Dados do Censo Demográfico 2022 oferece estatísticas valiosas para os mais diversos setores da economia

Dados do Censo Demográfico 2022 oferece estatísticas valiosas para os mais diversos setores da economia

Por Juliana Hendges , diretora da Engaje Pesquisas

O avanço da tecnologia tem impulsionado o ritmo das mudanças em uma velocidade cada vez maior criando um cenário complexo e interdependente. Por isso é crucial que as empresas e gestores de marcas desenvolvam a habilidade de previsão estratégica, com a capacidade de antecipar o futuro lendo sinais que surgem ao longo do tempo. A Inteligência Artificial (IA), por exemplo, já se mostrava factual em 2010, ano em que alguns gigantes tecnológicos deram início a uma corrida discreta, despercebida por muitos, quando começaram a adquirir empresas de IA. Desde aquela época, Apple, Google, Meta, Microsoft e Amazon compraram, juntas, quase uma centena dessas companhias. Pois o Censo Demográfico 2022, liderado pelo IBGE, que recentemente divulgou dados estratificados, oferece um rico conjunto de estatísticas onde é possível identificar tendências valiosas para os mais diversos setores da economia. O estudo, atualizado a cada dez anos, traça um retrato detalhado do consumidor brasileiro, revelando mudanças significativas em sua composição e comportamento.

Os números mostram que a população cresceu e ficou mais experiente. Agora somos 212,6 milhões de habitantes, um aumento de 7,4% em relação ao Censo de 2010, mas menor do que o observado na década anterior, indicando uma desaceleração do crescimento demográfico do país. Esse ponto surpreendeu, pois era esperado um aumento mais expressivo. A idade média subiu de 30,8 anos para 33 anos. A proporção de pessoas com 65 anos ou mais passou de 7,4% para 10,7% nesses doze anos. O envelhecimento é resultado da queda da fecundidade e da elevação da expectativa de vida. Essa convivência de gerações também descortina oportunidades para as marcas que devem ter desenvoltura em oferecer produtos e serviços voltados para os idosos, como planos de saúde, turismo e lazer específicos, mas também algo que prenda a atenção dos jovens. Afinal, mesmo com a idade média subindo, o sinal de que a expectativa de vida está cada vez maior é muito importante, pois as marcas devem saber se comunicar com esses jovens, garantindo-os como clientes a longo prazo, moldando-se aos seus hábitos atuais, mas também nas mudanças que virão.

Veja a era de transformações pela qual tem passado a indústria musical, impulsionada pelas redes sociais, especialmente o TikTok. As músicas se tornaram mais curtas, com foco em refrões cativantes e danças virais, moldando como os novos sucessos são criados. Ao contrário das canções longas de décadas passadas, o momento atual exige hits concisos, geralmente até 30 segundos, pois a atenção fugaz do digital dita esse ritmo. Tanto é verdade que no lugar de um álbum completo, existem lançamentos constantes de singles e videoclipes. Nesse cenário, as pessoas, principalmente as mais velhas, se veem cercadas por um ambiente que valoriza o novo, o rápido e o efêmero, algo que pode gerar ansiedade e uma sensação de deslocamento temporal. A nostalgia, por outro lado, oferece um respiro, pois conecta a um tempo percebido como mais simples e menos saturado de informações. A música de uma década passada, um filme antigo e objetos que marcaram épocas são capazes de evocar sentimentos de aconchego e pertencimento. Essas memórias funcionam como âncoras emocionais que remetem a períodos da vida onde as relações pareciam mais tangíveis e os momentos mais autênticos. Curiosamente, a própria tecnologia que impulsiona a mudança constante, também facilita o acesso aos objetos nostálgicos. Plataformas de streaming oferecem bibliotecas extensas de músicas, filmes e séries do passado, por exemplo. Recordar o passado acaba sendo uma forma de reafirmar a identidade em meio à constante pressão para se reinventar e marcas que sabem usar esse gatilho ganham destaque.

Vemos claramente isso na Nestlé que colocou em prática estratégias envolvendo nostalgia, criando uma enorme conexão com o público e gerando ótimas experiências. A marca Surpresa foi sucesso nos anos 1980 e 1990, com a proposta de levar a temática animal com os bichos em relevo nas barras e com cards colecionáveis que vinham junto com o chocolate. Os cards traziam imagens de diferentes espécies de animais divididos por ecossistema. No verso, havia informações sobre nome científico, habitat, hábitos alimentares, reprodução e particularidades. A Nestlé lançou uma coleção de NFTs (sigla em inglês para non-fungible token, ou token não fungível, na tradução para o português. Um NFT é a representação de um item exclusivo, que pode ser digital – como uma arte gráfica feita no computador – ou física, a exemplo de um quadro) resgatando os cards nostálgicos do chocolate Surpresa para apoiar a ONG SOS Mata Atlântica. Foram dez artes originais e 40 réplicas vendidas entre R$ 25 e R$ 500. O valor arrecadado foi destinado à preservação do bioma. Inspirada nos cards de 1987, a iniciativa potencializou a presença da Nestlé na internet destacando seu compromisso com o meio ambiente. Como diferencial, a ação contou com a compensação de carbono, realizada pela Atmmos, empresa que desenvolve soluções integradas de compensação socioambiental. Isso significa que cada NFT gerado na rede consome energia e, por consequência, gera emissão de carbono. A partir do trabalho da Atmmos foi possível certificar que a coleção teve sua emissão de carbono neutralizada.

Rumo ao interior

Outro ponto significativo apresentado pelo Censo 2022 é o ganho de representatividade das cidades médias. Os municípios com 50 mil a 100 mil habitantes foram os que mais cresceram na última década. Pela primeira vez, a população das capitais diminuiu em relação ao censo anterior. Esse movimento pode ser explicado pela busca por moradias mais acessíveis e qualidade de vida em localidades menores. Por isso, as marcas devem repensar seus planos de concentração nas grandes metrópoles e considerar a expansão para cidades médias, além de atender necessidades específicas desses locais em suas estratégias de marketing e vendas. Foi exatamente o que a Lojas Renner já vem fazendo desde 2022 ao mirar a interiorização. A gigante do varejo de moda brasileiro, através desta estratégia visou alcançar novos consumidores e aumentar sua participação no mercado. Afinal, as cidades interioranas apresentam um crescimento populacional e econômico significativo para o comércio em geral. Além disso, a abertura de lojas em cidades menores permite que a Renner esteja mais próxima de seus clientes, oferecendo uma experiência de compra mais personalizada e acessível.

Impulsionadas pelo agronegócio, algumas regiões têm avançado, como são os casos de Joinville, em Santa Catarina, Londrina e Maringá, no Paraná. Essas cidades estão perto ou já ultrapassaram meio milhão de habitantes, agrupando uma variedade de comércio e serviços comparável à das capitais. Some-se a isso o fato que a renda média familiar mensal subiu para R$ 4.367,00, um salto de 7,4% em relação ao Censo 2010. A classe média ampliou sua participação na população, alcançando 49,7% dos domicílios. A classe alta também cresceu, mas em menor proporção, chegando a 10,7%. Já a classe baixa diminuiu para 39,6%. O maior poder de compra impulsiona o consumo de bens duráveis, viagens e serviços diferenciados. Com o aumento da renda familiar, as pessoas estão cada vez mais exigentes e oferecer um bom produto ou serviço já não é mais o suficiente. O consumidor quer se conectar com as marcas em uma jornada mais intencional, mais imprevisível e longe de ser linear. Uma pesquisa da Accenture mostrou que 83% dos brasileiros preferem comprar de companhias que defendem propósitos alinhados aos seus valores de vida.  Se uma marca se mantém neutra em temas relevantes para seu público, isso é um mau sinal, pois o mesmo estudo revela que os consumidores tiram de seu radar empresas que não se posicionam nessas ocasiões. Ainda que existam disparidades regionais e socioeconômicas a serem superadas, os dados do último censo demográfico revelam um avanço significativo no acesso à internet, fato que ajuda o consumidor a ficar mais informado. Praticamente nove em cada dez brasileiros (87,2% da população com 10 anos de idade ou mais) utilizaram a internet em 2022 e 93,4% fazem isso todos os dias. Outros destaques significativos são o uso de smartphones como principal meio de acesso (81,3%) e o fato de que dois em cada três idosos usam a web.

Como se nota, a batalha pela mente do consumidor tem como palco principal a internet, local onde não existem fronteiras. Em razão disso, há oportunidades em todas partes e uma busca constante por sinergia em toda a jornada de consumo, que, repito, não é mais linear. Os indicadores descortinados pelo censo demográfico brasileiro são poderosos e basilares nas estratégias de comunicação das empresas. Mas pesquisadores não apenas analisam números, pois buscam compreender as motivações, emoções e comportamentos que estatísticas tentam expressar. Essa abordagem empática permite uma interpretação mais profunda e significativa dos dados, transformando-os em insights que podem transformar negócios tornando-os mais eficazes e inovadoras. Ao entender as necessidades, desejos e problemas dos indivíduos de uma maneira mais holística, as empresas podem criar produtos, serviços, experiências e eleger representantes de marcas que realmente dialoguem com o público.

A era da Inteligência Artificial também trouxe consigo uma enxurrada de dados, mas é crucial lembrar que, no cerne de cada conjunto de indicadores, existem inúmeras histórias humanas esperando para serem descobertas, contadas e, quem sabe, até transformadas. A pesquisa, com seu equilíbrio entre análise quantitativa e compreensão qualitativa, oferece todas as ferramentas para torná-las públicas. 

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