(Des)aceleração e (Des)inovação: Repensando o Futuro no Rumo à Agenda 2030 da ONU

(Des)aceleração e (Des)inovação: Repensando o Futuro no Rumo à Agenda 2030 da ONU

O século XXI é marcado pela urgência. Não podemos mais ignorar o aquecimento global, a crescente desigualdade social, as ameaças à saúde e as disrupções econômicas que pressionam a agir rápido para alcançar as metas da Agenda 2030 da ONU.

No entanto, alarmismo por si só não resolve. Não deveria ser uma surpresa: o aumento da temperatura global já era previsto. Em janeiro deste ano, o Serviço Copernicus de Mudança Climática, da União Europeia, revelou que as temperaturas globais atingiram as maiores marcas registradas, superando a média pré-industrial em mais de 15°C.

O chamado à ação é claro: transformar o mundo em um lugar mais sustentável e justo demanda uma postura proativa de todos. Contudo, mesmo em uma emergência, é vital agir com calma. Precisamos refletir sobre a velocidade com que estamos respondendo a esses desafios. Será que a aceleração desenfreada é a melhor resposta? E, mais importante, será que essa pressa não está comprometendo a clareza, coerência e consistência das nossas ações?

Recentemente, durante um painel sobre o Futuro das Cidades, percebi que o debate era conduzido por pessoas brancas, para uma plateia branca. Qual inovação estamos discutindo? Aquela que beneficia sempre os mesmos grupos? Não podemos falar de inovação sem inclusão, tampouco de inovação tecnológica sem inovação social.

No mundo hiperconectado, a aceleração tornou-se sinônimo de progresso. Somos incentivados a adotar rapidamente tecnologias emergentes para não perder a "onda da inovação". No entanto, essa corrida pode resultar em decisões impulsivas e soluções temporárias que não atacam as causas profundas das crises, especialmente as sociais.

O conceito de (des)aceleração propõe uma pausa estratégica. Não é frear o progresso, mas refletir sobre o impacto das soluções adotadas. A desaceleração oferece a chance de avaliar o que funciona e o que não funciona, ajustando o curso quando necessário. Essa pausa para análise evita que iniciativas inovadoras se tornem modismos passageiros, incapazes de gerar mudanças duradouras e estruturais.

A (des)inovação critica o culto à novidade. Em vez de buscar incessantemente novas tecnologias, propõe-se aprimorar soluções existentes e valorizar saberes ancestrais, como os presentes em territórios indígenas, quilombolas e favelas. Muitas vezes, o mais inovador não é o novo, mas o aperfeiçoamento de práticas e tecnologias já comprovadamente eficazes. Essa abordagem foca na eficácia e na sustentabilidade a partir da inclusão e diversidade, não apenas na velocidade.

A coerência na inovação é essencial. Soluções modernas, muitas vezes, não se adaptam às realidades locais, gerando mais problemas do que soluções. Ao desacelerar, podemos garantir que a inovação esteja alinhada às necessidades reais das comunidades e do planeta, e não apenas ao status de "vanguarda tecnológica".

Para alcançar as metas da Agenda 2030, precisamos de ações consistentes, que contemplem o curto, médio e longo prazos. Soluções rápidas e fragmentadas, por mais bem-intencionadas que sejam, frequentemente não resistem ao tempo. Iniciativas que carecem de consistência geram frustração e perdem o apoio necessário para continuar.

Além disso, é indispensável garantir que nossas ações estejam alinhadas com os princípios de sustentabilidade. Promover práticas inovadoras em um setor, enquanto outro opera com padrões ultrapassados e nocivos, é contraproducente. A inovação sustentável requer uma visão holística, onde todos os setores da sociedade estejam em sintonia com os objetivos de preservação ambiental e justiça social.

O grande paradoxo que enfrentamos é que, enquanto precisamos de urgência para cumprir as metas globais, também precisamos desacelerar o suficiente para garantir que nossas ações tenham clareza, coerência e consistência. A urgência mal gerida pode levar a erros fatais e desperdício de recursos.

Ao adotar uma postura de (des)aceleração e (des)inovação, podemos redefinir o caminho para o progresso, equilibrando avanço tecnológico e social. Precisamos de soluções ponderadas que considerem o impacto no planeta e nas pessoas. Esse equilíbrio entre urgência e reflexão pode ser a chave para um futuro mais justo e sustentável.

O desafio está lançado: cumprir a Agenda 2030 requer ação rápida, mas com cabeça fria, mesmo em tempos para lá de quentes. Acreditar nos conceitos de (des)aceleração e (des)inovação pode nos levar a um novo modelo de desenvolvimento, um que não sacrifique a sustentabilidade socioambiental em nome da pressa.

 

Laís Guerra

Advogada | Previdência Complementar | LGPD | Privacidade | Proteção de Dados

3 m

Achei interessante a proposta supostamente na contramão do que tem acontecido, essa velocidade acelerada de tudo. Me veio à mente a necessidade de adequar a velocidade das mudanças também a saúde mental das pessoas. Afinal, mudanças requerem um tempo para ajustes. As ideias tem seu tempo de lapidação para aplicação. Pular essas etapas pode ser um caminho perigoso. Faz muito sentido!

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