Cuidado com as armadilhas do consumo por impulso neste Natal!
Artigo publicado pela BM&C News
Em muitas lojas de departamento na Europa, as escadas rolantes estão posicionadas de forma linear, sem forçar as pessoas a cruzarem o andar para subir ou descer. Já nos Estados Unidos e em boa parte da América Latina, é comum que as escadas sejam dispostas alternadamente, obrigando o consumidor a atravessar os andares, passando por vitrines e exposições de produtos. Essa diferença no layout das lojas não é apenas arquitetônica. Ela é uma estratégia intencional, baseada em princípios de “arquitetura de escolha” e no estudo do comportamento de consumo.
A disposição alternada das escadas em lojas dos EUA e da América Latina reflete um esforço deliberado para aumentar o tempo de exposição do consumidor aos produtos. Essa estratégia é baseada em estudos comportamentais que mostram que, quanto mais um cliente é exposto a mercadorias, maior a probabilidade de realizar compras por impulso. Estudos indicam que cerca de 20% a 50% das compras feitas em shoppings são por impulso, ou seja, não planejadas. O objetivo, portanto, é maximizar as oportunidades de contato visual com os produtos, estimulando decisões rápidas e emocionais.
Por outro lado, o design linear encontrado em muitas lojas europeias parece favorecer um fluxo de movimento mais prático. Esse layout pode estar alinhado ao comportamento de consumo europeu, que, segundo pesquisas, tende a ser mais planejado. Dados apontam que os consumidores europeus, em média, gastam mais tempo pesquisando preços e avaliando suas compras antes de realizá-las. Isso não significa que os europeus sejam imunes às compras por impulso, mas que há uma diferença cultural importante no modo como o consumo é abordado.
A diferença na arquitetura das lojas pode refletir uma abordagem cultural mais ampla em relação ao consumo e ao planejamento financeiro. Nos Estados Unidos, por exemplo, o consumo é frequentemente associado a um estilo de vida que valoriza a gratificação instantânea. Dados do Federal Reserve mostram que o endividamento das famílias americanas em cartões de crédito ultrapassa US$ 1 trilhão, evidenciando a prevalência do consumo financiado e, muitas vezes, por impulso.
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Na Europa, em contraste, há uma tendência maior ao planejamento. Os europeus têm uma taxa de poupança média superior à dos americanos e latino-americanos. Essa diferença pode estar ligada a fatores históricos como o impacto econômico das guerras no continente, que levou gerações a desenvolverem maior aversão ao risco financeiro. Assim, enquanto os consumidores americanos e latino-americanos são incentivados a comprar no momento, os europeus, em geral, demonstram maior resistência ao consumo impulsivo.
O consumo por impulso está ligado aos nossos vieses comportamentais. Estudos em psicologia econômica como os de Daniel Kahneman e Richard Thaler, mostram que tendemos a valorizar o prazer imediato, mesmo quando isso entra em conflito com nossos objetivos de longo prazo. A disposição das escadas em lojas de alguns países explora exatamente esse ponto. Ao atravessar um andar cheio de vitrines, somos estimulados por gatilhos visuais e emocionais que podem levar a decisões rápidas e não planejadas.
No entanto, isso não significa que o planejamento seja uma característica exclusiva de uma cultura ou região. Comportamentos podem ser ensinados e moldados. Ferramentas como listas de compras, definição de orçamentos e o hábito de comparar preços ajudam a reduzir o impacto dos estímulos do ambiente. Além disso, práticas como o “delay discounting” — ou seja, adiar a compra para avaliar se ela realmente é necessária — podem ser ensinadas como estratégias para resistir às tentações do consumo.
A disposição das escadas em lojas é um exemplo claro de como o ambiente físico pode influenciar nosso comportamento. Na América Latina e nos Estados Unidos, onde o consumo não planejado é mais frequente, o design das lojas reflete essa realidade, funcionando como um catalisador para esse tipo de comportamento. Na Europa, o design linear e mais funcional pode ser tanto um reflexo quanto um reforço de um comportamento de consumo mais planejado.
No entanto, independentemente do país ou da cultura, a educação financeira desempenha um papel essencial. Ao entender os mecanismos que nos levam a consumir por impulso e ao desenvolver hábitos de planejamento, podemos reduzir o impacto dessas influências externas. Assim como um layout pode nos levar a comprar mais, ele também pode nos ensinar a ser mais conscientes e seletivos em nossas escolhas. Afinal, o consumo não precisa ser uma armadilha. Ele pode ser uma decisão planejada e alinhada aos nossos objetivos.
Carlos Castro é planejador financeiro pessoal, CEO e sócio fundador da plataforma de saúde financeira SuperRico.