A decisão de mudar.

Decidi contar a minha experiência após ver a perplexidade com a qual as pessoas reagem à minha decisão. Alguns me chamam de louco e outros de corajoso. Mas o que mais me espanta é que a maioria diz que jamais teria coragem de fazer algo semelhante. Com quase uma década de atraso tomei a decisão que julgo a mais difícil de minha vida até o presente momento. Eu e minha esposa sempre conversamos a respeito de passarmos uma temporada em outro país, mas nunca de fato fizemos nada de concreto nessa direção.

O que envolve uma decisão como essa para uma pessoa no auge da carreira em um emprego público estável, casado e com dois filhos em idade escolar? Primeiro a decisão de se licenciar de seu emprego abrindo mão não somente do salário, mas também do cargo comissionado e da carreira. Aos 37 anos de idade, ocupava um cargo relativamente alto na hierarquia e deixa-lo significa que ao voltar da licença terei que recomeçar alguns bons andares abaixo. Depois você precisa mexer com a vida das crianças. O que para mim é o mais preocupante. Um novo país, um novo idioma, novo sistema escolar e, principalmente, deixar os amigos para trás e construir novos laços de amizade. Essa é a parte imprevisível. Você pode se preparar o quanto quiser que o acaso estará a sua frente e você precisará contar com a sorte.

Confesso que não estava vivendo um bom momento pessoal em minha carreira. Já estava naquela fase, após quase uma década fazendo a mesma coisa, de se perguntar se deveria mesmo continuar a fazer aquilo. Não me sentia mais feliz nem realizado e as frustrações de se trabalhar com inovação em uma grande empresa pública estavam cada vez mais pesadas em meus ombros. Nos últimos anos eu passei a me sentir deprimido com o trabalho. Sabe quando você não precisa mais adquirir novos conhecimentos e habilidades para continuar fazendo o que é exigido de você? É triste.

Ao mesmo tempo, outras coisas legais estavam acontecendo em minha vida. Há alguns bons anos eu desenvolvi como hobby a paixão por vinhos e por seu mundo. Ao longo do tempo passei a viajar para conhecer vinhedos e vinícolas. Após me envolver em pequenas degustações promovidas por distribuidores e importadores em Brasília e São Paulo, comecei a procurar cursos e certificados. Com o tempo já estava dando palestras e conhecendo pessoas no mercado do vinho brasileiro e internacional.

Após uma viagem de férias conhecendo vinhedos e vinícolas no Piemonte e Toscana, conheci uma universidade bem no meio de Barolo e Barbaresco com um programa de Mestrado em Wine Culture, Communication and Management. A University of Gastronomic Sciences of Pollenzo é também a casa do Slow Food Movement e eu vi ali uma oportunidade única de mudar de vida e atrás do meu sonho. Então, em setembro eu apliquei para a seleção do mestrado e fui aprovado. Eu teria que estar na Itália em janeiro e tinha apenas três meses para cuidar de tudo.

Claro que nem tudo saiu como planejado. Mas hoje estou aqui estudando, feliz. Meus filhos estão se adaptando bem à vida no interior rural da Itália. Estão bem na escola e gozando de uma liberdade que nunca viveram no Brasil, ou seja, podem brincar livremente sem medo. E nós como família, não temos o estresse da preocupação constante com segurança. Fora um monte outras coisas negativas que nos adoecem em nosso dia-a-dia no Brasil.

Aqui não é tudo uma maravilha. A burocracia é absurda, os impostos também. Tem problemas como todo lugar: gente mal-educada, percebe-se preconceito interno entre norte e sul, drogas, gente em situação de rua etc. Mas estamos felizes de nos sentirmos seguros. Eu estou feliz de ver que existe vida além da segurança de um emprego público e que, mesmo que arriscado, vale a pena sentir o sangue correr novamente em minhas veias. No final é possível que minha decisão não tenha sido a mais acertada, mas com certeza foi mais importante toma-la que continuar com a sensação de estar apenas sub existindo.