Como resistir ao Canto da Sereia?

No livro Odisseia, escrito por Homero há 3 mil anos, podemos encontrar uma interessante analogia para com a Bolsa. Ulisses, navegando pelo mar próximo a ilha de Capri, uma ilha rochosa com numerosas sereias, detentoras do poder de iludir e manipular os homens, levando-os a morte, usou cera para tapar os ouvidos de seus homens, e para não desviar seu barco, solicita ser amarrado no mastro do barco durante a passagem pela ilha.

Logo, se observa o quão interessante é a atitude de Ulisses, sabendo do risco de morte na qual passaria, ele opta por ser amarrado para que não fosse influenciado pelo canto das sereias e direcionasse o barco rumo as pedras. Nota-se uma incrível analogia com o mercado de renda variável, especialmente, quando se encontra em momentos de estresse.

Os investidores, tendem a vender suas ações quando as mesmas despencam. Do ponto de vista lógico, se você possui uma visão de longo prazo, e tem a convicção de que os preços oscilam devido aos impactos dos ruídos(notícias) de curto prazo, não há nenhuma necessidade de venda. Desse modo, em tal situação, a atitude apropriada seria de compra, uma vez que, um ruído que não desestabiliza os fundamentos da empresa, gera uma maior oportunidade de aquisição das ações, em decorrência de preços mais baixos.

Por exemplo, se você faz compras recorrentes de R$100,00, você consegue comprar 10 ações que custam R$10,00 cada, se o papel cai 50%, os mesmos R$100,00 compram agora 20 ações. No longo prazo, esse hábito traz maior acumulação e eleva a geração de renda, seja por dividendos pagos por ação, ou por valorização da ação.

Infelizmente, não é isso que o nosso instinto nos induz a fazer. Carregamos milhares de anos de evolução, instintos gerados através da luta, reprodução e sobrevivência. A forma como tomamos decisões não deve ser aqui desconsiderada, 99% de nossas escolhas são tomadas através do que os nossos olhos veem, desde virar a esquina ao dirigir, ao comprar um produto ou se casar.

Visto isso, não é surpresa que um investidor, presenciando os preços despencarem, venda suas ações e realize prejuízos. Olhar as ações caindo 5%, 10% ou até mesmo 50%, causa medo, angústia e urgência em reagir. Quedas excessivas cegam os investidores, nesse momento, não mais existe o longo prazo, só há aquele instante; os preços derretendo diante seus olhos, faz seu instinto ser rapidamente acionado, causando uma necessidade de resposta e um abrupto impulso o faz agir. Vender as ações é uma atitude geradora de perdas no longo prazo, ao invés de acumular ações o investidor acumula prejuízos, simplesmente, porque se atentou e deixou-se influenciar pelo canto das sereias.

O fundo segue uma estratégia de longo prazo, sabemos o quanto os ruídos causam volatilidade nos preços, no entanto, tal volatilidade não é considerada importante, acreditamos que o valor da empresa deve seguir o lucro, e no longo prazo, o preço e o lucro se convergem, dando origem ao valor justo da empresa.

Assim, investimos em empresas nas quais o seu preço encontra-se depreciado em relação ao seu valor justo, seja por distorções do mercado ou por ruídos de curto prazo. Ao nos tornarmos sócios de empresas com valor abaixo de seu preço justo, garantimos margem de segurança para eventuais momentos de estresse, e caso aconteça, aproveitamos para aumentar posição, caso tenhamos caixa, na condição de não o termos, apenas colocamos ceras nos ouvidos, nos amarramos e passamos por esses momentos sem que os ruídos nos influenciem.

Dispor da sabedoria de Ulisses no mercado, agindo contra o impulso, talvez, seja a grande dificuldade como investidor, no entanto, é exatamente o gerador do sucesso na renda variável.

Não se faz necessário desconsiderar as externalidades, mas sim, usá-las à nosso favor. Se beneficiar com os momentos de volatilidade, comprando mais ações, ou simplesmente se privar de agir meramente por instinto, é o que ocasionará riqueza no longo prazo. 

Escrito por: Carlos Corro e Vitória Auinny