a crueldade dos impostos na desigualdade social
É uma simples questão de bom senso – somente a riqueza deveria ser tributada, jamais a pobreza. Esse princípio é de uma lógica indiscutível.
Por isso, os impostos deveriam incidir apenas em situações que conotassem ganhos de renda ou a posse de bens patrimoniais acima de um patamar mínimo suficiente para o desenvolvimento das pessoas e suas diversas atividades econômicas, sociais e culturais. A Constituição Federal e a justiça fiscal proíbem o Estado de exigir do cidadão tributo que tenha por fato gerador uma perda, isto é, um ganho negativo. Também não se permite a imposição fiscal sobre o patrimônio mínimo suficiente para garantir a dignidade da pessoa humana.
Todavia, não é isso que temos observado em nossa sociedade atual, apesar do preceito constitucional e da orientação moral de justiça. De fato, o Estado brasileiro, em seu ímpeto arrecadador, tem tributado até mesmo os gastos incorridos pelas empresas com o pagamento dos seus impostos. Também não escapam da volúpia fiscal o mínimo necessário à sobrevivência digna das pessoas, como a alimentação, o vestuário, a saúde, a educação e a moradia básicas.
O vínculo entre algum tipo de riqueza material e tributação traz uma idéia de justiça em termos econômicos. Estritamente sob esse enfoque, as leis fiscais vêm elegendo como gerador da obrigação tributária fatos e situações que são manifestações objetivas de riqueza do contribuinte, como ele possuir uma casa, comprar coisas, vender serviços, etc. Por esse ponto de vista, é irrelevante a real situação econômica do contribuinte, pois uma vez que ocorre o fato presumido de riqueza, a lei supõe que o contribuinte possui capacidade econômica suficiente para ele pagar a obrigação fiscal.
Mas quem paga o imposto é a pessoa, não sua casa, suas compras, o serviço vendido, etc. É a real situação sócio-econômica da pessoa que deveria inspirar o legislador a escolher essa ou aquela hipótese da vida para sujeitá-la à tributação. Por isso, revela-se insuficiente o entendimento de que a capacidade contributiva deve ser vista apenas pelo seu lado material, a simples suposição de riqueza sem atentar para a real situação da pessoa contribuinte.
Evidente que é absurdo exigir de uma pequena empresa familiar, por exemplo, com alguns poucos funcionários, as mesmas obrigações fiscais que são impostas a uma grande empresa transnacional, com incomparável capacidade administrativa, econômica e financeira. Mas, é exatamente isso que vem acontecendo.
A noção de justiça deveria ser o guia do legislador. A referência à justiça não diz respeito apenas à manifestação de suposta riqueza, mas desta no contexto social da realidade da vida, que resulta no parâmetro “igualdade”. Nesse sentido, a igualdade guarda correlação com a real capacidade econômica que cada um tem para suportar o ônus fiscal.
Para satisfação dessa noção de justiça, não basta a igualdade simplesmente perante a aplicação da lei. Evidente, a igualdade na aplicação da lei é uma condição que deve limitar a atuação da Administração Pública, isto é, os atos do Poder Executivo. O ato do Fisco será inválido se ultrapassar essa fronteira. Todavia, aqui estamos nos referindo aos valores constitucionais e éticos orientadores da atividade do legislador, ou seja, dos vereadores, dos deputados e dos senadores.
A realidade das diferenças entre a capacidade econômica dos diversos grupos de pessoas físicas e jurídicas reclama que o legislador, ao elaborar leis que prescrevam exigências fiscais, tenha em conta os reais efeitos da tributação nas diversas classes e atividades de cidadãos e empresas que integram a sociedade. Por isso, aqueles que estão em posições diferentes devem ser tratados de maneira diferente, procurando-se assim, harmonia e justiça na distribuição do peso dos encargos necessários para a manutenção do Estado.
Todos os cidadãos deveriam concorrer com igual sacrifício para com as despesas públicas. Todavia, não se pode esquecer que existem desigualdades excepcionais que requerem do legislador a prescrição de benefícios legais, pelo alívio de obrigações fiscais ou mesmo por meio da concessão de subsídios e isenções.
A idéia tão só da proporcionalidade, isto é, a alíquota, fixa no cálculo dos impostos devidos não é capaz o suficiente para a efetivação da igualdade sob o aspecto social. Por isso, somente pode ser tributada a renda que excede o mínimo necessário para o contribuinte, seja ele pessoa física ou empresa. Isso porque é impossível o desenvolvimento e o progresso, que é um direito inerente à existência humana, abaixo de um patamar de recursos essenciais.
A igualdade, a partir dessa noção de justiça, tem o sentido, portanto, de uma melhor distribuição econômica, não somente da carga tributária, mas, principalmente de uma melhor distribuição das riquezas e das oportunidades de crescimento. Para não apenas com a manutenção de uma vida digna para todos, mas com a real possibilidade da efetivação das capacidades e aspirações de desenvolvimento e progresso de cada um de nós brasileiros e brasileiras.
Faz-se necessária, então, a busca não só da igualdade formal perante a lei, mas também, principalmente, da igualdade de acesso às oportunidades da vida, isto é, da igualdade social econômica e cultural, respeitando-se a individualidade de cada um. Vale dizer, da possibilidade da igualdade efetiva dos indivíduos.
Evoluímos, então, da igualdade restritamente à aplicação da lei, para a igualdade a partir da aplicação da lei.
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Humberto Gouveia.