DECISION BASED ON THE BOSS'S VIEW – DBBV
Diariamente, em diversas organizações das mais variadas áreas e tamanhos, decisões são tomadas com base no excepcional modelo de gestão “DBBV” - Decision Based on the Boss's View. Essa técnica permeia desde as menores às maiores e mais importantes decisões da organização, sempre garantindo que nada fuja aos olhos do controlador do negócio.
Com a introdução acima, e o que sentimos ao lê-la, duas coisas podem se mostrar verdadeiras: 1) termos estrangeiros ainda nos seduzem; 2) definitivamente ainda não compreendemos por completo o papel das pessoas nas organizações.
É fato notório que a pseudotécnica “DBBV” nada mais é do que uma invenção retórica cunhada com artifício de língua estrangeira apenas para exprimir a frase “Decisão Baseada na Visão do Chefe” e esta, por sua vez, em nada tem a ver com boas práticas de gestão. O que se busca com isto, na verdade, é chamar a atenção dos líderes de plantão que acreditam piamente que o fato de não serem contraditados ou mesmo de terem suas decisões seguidas à risca, ou ainda, por receberem constantes homenagens de seus funcionários, eles são os melhores e mais impressionantes “líderes / chefes / patrões / másters / gênios / etc.” da história. Entretanto, o que estes “hors concours” da gestão não compreendem é que: 1) decisões seguidas à risca, sem ponderações, ainda que eventuais, podem significar que você está rodeado de profissionais que não saberão lhe socorrer quando você precisar de mentes capazes para ajudá-lo em situações desafiadoras; 2) muitas homenagens podem representar: a) seus liderados estão com tempo de sobra para NÃO fazerem seus trabalhos durante o expediente, b) você está rodeado de bajuladores, que servem ao poder que você representa e, portanto, não lhe são fiéis.
Este cenário evidencia a esquizofrenia corporativa recente, que vem substituindo a competência e meritocracia pelo “politicamente correto” das relações interpessoais de trabalho, onde o que vale não é seu esforço, interesse, atitude ética e capacidade técnica, mas sua capacidade de dissimular essas competências. Pessoas com esse perfil se dizem sempre muito ocupadas e quando questionadas como foi seu dia, elas comumente respondem que “hoje eu praticamente não levantei da cadeira, tive tanto trabalho e sem contar que aquela assistente nova do almoxarifado é uma incompetente e me atrasou porque não sabia ler as etiquetas de estoque”. Se você já viu algo parecido antes, saiba, não é mera coincidência. O mundo corporativo, tanto público quanto privado, está eivado destes “profissionais”; sim, com aspas, pois este perfil em nada tem a ver com o sentido original do termo.
Ainda que este assunto não pareça guardar relação com a pseudotécnica da “DBBV” é possível demonstrar a força desta hipótese ao analisarmos o processo de “ezquisofrenização” (vai um neologismo?). Para tal, são necessárias duas análises distintas que visem explicar uma (de várias) possíveis origens deste fenômeno e posteriormente outra que demonstre como este fenômeno se propaga através da “complacência social” e/ou da “ausência de inibição dos grupos”.
Não obstante às infinitas possibilidades de origem, o que se defende aqui é tão somente resultado de observações objetivas, vividas em primeira pessoa, cumuladas à busca literária por compreensão dos fatos da vida por diferentes perspectivas. Portanto, toma-se por óbvio que não se espera esgotar quaisquer possibilidades que, porventura venham somar-se ao exposto. Deste aviso, procede-se a continuação.
Mais do que líder, um gestor deve ser senhor de si mesmo e é aqui, que a dinâmica da perversão do homem que lidera tem seu início. Para esclarecer esta afirmativa, faz-se relevante transcrever o diálogo entre Sócrates e Adeimantos sobre justiça e temperança, presente na obra “A República”, de Platão.
Sócrates: A temperança é uma espécie de ordenação, e ainda o domínio de certos prazeres e desejos, como quando dizem, não entendo bem de que maneira, “ser senhor de si”, e empregam outras expressões no gênero que são como que vestígios desta virtude. Não é assim?
Adeimantos: Exactissimamente.
Sócrates: Ora a expressão, “ser senhor de si” não é ridícula? Com efeito, quem é senhor de si será também, sem dúvida, escravo de si, e o que é escravo, senhor, porquanto é à mesma pessoa que se faz referência em todos estes casos.
Adeimantos: Pois não?
Sócrates: Mas esta expressão parece-me significar que na alma do homem há como que uma parte melhor e outra pior; quando a melhor por natureza domina a pior, chama-se a isso “ser senhor de si” - o que é um elogio, sem dúvida; porém, quando devido a uma má educação ou companhia, a parte melhor, sendo mais pequena, é dominada pela superabundância da pior, a tal expressão censura o facto como coisa vergonhosa, e chama ao homem que se encontra nessa situação escravo de si mesmo e libertino.
A partir deste diálogo, pode-se ponderar que o homem toma poder de si mesmo quando, através da moderação enquanto ordenamento e controle de alguns prazeres e desejos. Neste ponto, o que Sócrates evidencia é que a relação de poder, através do Governo, deve se dar por aqueles que representam a parte boa da cidade surgidos da temperança. Com isto, far-se-ia senhora de si a cidade cuja a melhor parte governa a pior por meio da temperança, fazendo-se, enfim, a justiça. Portanto, se o justo poder emana daquele que, por temperança, abdica de certos prazeres e desejos, faz sentido aceitar o inverso. Assim, todo poder exercido por homens que cedem aos prazeres e desejos, em grande parte à sua própria imagem por essencial orgulho, como no pecado descrito na obra “O Retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde, não passa de uma deformidade social que, por consequência, só resiste a partir da deformação moral do meio em que este poder é exercido. Assim, conclui-se que a perversão do líder se dá a partir do desequilíbrio de sua temperança e sua manutenção só é possível a partir da deformação moral dos agentes do meio.
A perversão do exercício do poder é facilmente verificada através da “avaliação do apego”. Ressalta-se que pessoas que criaram nichos de negócios e novas “economias” não cabem nesta análise, uma vez que o tempo para análise de rupturas de negócios, tecnologias e etc. para estes casos, não obedece aos critérios aqui expostos, bem como, por extensão, os casos de empresas familiares. Assim, tratamos da liderança outorgada, ou seja, daquela que é exercida mediante representação. A avaliação do apego, é tão somente o exercício de mensurar o tempo passado em determinada posição de comando dos líderes que conhecemos. É notório que as mudanças de comando são importantes para todas as organizações, até necessárias em certa medida. Como exemplo disto, temos os casos de grandes empresas em todo o mundo onde seus líderes não passam mais que 10 anos nos cargos, obedecendo a um ciclo saudável para a promoção da ruptura continua de gestão. Em termos futebolísticos, para fins didáticos, tem-se o exemplo de Pep Guardiola, que mesmo com uma trajetória vencedora no Barcelona deixou o comando técnico do time após 4 anos à frente da equipe. Quando a alternância de poder não é exercida, os líderes passam a vislumbrar o poder outorgado como sendo seu e, portanto, sentem-se merecedores de todos os benefícios possíveis advindos deste poder. A partir da perversão do líder, suas atitudes passam a buscar suas próprias garantias e este não enxerga mais a organização e seus liderados, mas apenas quando estes forem objeto de garantia do status quo. Disto, surge a segunda via de análise para compreendermos o “DBBV” a partir de sua propagação através da “complacência social” e/ou da “ausência de inibição dos grupos”.
Quando o líder perverte-se pelo poder, este só permanece se ao seu redor se colocarem seres de igual perversão, mas que em outra ordem mantêm-se abaixo deste, portanto a perversão destes se dá pela sujeição ao poder sem ver, de fato, o detentor deste. Estas pessoas comumente não têm formação cultural e ética suficientes para suplantar a perversão original e acabam por ceder a esta, seja por hábito de aceitar aquilo que se entrega como realidade, seja pela sensação de segurança ao seguir o grupo, uma vez que a responsabilidade de aceitar o inaceitável é diluída por todos os que fazem parte deste ecossistema. Nestas afirmativas temos, na primeira, a definição da complacência social e na segunda, a inibição dos grupos.
No meio corporativo, aqueles que pertencem à primeira categoria, normalmente são os primeiros a aderir à perversão do poder do líder e tomam a linha de frente no processo de ratificação e expansão da identidade de liderança de seu comandante. Esta categoria, classificada, portanto como complacentes sociais, é composta por pessoas que tem conhecimento de suas capacidades e que, portanto, sabem que o caminho que lhes garantirá ascensão (ou no mínimo sua permanência) no trabalho é a continua ação de comprazer, ou seja, de fazer a vontade do detentor de poder, de agradar ao poderoso, de condescender e mesmo transigir em favor deste. Estes colaboradores serão exímios julgadores e, normalmente pessoas que somente serão capazes de demonstrar feitos a partir da destruição de outros que eventualmente se coloquem à sua frente. Neste último caso, nem sempre se colocar a frente, significa atrapalhá-los, basta que alguém apenas desperte nele o incômodo de ver um trabalho bem feito, para que este sinta-se ameaçado em seu espaço e trate de, rapidamente, criar empecilhos que visem dificultar a obtenção ou apresentação dos resultados até que, em última instância, aquele que lhe causa incômodo saia, na sua percepção, de seu caminho.
Os pertencentes à segunda categoria são, normalmente, agentes de pouca expressão e geralmente são os primeiros a sofrerem as consequências de ações mitigatórias provenientes da má gestão de líderes pervertidos. Estes servem como escudo e são comumente sacrificados para a manutenção do status quo onde mantêm-se geralmente o líder e seus asseclas (estes, posicionados no primeiro grupo). Estas pessoas em geral não são proativas e comumente se acovardam diante da possibilidade de tomarem alguma decisão no âmbito corporativo. Portanto, suas ações são quase sempre motivadas pelo efeito da ausência de inibição nos grupos, uma vez que elas são incapazes de assumir a responsabilidade sobre seus atos aceitando agir apenas quando sua ação estiver à margem de outras pessoas, normalmente pertencentes ao primeiro grupo. É comum ver pessoas desta categoria reclamando dos colegas de trabalho, vitimando-se e colocando-se como alguém que está sofrendo injustiças e perseguições de outros funcionários. Comumente eles levam essas reclamações aos pertencentes à primeira categoria, constituindo assim uma linha de comunicação perversa que serve apenas aos propósitos daqueles que servem estritamente ao poder e por consequência retroalimenta a nociva percepção de gestão do líder corrompido.
E é a partir daqui que nossa compreensão nos permite identificar a origem da “DBBV”. Pois a parir do processo autoalimentado da esquizofrenia corporativa que gera e promove a perversão do poder representativo, tem-se que todo o processo decisório é baseado no medo de alteração do status quo, uma vez que os resultados da gestão não são suficientes para validar a continuidade do líder e seus asseclas. O fenômeno da “DBBV” nada mais é do que o resultado da tentativa a qualquer custo, da manutenção do poder nas mãos dos que, em vez de servirem ao próximo, servem apenas a si mesmos. Como resultado, o que se tem são crises de confiança e expectativa, pois toda a base econômica e social passa a ser pautada na mentira corporativa, subsidiada por resultados obtidos a partir de uma leitura errônea da realidade, conforme defendido no artigo “Indicadores: Ferramentas da Mentira Corporativa”. Não obstante, os heróis corporativos (ver o artigo “Os heróis Devem Cair”) acabam surgindo neste meio sem que sua real intenção seja percebida de imediato, pois são oportunistas que se preocupam apenas em vender-se como solução valiosa (e financeiramente cara à organização) sem buscar qualquer melhoria institucional que beneficie a todos.
É evidente que este cenário não representa um fim em si mesmo e que, portanto, não deve ser considerado a totalidade da realidade corporativa vigente, mas sim como uma evidência de que profissionais comprometidos e com formação técnica e ética superior, não se sujeitem ao estado de coisas e façam sua parte para a melhoria da perspectiva corporativa, tal qual como defendido no artigo “A Ascensão da Perspectiva”.
Rodrigo Mendes Carpina - Economista