COMPLIANCE EM NÚMEROS: NOVAS TENDÊNCIAS

Novas Tendências. Compliance tem sido a palavra de ordem nos debates recentes sobre governança corporativa. Garantir a higidez e a probidade da gestão empresarial, combater a corrupção (no setor público e no privado) são axiomas que vêm pautando o cotidiano do mundo empresarial. Mas, como toda novidade, trabalhar com compliance, instaurá-lo em sua empresa e investir para ampliar sua estrutura são questões delicadas. É importante saber para onde o compliance está indo, quais são as tendências mundiais, o que é verdadeiramente essencial para se proteger da corrupção, das desconformidades e dos desvios das boas práticas.

Setor de compliance: custo ou benefício? O termo compliance já deixou há muito de ser um desconhecido do mundo empresarial e hoje é lugar-comum em discussões sobre probidade, governança corporativa e integridade na gestão das atividades empresariais. Entretanto, investir em uma estrutura interna de compliance, capacitar os funcionários e gestores para agirem de acordo com as normas internas da empresa gera custos que o empresariado geralmente não quer internalizar ou, quando muito, não são tratados com a naturalidade dos gastos tributários ou de outras despesas necessárias e oriundas da burocracia brasileira. É dizer: as empresas, grandes ou pequenas, têm investido pouco no compliance, indicando que ele ainda é visto mais como custo que como benefício. O que estamos vivenciando hoje com as práticas de compliance é um verdadeiro ponto de inflexão na ordem econômica – principalmente no Brasil –, que apenas recentemente passou a se preocupar com a corrupção no setor privado. Investigações como a que os Estados Unidos fizeram durante o escândalo de corrupção na FIFA ou outros de repercussão mundial certamente não ocorreriam em território brasileiro, no qual a corrupção é geralmente associada a um agente público (em concurso ou não com um particular). Assim, é natural que haja resistência a um gasto considerável com práticas de compliance, que até então pouca importância tinham no dia-a-dia de boa parte das empresas. Mas fato é que, paulatinamente, os empresários vêm percebendo que, na ponta, sai mais barato ter um investimento sério e constante no compliance do que simplesmente ignorá-lo. Afinal, não é de hoje que a existência de auditorias e mecanismos de compliance tem auxiliado a prevenção e a punição de práticas de corrupção pública ou privada – e a comunidade empresarial já percebeu que programas de compliance previnem a ocorrência de fraudes internas. O que se observa, então, é que as empresas podem até relutar a investir em programas e mecanismos de compliance, mas a realidade as compele a isso pois os orçamentos destinados ao compliance continuam aumentando, bem como os recursos postos à disposição (inclusive recursos humanos). É por isso que, ainda de maneira tímida, vem-se observando uma tendência contínua para cargos e setores de compliance com mais recursos e estrutura. Mais e mais, o orçamento destinado ao compliance aumentará, porque, no final das contas, garantir boas práticas e prevenir fraudes ou corrupção traz mais bônus do que ônus.

Canais de denúncia e a importância do “dedo-duro”. Já não é de hoje que o ordenamento jurídico brasileiro, ansioso por fiscalizar e controlar de maneira mais efetiva a prática de atos ímprobos (tanto na esfera pública quanto privada), vem dando crescente importância ao auxílio dos próprios agentes envolvidos nos casos investigados. Assim, por exemplo, na atuação da Administração Pública já é frequente a celebração de acordos com particulares. Abre-se mão da aplicação de uma pena, ao passo que o agente privado abre mão de continuar com um comportamento nocivo, ou passa a observar certas orientações do Poder Público. Os Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) do Ministério Público costumam ser o exemplo por excelência desse quadro, mas outros tantos entes do Estado – como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) – também celebram acordos semelhantes. Mais recentemente, o Brasil passou a conviver com uma outra modalidade de acordo entre Estado e particular, com a relevância que foi atribuída às colaborações premiadas no âmbito da Operação Lava-Jato. O Estado abre mão do ius puniendi (ainda que parcialmente), ao passo que o particular contribui com as investigações criminais e, quem sabe, auxilia na recomposição do erário e da regular performance do mercado.

Impunidade? Fato é que, nesses casos, para a colaboração ser interessante também para o particular, ela precisa trazer alguma vantagem sensível. Essa vantagem deve ser de tal forma vantajosa ao criminoso/réu/investigado que o incentive a colaborar de fato e a quebrar as amarras sociais e do crime que o prendem à negativa pecha de ‘dedo duro’. Tanto a utilidade da informação do colaborador quanto a sua conduta pregressa – como o uso e estímulo de práticas de compliance em seu ambiente de trabalho – podem servir de substrato à celebração de um acordo com o Poder Público, iniciado ou não por uma denúncia espontânea. É necessário que, na atividade negocial, haja um mínimo de leniência por parte do ente público sancionador, inclusive para que o particular se sinta atraído pela possibilidade de celebrar um compromisso como o TAC ou a colaboração premiada. Isso passa pela disposição do ente público a abrir mão de parcela ou mesmo da integralidade da sanção que seria imposta, se houver uma contrapartida do sujeito potencialmente sancionado. Assim, novamente com o exemplo da colaboração premiada, é necessário que haja uma correspondência perceptível entre as vantagens oferecidas pelo Estado e as informações prestadas pelo colaborador – sob pena de, simplesmente, não se chegar a um consenso e não haver colaboração alguma. Nesse cenário, a existência de práticas de compliance por parte do criminoso/infrator pode servir como um estímulo ao Estado, que ficará tão mais disposto a transigir com o particular quanto mais evidentes forem as preocupações que este tivera para evitar a prática de atos de corrupção.

 Canais de denúncia. Mas a realidade do compliance vem apontando um fator interessante, que é a relevância dos canais de denúncia (whistleblowers), inclusive anônimas! Entre 2014 e 2016, houve um incremento de 45,7% na taxa média de denúncias registradas pelo ICTS – empresa brasileira de consultoria, auditoria e serviços em gestão de riscos. Entre 2016 e 2017, os canais de denúncia foram responsáveis pela detecção de 40% das fraudes ao redor do mundo. E, em que pese algumas denúncias realmente não possuírem contexto ou elementos suficientes para apuração (35,8%), mais da metade (55,2%) das denúncias qualificadas para apuração são confirmadas! A disponibilização de canais de denúncia, embora não traga nenhuma vantagem aparente ao denunciante, tem sido um recurso essencial no combate à corrupção privada - ao menos quando ela garante o anonimato total ao denunciante. Seja por funcionários da empresa ou por terceiros, é sempre possível que o início de uma investigação profícua seja com o recebimento de denúncias – e é nisso que se deve apostar também no futuro próximo: hotlines, ouvidorias, canais de denúncias anônimas e outras ferramentas afins.

E o Brasil, a quantas anda? Nesse contexto global do compliance e da luta anticorrupção, é sempre interessante indagar em que pé está o cenário brasileiro. E os resultados são animadores. Em 2014, 27% das empresas brasileiras foram vítimas de algum tipo de crime econômico – a maioria (44%) na área de compras. Dois anos depois, esse número caiu para 12%, muito abaixo da média dos BRICS (39%) e mesmo da média mundial (36%). Apesar de apresentarmos alguns resultados melhores que a média mundial, continuamos com um longo caminho para percorrer – e melhorar ainda mais esses números. O Brasil, por exemplo, tem uma legislação anticorrupção bastante adequada aos melhores padrões internacionais, mas tem um déficit ao aplicar essas leis com eficiência e celeridade. E como nem tudo são flores, o Brasil caiu 17 posições no Índice de Percepção da Corrupção 2017. Na perspectiva interna das empresas, o problema reside na falta de preparo e prevenção. Ainda são poucas as empresas que passam por inspeções regulatórias (dentre as instituições financeiras, 59%), ou que realizam avaliação de riscos de lavagem de dinheiro (menos de 40%). O mercado brasileiro ainda está se desenvolvendo, tanto na cultura das empresas (públicas e privadas) quanto das pessoas. De um lado, certo é que grande parte de suas falhas é típica também no resto do mundo, como o mau uso dos recursos pelo setor de compliance e a pouca atenção recebida dos cargos da alta direção. Mas, de outro, o compliance no Brasil ainda recebe pouca atenção da imprensa, da sociedade, do Poder Público e mesmo do próprio empresariado. Em paralelo à crescente preocupação com o compliance, cresce também a ameaça das fraudes e dos crimes econômicos – e por isso a necessidade de um desenvolvimento positivo na cultura do mercado. E esse desenvolvimento, já para os próximos anos, demandará não só uma postura diferenciada com capacitação em massa dos profissionais, como mudanças sensíveis na cultura empresarial brasileira e do profissional que nesse ambiente quiser atuar.

JOÃO PAULO HECKER DA SILVA. Professor e Coordenador dos Cursos de LLM e Pós-Graduação em Direito do IBMEC-SP. Doutor e Mestre em Direito Processual pela USP. Secretário da Presidência do Instituto Brasileiro de Direito Processual-IBDP e Membro fundador do Centro de Estudos Avançados de Processo – CEAPRO. Advogado em São Paulo – SP. Sócio de Lucon Advogados (jph@lucon.adv.br).

Lino Fernandes

Advogado e Consultor Empresarial

5 a

Parabéns ! Excelente texto !!! As empresas , o mercado, estão se conscientizando da necessidade e da importância do Compliance , não como custo mas como investimento para aprimoramento da governança .

Thais Reis

Gestão Educacional | Conformidade Regulatória do Ensino Superior | Doutorado em Educação

5 a

Excelente!!!

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