Cuidados paliativos: O que fazer quando o paciente não está pronto para dizer adeus?
Os cuidados paliativos representam uma abordagem humanista de tratar os pacientes terminais
Por Felipe Teles*
Inês chegou ao consultório com seus olhos brilhantes e esperançosos. Nos poucos minutos em que conversamos, e até durante a anamnese, ela revelou detalhes e segredos de sua vida que poderiam deixar muita gente abalada. Mas ela estava ali não apenas para receber um diagnóstico e ser atendida pelo “doutor”. Inês de 32 anos queria conversar, revelar o sentia pelas escolhas que havia tomado e o quanto estava disposta para se manter ali, viva.
Tivemos poucos meses de contato. Dias atrás recebi a notícia de sua morte. Contudo, durante aquele tempo, durante os momentos em que ela estava lúcida, pude compreender a dolorosa transformação a qual estava passando. Seus familiares compartilhavam daquele sentimento. Por vezes o marido de Inês me procurava no consultório para saber se “ela teria chances”. Só que quando nós médicos indicamos o cuidado paliativo para um paciente oncológico, queremos proporcionar conforto e algumas vezes dignidade para morte.
O trabalho não para por ai, porém. Temos que cuidar também daqueles que não tiveram a oportunidade de aceitar que a pessoa amada está chegando ao fim de sua jornada.
O cuidado paliativo é uma abordagem humanista da medicina. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), são ações que “consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, por meio de identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais”.
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Hipócrates considerado por muitos uma das figuras mais importantes da história da Medicina, frequentemente considerado "pai da medicina", nos deixa um ensinamento que serviria para definir a relação existe entre a nossa limitação de curar e a necessidade de mitigar o sofrimento: “Curar quando possível; aliviar quando necessário; consolar sempre”
O que isso significa na prática da medicina humanizada? A real interpretação do momento quando um paciente ou familiar chama o “doutor”. É nesse momento em que a dor extrapola os limites da pessoa e o profissional muitas vezes é visto como aquele que pode curar - mesmo sabendo que não é mais possível. Portanto, para um paciente em cuidado paliativo é importante se despir ainda mais do jaleco e estetoscópio. É preciso ouvir com atenção e consternação. Compartilhar de forma sincera os próprios sentimentos e, acima de tudo, ajudar os familiares a compreenderem que tudo foi feito contra a doença e agora, com a assistência paliativa, é necessário fornecer conforto e bem-estar para os próximos dias, meses e quem sabe anos de vida.
Inês não estava preparada para dizer adeus. Mas ao seu redor as pessoas estavam. E fizemos de tudo para que sua partida acontecesse sem dor e ao lado de quem ela mais clamava nos momentos de dor: sua família.
Como aprendizado ela nos deixou suas histórias, tristezas e alegrias. E o melhor resultado da assistência é justamente esse: a confiança. A medicina oncológica tem muito o que evoluir para que a cura seja sempre o objetivo quando possível e o alívio, o conforto sejam uma certeza em 100% dos casos. Na relação médico e paciente, a confiança é o indicativo de que, de fato, estamos progredindo para humanização da prática médica.
*Felipe Teles é radioncologista, com MBA em gestão hospitalar e membro da Sociedade Brasileira de Radioterapia.