O dilema entre ética e moral

O dilema entre ética e moral


Durante as Olimpíadas no Brasil, em 2016, tive o privilégio de trabalhar como voluntário no estádio de rugby, em Deodoro. Todos os dias eu atravessava a cidade, saindo de Copacabana, pegando o trem na Central do Brasil até chegar ao meu posto. Era um trajeto longo, mas repleto de interações, já que meu uniforme me tornava um ponto de referência para orientar turistas, especialmente estrangeiros que vinham prestigiar o rugby feminino e masculino — esporte dominado por britânicos, sul-africanos, neozelandeses e americanos.


No estádio, desempenhei funções diversas. Desde organizar filas, acalmar os ânimos na entrada, orientar o público, limpar o estádio, apaziguar conflitos, até auxiliar na tribuna de honra, onde tive a oportunidade de recepcionar a princesa Anne, que representava a realeza britânica. Ela, assim como todos os jogadores e jogadoras de rugby internacionais que tinham autorização para acessar a tribuna de honra, respeitava as regras com rigor. Mesmo sendo a princesa, fez questão de apresentar seu crachá antes de entrar. Esse respeito pelas normas contrastou com a postura do time de rugby masculino brasileiro, que entrou sem autorização, ignorando as exigências e me tratando com desdém, como uma “porta”.


No entanto, o momento mais marcante dessa jornada foi quando as regras e os valores éticos entraram em choque direto. Após a vitória do time canadense feminino de rugby, que conquistou a medalha de bronze, meu posto naquele dia era na entrada do vestiário das jogadoras. Foi então que um homem, visivelmente emocionado, se aproximou e começou a compartilhar sua história. Ele era o pai de uma das jogadoras. Contou como a filha havia se preparado por anos para aquele momento, enfrentando desafios e se sacrificando tanto para conquistar aquela medalha. Ele estava ali para parabenizá-la, abençoá-la e compartilhar aquele instante único.


Mas havia uma regra clara: sem crachá, ele não podia entrar. Por mais emocionado que estivesse, as normas eram rígidas. A filha, ainda à distância, também chorava ao vê-lo ali, mas as regras os separavam. Foi nesse momento que tomei uma decisão. Olhei para o pai e disse: "Entre e abrace sua filha."


Sim, eu transgredi a regra. Assumi o risco de uma possível advertência, porque naquele momento, o valor humano superou a norma. O pai entrou, abraçou a filha, e ambos choraram juntos. Depois de alguns minutos, ele saiu, me agradecendo profundamente. Aquele breve instante foi, para eles, o ápice de anos de esforço, sacrifício e amor. E para mim, foi uma lição sobre os limites da moral e da ética.


A moral define as normas e os padrões gerais que servem para orientar o comportamento esperado, como as regras de acesso ao vestiário ou as exigências de crachá para organização e segurança.


A ética, por outro lado, entra em cena quando há uma situação que exige julgamento sobre o que é mais correto em um dilema, considerando valores mais profundos e universais como a compaixão e a empatia.


A história desse pai e de sua filha me fez refletir: até que ponto as regras devem prevalecer sobre valores mais profundos? Até que ponto a ética pode justificar uma transgressão?


O contraste entre o respeito rigoroso às normas, exemplificado pela princesa Anne e pelas jogadoras estrangeiras, e minha própria decisão de abrir uma exceção, me igualando ao comportamento dos jogadores brasileiros de rugby, revela a complexidade desse tema. Há momentos em que seguir as regras à risca pode parecer desumano, enquanto desrespeitá-las pode ser um ato de compaixão e empatia.


Minha experiência nas Olimpíadas me ensinou que, embora as regras sejam importantes, os valores humanos e éticos muitas vezes transcendem a lógica das normas. Enquanto a moral nos dá diretrizes claras baseadas em tradições, a ética exige uma reflexão mais profunda e adaptada às circunstâncias. Esses dilemas são inevitáveis, mas também são oportunidades para crescer em sabedoria e humanidade.


O dilema entre ética e moral está em encontrar o equilíbrio: quando seguir as regras fortalece o coletivo, e quando desafiá-las preserva o que é mais valioso na nossa humanidade.


Sou planejador financeiro pessoal, CEO e sócio fundador da plataforma de saúde financeira SuperRico.

Edilene Rodrigues, CEA

Planejadora Financeira Comportamental / Consultoria em Investimentos / Planejamento Financeiro de Negócios

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Excelente reflexão! Obrigada.

Parabéns! Excelente reflexão. Aqui na Austrália não é diferente. Me admirei como os estrangeiros são muito mais educados que nós. Como exemplo, as crianças agradecem o motorista do ônibus cada vez que entram e saem do ônibus. No entanto, já me deparei com situações em que a regra foi seguida de tal forma que faltou sensibilidade com o ser humano. De fato, difícil encontrar um equilibrio.

Antonio Carlos Antunes da Silva, CFP®

Linkedin Top Voice | Contador | Consultor de Investimentos | Especialista em Inteligência Financeira

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Parabéns pela coragem e sensibilidade ao agir. Esse tipo de atitude nos lembra que, o que é mais valioso não está fora, mas dentro de nós.

Decisão acertada. Quem decide corre riscos. Aproveitando, fica uma pergunta aqui. É comum, amigos ou colegas pedirem para votar em seus trabalhos que concorrem a prêmios ou reconhecimentos de melhores em alguma categoria. A primeira e instintiva reação de quem recebe o pedido é votar. Só que, ao fazer isto, a pessoa infringiu a ética. Como dizer que um determinado trabalho é melhor que outros sem ler o trabalho e ler os outros também? E se o trabalho do amigo ou colega não for o melhor? Claro, se não votar, pode ser que aquele tenha sido o melhor e os amigos e colegas de outro candidato escolherão pela amizade e o "melhor" não será reconhecido. Assim caminha a humanidade?

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