, um único perfil de usuário ou cenário de uso. Isso significa que todos os usuários acessavam o sistema da mesma forma, com as mesmas características de desempenho e mesmo sistema de comunicação, fosse usuário uma pessoa, um sensor de temperatura, um sistema de segurança veicular ou uma câmera. Já no 5G existem diferentes cenários de uso, com características e tecnologia de comunicação específico para cada cenário. São eles:
Fazendo uma analogia para entendermos sem entrar nos detalhes técnicos, vamos comparar os sistemas de comunicação móvel com restaurantes. O 3G é como se fosse uma pastelaria. O 4G, seria uma pizzaria fast food, isto é, uma melhoria em relação ao anterior, mas ainda servindo um mesmo prato a um mesmo perfil de cliente. O 5G, por sua vez, é como um estabelecimento que ao mesmo tempo é uma churrascaria rodízio, um restaurante de pratos veganos orgânicos e, também, uma casa de esfirras. São "pratos" de propostas muito distintas para clientes e necessidades muito distinta
Na nossa analogia, o cenário eMBB (enhanced Mobile Broadband) é a churrascaria: velocidade, pratos fartos, para fazer um banquete (de dados!), preços mais altos e usuários que estão ali pelo serviço e experiência, não para economizar.
Já o restaurante vegano orgânico é o cenário URLLC (Ultra Reliable Low Latency Communications): exige um cuidado maior com cozinha e fornecedores (o core da rede), especialmente considerando a churrascaria que roda junto; é uma solução para clientes exigentes e aplicações específicas (telemedicina, veículos autoguiados).
Por fim, a casa de esfirras é o cenário mMTC (massive Machine Type Communications), que é o que mais se aproxima da visão que temos de aplicação IoT: número grande de fregueses, que passam por ali o tempo e ficam pouco tempo, precisa ser barato e ter disponibilidade 24h, mas não é um banquete como o rodízio nem tão exigente nos requisitos quando o vegano-orgânico.s
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Redes IoT de longo alcance
Existem várias tecnologias de redes sem fio para uso em IoT. Elas podem ser divididas em em tecnologia de curto alcance (SR, short range) e longo alcance (LR, long range). O limiar entre as duas tecnologias não é bem definido e, dependendo de fatores do sistema (topologia, existência e tipos de obstáculos, antenas direcionais, potência de transmissão, etc), podem ser sobrepor, mas podemos adotar a distância de 1km para definir que abaixo disso estamos falando de SR e, acima, de LR.
Nosso interesse aqui está nas de longo alcance. Nesta classe, podemos citar o LoRaWAN e Sigfox, e as redes baseadas nos sistemas móveis celulares. Nesta ultima categoria, temos soluções que podemos usar em redes IoT em 2G, 3G, 4G e, agora, 5G. Em 2G/3G é possível a comunicação de dados de dispositivos, o que não é nenhuma novidade. No entanto, nesses sistemas o dispositivo IoT consome os mesmos recursos da rede que um smartphone, não existe customização para os requisitos IoT. Isto implica em planos mais caros e na limitação do número de dispositivos por rádio-base, além de maior consumo . No 5G, como já discutimos, existe um cenário mMTC focado nisso. No entanto, em 4G essa visão de aplicação diferenciada já existe em tecnologias que rodam "sobre" o 4G mas que tem customizações para o tipo de comunicação IoT, levando a menor consumo, maior número de dispositivos por rádio base, e até aumento de alcance, ao custo de redução na taxa de transmissão. Estas soluções são conhecidas como LTE-CatM e NB-IoT.
Estas duas tecnologias são voltadas para aplicações IoT, a grosso modo se diferenciando por LTE Cat-M sendo recomentado para aplicações com conectividade constante, mobilidade (roaming) e taxas mais altas (até 1Mbps) e NB-IoT recomendado para aplicações de envio de dados esporádicos, fixas e com taxas mais baixas (até 25kbps ou 250kbps dependendo do modo). Saiba mais sobre essas tecnologias aqui e aqui.
Como Cat-M e NB-IoT são parte da tecnologia 4G, já bastante difundida, já existe uma cobertura enorme dessas tecnologias. No momento que este texto é escrito (meados de novembro de 2021) o LTE Cat-M está presente em 3.024 municípios dos 5.568 que existem no Brasil, e cobre 87,2% da população do país. NB-IoT tem cobertura ainda maior, chegando a 3.852 municípios e 92,5% da população. Veja dados atualizados aqui.
Na nossa analogia culinária, é como se a pizzaria fast food (4G) passasse a fazer esfirras. São basicamente os mesmos ingredientes e processos, só customizados par uma demanda específica.
Conclusão
Agora que conseguimos comparar as possibilidades de tecnologia de redes móveis celulares para IoT, podemos imaginar que as operadoras vão preferir priorizar nas redes 5G as aplicações mais lucrativas, isto é, o cenários eMBB e URLL. Além disso, o formato do leilão acelera a cobertura 4G mais abrangente, inclusive para municípios que não dispunham deste serviço e rodovias federais. E o 4G já trás “de brinde” as tecnologias CAT-M e NB-IoT.
Além disso, o custo de implantação da 5G não é pequeno, e será pago pelos early adopters dessa rede. Não faz sentido trazer essa conta para as aplicações IoT se houver alternativas. Da mesma forma, o custo de dispositivos e módulos eletrônicos para comunicação ainda não atingiram a maior competitividade, pois ainda não tem escala suficiente. Por outro lado, as redes 4G já estão implantadas, as operadoras vão buscar fontes de receitas adicionais delas. E, por já ser uma tecnologia madura e com escala, as soluções de hardware tornam os produtos mais baratos.
O ponto aqui então é que, apesar do frisson sobre IoT sobre 5G, na prática, é muito mais inteligente e efetivo (e provavelmente mais barato) focar os projetos de IoT sobre o sistema 4G. Sua cobertura já é enorme, e o leilão garante que será ainda maior; e muito antes da cobertura 5G.
O 5G, me parece, será primeiro adotado para comunicação pessoal que demanda altas taxas (e as aplicações específicas que exigem URLL), e as pessoas gradativamente (na medida da expansão da rede e de suas condições financeiras) seus celulares e planos para o 5G. O sistema 4G vai, ao longo do tempo, tendo uma presença cada vez maior de comunicação entre máquinas. Quem sabe num futuro não tão distante, seja uma rede puramente IoT.
Assim, ao pensar em soluções IoT em redes móveis públicas, pense antes nas (pouco faladas) tecnologias MTC para 4G, o CAT-M e o NB-IoT. Pode ser uma solução melhor e já disponível hoje para utilização.
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José Domingos Adrino é fundador e CTO da Exsto Tecnologia. É investidor-anjo em algumas startups e professor de pós graduação no INATEL. Formado em engenharia de telecomunicações, tem especialização em gestão de projetos e telecomunicações , MBA em automação industrial. Suas áreas de interesse incluem inovação, empreendedorismo, educação em engenharia.
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Referências
Transformando vidas, através da Educação Profissional SENAI / MT - Barra do Bugres
3 aTOP demais 👏👏👏💪
Engenharia de Software | Sistemas de Informação | Engenharia Elétrica | Eletrônica
3 aNão poderia ser melhor explicado.