Como orientaria a mim mesma 10 anos atrás

Como orientaria a mim mesma 10 anos atrás

Todo ano, quando chegam esses meses de Enem, Fuvest e demais provas de acesso à universidade, eu fico repensando minha escolha de curso. No que diz respeito a minha formação pessoal e cidadã, não me arrependo de ter estudado Letras, pois o curso me fez melhor pessoa, com certeza. Só que, financeiramente falando, a história muda.

Este ano de 2017, em especial, tais pensamentos afloraram mais, já que faz 10 anos que terminei o ensino médio (com direito a encontro organizado pela turma neste dezembro, e do qual, infelizmente, não poderei participar). Esse evento marcante me fez pensar mais ainda nesse caminho quase obrigatoriamente imposto para uma parcela dos jovens que terminam o ensino médio no Brasil.

Dessa vez, meus pensamentos foram por um caminho diferente e fiquei imaginando a possibilidade de voltar 10 anos no tempo para encontrar com meu eu no final do ensino médio e me orientar sobre o que fazer.

Primeiramente, eu diria a mim mesma que a faculdade ajuda muito, e que almejá-la é importante, mas que não é a única opção para seguir a vida, e nem tem que ser tão imediata. Esse discurso estaria baseado em uma ótima experiência que tive quando participei do Estudar Vale a Pena, um projeto de voluntariado de uma das empresas em que estagiei.

Simplificando, fui com um grupo de voluntários visitar escolas públicas para justamente conversar com os jovens sobre a importância de continuar estudando para ter melhores oportunidades no futuro.

Esses jovens tiveram uma realidade acadêmica bem diferente da minha e, ao contrário de mim, muitos estavam no último ano da escola e nem faziam ideia do que era uma faculdade, de que existem (por enquanto) universidades públicas e gratuitas no Brasil, e tampouco entendiam para que poderia servir o Enem etc. Na época me surpreendi ao perceber isso, mas agora não me assombram nem um pouco depoimentos como este aqui que uma ex-colega de trabalho compartilhou.

Sei que estou parecendo contraditória, primeiro disse que a faculdade não é a única escolha, mas depois fico me vangloriando de ter ido orientar os jovens a continuarem os estudos. Pois bem, um dos pontos que mais me chamaram atenção nesse projeto voluntário é que ele não reduzia a trajetória pós ensino médio somente à faculdade.

Além de comentar sobre o ensino superior, o manual distribuído aos estudantes, e o discurso que os voluntários prepararam, faziam esses jovens enxergarem outras possibilidades: cursos técnicos, formações específicas, concursos públicos, carreira militar, arrumar um emprego, ser trabalhador autônomo etc.

Assim que eu diria a meu eu de 10 anos atrás: "não entre na faculdade em 2008", copiando a frase de um jovem estudante de Psicologia que teve a coragem de disseminar essa ideia pelo Facebook este final de ano.

Na verdade, eu entrei um ano depois, em 2009, e o que lamento é ter me focado apenas nesse objetivo e não ter me dado a chance de viver outras experiências. Só depois de já estar na universidade que consegui acreditar que poderia ter seguido um bom caminho, mesmo que tivesse deixado o nível superior para mais tarde.

Quem sabe eu não seria uma aeromoça, uma boa cabeleireira, fotógrafa, cozinheira, técnica de enfermagem, uma atleta ou estaria concursada e estável?

Ao meu eu de 2007 eu diria: "mais vale encontrar um bom trabalho, que te permita fazer uma boa faculdade depois, seja pública ou particular, do que apostar pelo caminho contrário". Eu diria a mim: "ao sair da escola, arrume um emprego formal, em empresa privada ou pública, ou faça um curso que te permita ser uma profissional liberal e trabalhar por conta própria".

Eu diria que o estudo constante é fundamental para se aprimorar em qualquer área, e tenho certeza que, de qualquer maneira, eu me daria conta disso ao longo da minha trajetória.

Por fim, eu diria ao meu eu que são muito bonitos e motivadores os discursos que ouvimos de que temos que escolher uma carreira que a gente gosta, que nos atraia, que assim iremos trabalhar felizes porque "quem faz o que gosta não sente o peso do trabalho".

Bom, é justamente por isso que eu diria a meu eu do final do ensino médio que "você precisa de tempo, e de vivências diferentes, para descobrir do que gosta". E o mais importante: "você precisa encarar o mundo do trabalho e descobrir as responsabilidades (e dificuldades) que a vida adulta impõe para determinar o que vai guiar suas decisões profissionais".

É claro que isso poderia enveredar para questões válidas, do tipo: "mas arrumar trabalho só com ensino médio é cada vez mais difícil", ou "mas concurso público é mais concorrido que vestibular", e até para crenças questionáveis, do tipo "mas é a faculdade que garante bons empregos".

Pode ser que sim, pode ser que não. No fim das contas, acredito que, com uma orientação franca, àquela época, e sem a pressão para escolher um caminho pré-determinado, eu teria conseguido ponderar melhor todos os fatores que verdadeiramente deveriam ter influenciado minha trajetória após terminar a escola.

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos