COMO A VISITA A UM MUSEU PODE MUDAR A LEITURA DO MUNDO
Tenho muitas horas de voo.
Posso abrir uma escola
para pássaros jovens.
Considero minha trajetória de formação e atuação profissional como um caminho de fio d’água na areia. Aleatória. À medida que portas foram se abrindo fui entrando e dançando conforme a música. Isso foi muito bom para meu crescimento intelectual, péssimo para formação de expertise em uma área de conhecimento.
Depois de anos trabalhando como Professor de Física e com um Mestrado em Física de Materiais, fui para a França, (uma porta que se abriu) e entrei para um grupo de pesquisas em História da Ciência, na Université de Paris X, em Orsay. Como um trabalho de curso eu visitei o Museu de Artes e Ofícios de Paris e fui convidado a trabalhar na avaliação de uma exposição intitulada “350 ANOS DE INFORMÁTICA”. Essa foi minha entrada oficial ao mundo da divulgação científica, através de um convite que me fez entender que a informática é muito mais velha que pode parecer.
A primeira coisa a compreender para uma leitura do mundo da ciência e da tecnologia é que, assim como acontece com os seres vivos, a tal “evolução” ocorre por “mutações” várias ou, mais precisamente, por mudanças de paradigmas. Uma nova tecnologia nem sempre é um avanço de uma velha tecnologia. Esse é um ponto importante para a percepção, também, da história da informática. Porque ela é a junção de várias técnicas diferentes como riachos de nascentes diversas que se juntam para formar o rio.
No caso da informática essas fontes são três: a invenção das calculadoras mecânicas; a programação; o uso do cálculo binário. Velhas fontes que se fundiram em 1948, ano do primeiro computador. É interessante anotar que os primeiros inventores de máquinas calculadoras foram filósofos, como Pascal e Leibniz. O salto tecnológico realizado para essa invenção era a memória da retenção das dezenas, uma verdadeira evolução do pensamento humano, não apenas uma evolução técnica. A calculadora de Blaise Pascal (sim, aquele mesmo da lei das pressões dos líquidos variando com a profundidade) faz essa retenção, e memória, das dezenas com um sistema de contrapesos na primeira calculadora mecânica construída em 1642. Esse é o marco inicial dessa nascente da informática. Ainda existem dois exemplares de sua máquina (conhecidas como Pascalina) no Museu de Artes e Ofícios de Paris.
A segunda nascente é a programação. A programação data do século XVII com os aparelhos de tecelagem de Jackard e Vaucanson que usavam tiras perfuradas para comandar sequências de operações. Um desses teares ainda está em pleno funcionamento no MAO de Paris. Em 1834, o projeto de máquina de calcular de Charles Babbage já combinava o cálculo com a programação ao propor as tiras perfuradas como indicação de operações a realizar. Vale lembrar que essa programação foi proposta justamente por Ada Lovelace, a matemática e poeta filha do poeta Lord Byron. A primeira calculadora bem sucedida na combinação de cálculo e programação foi construída pelo engenheiro Hermann Hollerith. Esse nome quer dizer alguma coisa, leitores? A empresa que ele fundou para produzir e vender sua calculadora, usada com sucesso no censo americano de 1890, se chama hoje IBM.
A história do cálculo binário também é bem antiga. O filósofo inglês Francis Bacon, no século XVII, sugeriu uma linguagem codificada, como mensagem de comandos de guerra, usando apenas as letras “a” e “b”. Segundo ele, essa codificação foi trazida por Marco Polo, da China. Também no século XVII, o filósofo alemão Leibniz usou a notação binária na matemática. Seu questionamento filosófico era se a automatização do pensamento poderia subtraí-lo da subjetividade humana.
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As calculadoras construídas no final do século XIX e início do século XX já combinavam esses três princípios da história do pensamento mecânico que contribuíram para o nascimento do computador: programação, memória e tratamento da informação pelo cálculo binário. O grande problema era a combinação de mecânica com eletrotécnica através de relés.
As novas “mutações” acontecidas e que culminaram na construção do primeiro computador, o ENIAC, em 1948 eram mais que simplesmente técnicas. Seus construtores tencionavam desenvolver uma máquina de calcular e tratar a informação que funcionasse como o cérebro humano. As inovações inerentes eram a presença de uma unidade de comando interno e a representação de problemas a resolver sob a forma de algoritmos memorizados. E contaram com uma inovação tecnológica de extrema importância na história da eletrônica: as válvulas.
O que vem em seguida é bem mais conhecido na literatura de história e divulgação da ciência e tecnologia. Aquele computador de 1948, que ocupava uma sala enorme, hoje cabe em nossos bolsos. É onde escrevo minhas histórias. E ele usa ainda os mesmos princípios: a programação, a memória e o cálculo binário.
Mecanhumanimal,
homem animal mecânico
em crise de identidade
vomita parafusos de rosca direita.