Desafios em implantar um Modelo de Governança Corporativa em um Processo de Integração de Companhias

Desafios em implantar um Modelo de Governança Corporativa em um Processo de Integração de Companhias

Dentre os desafios mais árduos que já enfrentei em minha carreira, está a integração de uma empresa à outra. Conseguir que duas organizações antes separadas – algumas vezes concorrentes e com posicionamentos distintos de mercado – passem a operar com a mesma estrutura de gestão e governança é um passo crucial para o sucesso futuro do novo negócio.

A implementação de um modelo de governança corporativa é um dos principais alicerces para a longevidade e o sucesso sustentável de qualquer organização, principalmente quando em processo de fusão, pois traz transparência, a responsabilização dos stakeholders e estruturas de negócio e reforça a confiança sobre a direção das decisões tomadas. No entanto, o processo de implantação da governança corporativa enfrenta uma série de conflitos de interesses nesta fase de integração das companhias, que exigem atenção e planejamento cuidadoso.

1. Alinhamento de Interesses e Sinergias

Um dos primeiros desafios é o alinhamento de interesses entre os diferentes stakeholders. Nas fusões e aquisições, é crucial identificar e quantificar as sinergias operacionais e financeiras esperadas, além de avaliar quais áreas ou pessoas possuem mais qualificações ou diferenciais competitivos. É importante trazer o melhor dos dois universos antes separados para uma estrutura única. A falta de uma comunicação clara e eficiente pode gerar conflitos e atrasos no processo de integração, com a evasão de colaboradores chave e ruptura dos processos de negócios. Portanto, um plano de comunicação deve ser estabelecido desde o início para manter todos os stakeholders informados, alinhados e engajados. Esse plano deve incluir instrumentos de transparência como fóruns para discussão de temas sensíveis e um modelo de tomada de decisão com regras claras e critérios bem definidos.

2. Integração Cultural

Outro desafio significativo é a integração cultural, especialmente na fase imediata após o fechamento do negócio. Cada organização tem sua própria cultura e valores, e a fusão dessas convicções pode ser complicada, quanto mais tempo levar para criar uma nova visão de cultura organizacional única, mais difícil e mais lento será o processo de integração e obtenção das sinergias. Promover um ambiente de trabalho colaborativo e mesclar times oriundos de cada organização é essencial para o sucesso da integração. Programas de integração que incluam atividades de promoção de espírito de time, podem ajudar a moldar a cultura organizacional de forma alinhada ao propósito da organização. Promovendo encontros frequentes com objetivo de entregar ou formular projetos, e ainda, comunicação com as lideranças para propagar os valores e o propósito são fundamentais. Além da promoção destas ações de gestão da mudança, é indispensável, o alinhamento do modelo de incentivos e de avaliação de performance aos aspectos de cultura a serem propagados na prática e medidos. Buscar recompensar atitudes que se identifiquem com a cultura no dia a dia é um modelo de alta efetividade.

3. Alinhamento de Processos e Sistemas

A padronização dos processos de negócios é crítica para evitar redundâncias e melhorar a eficiência. Durante a implantação de um modelo de governança, é necessário revisar e alinhar os processos existentes, além de comunicar claramente os indicadores de processos e de sucesso do negócio. A integração dos sistemas e plataformas de tecnologia das empresas envolvidas é crucial para garantir a interoperabilidade e a segurança dos dados, dentro dos padrões e normas regulatórias.

4. Estrutura de Governança

Definir uma estrutura de governança clara é fundamental. Isso inclui a composição do conselho consultivo ou de administração, e comitês de auditoria, riscos e compliance. Segundo o Manual de Melhores Práticas do IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa , um conselho bem estruturado deve incluir membros independentes, com diversidade de habilidades e experiências, para garantir uma supervisão eficaz. Deve-se levar em consideração o modelo de fusão realizado e a negociação entre os controladores originais das companhias. Por exemplo, se houver a previsão de convivência dos controladores originais dentro da estrutura de gestão, e os motivadores da transação forem outros além da expansão imediata do tamanho de mercado, pode ser interessante ter a presença dos controladores originais para mitigar impactos negativos e maximizar os positivos no processo de fusão. Para obter um bom equilíbrio entre interesses e estabilidade de negócios e mediar discussões técnicas, um membro com vasta experiência na condução de integrações entre organizações deve ser considerado como um membro independente.

5. Políticas e Procedimentos

A revisão e implementação de políticas e procedimentos que promovam transparência, responsabilidade e equidade é outro desafio. Essas políticas devem ser claras e bem comunicadas a todos os níveis da organização. O IBGC destaca a importância de políticas de conduta ética e compliance, que são essenciais para manter a integridade e a reputação da empresa.

6. Gestão de Riscos

A implementação de um framework de gestão de riscos é vital para identificar, avaliar e mitigar riscos significativos. Estes riscos podem incluir a perda de controle temporário das operações por uma migração sistêmica, evasão de colaboradores, mudanças de localização da sede, ou transições financeiras. A governança corporativa eficaz envolve a criação de processos e sinalizadores para monitorar e gerenciar riscos continuamente. O IBGC recomenda a criação de comitês de riscos que reportem diretamente ao conselho.

7. Capacitação e Treinamento

Capacitar a alta gestão e o conselho de administração sobre práticas de governança corporativa e suas responsabilidades é fundamental. Programas de treinamento contínuos ajudam a assegurar que todos os envolvidos compreendam suas responsabilidades e estejam atualizados com as melhores práticas e regulamentações. Em um programa extenso de integração, o plano de capacitação deve tratar de desdobrar os conceitos e modelo de governança até as estruturas mais operacionais.

8. Monitoramento e Avaliação

Estabelecer mecanismos de monitoramento e avaliação contínua da eficácia da governança corporativa é crucial. Isso inclui auditorias internas e externas, bem como a avaliação regular da performance dos conselhos e comitês. Esses mecanismos também devem existir no dia a dia da operação, auxiliando na rastreabilidade de potenciais riscos e desvios de rota.

Maturidade da Administração

A maturidade da administração da organização é um fator determinante na adoção e eficácia de práticas avançadas de gestão e governança. Organizações com uma administração mais madura tendem a estar mais preparadas para absorver aparatos mais complexos de governança e se beneficiar disso. Porém, a adoção de práticas muito complexas pode drenar esforços operacionais ou gerar mais confusão do que benefícios em organizações ainda em estágios menos maduros. Portanto, o modelo de governança deve ser adaptado ao momento da organização, evoluindo conforme a organização esteja mais preparada e necessite de um arcabouço mais robusto. A evolução envolve lidar proativamente com a gestão de riscos e manter um alto nível de transparência e responsabilidade. A maturidade administrativa facilita a incorporação de práticas de governança que vão além dos requisitos básicos, promovendo uma cultura organizacional resiliente e inovadora.

Conclusão

Organizações em processo de fusão, necessitam de mecanismos de governança robustos. A implantação de um modelo de governança corporativa é um processo complexo e multifacetado que enfrenta diversos desafios. No entanto, com um planejamento adequado e a adesão aos fundamentos, princípios e pilares de governança corporativa, conforme delineado pelas melhores práticas, as organizações podem superar esses obstáculos. Uma forma muito efetiva de obter sucesso na integração e na implantação de um modelo de governança único para a nova organização, estão:

  1. A presença de um membro independente no conselho com experiência em integrações para indicar as melhoras rotas a jornada de integração
  2. A estruturação de um comitê de integração, respondendo diretamente ao conselho com acompanhamento periódico da integração e seus desafios
  3. A liderança deste membro experiente sobre o comitê de integração

O resultado é uma empresa mais transparente, responsável e resiliente, capaz de sustentar seu crescimento e bem-sucedida na execução de suas estratégias de mercado.

Carla D'Aprile

CEO | COO | Conselheira Consultiva

1 m

Texto muito bem elaborado sobre os desafios e complexidades envolvidos na integração de duas empresas, Frederico Marquezini. Concordo que a governança corporativa é um elemento-chave para o sucesso sustentável dessa transição, bem como a maturidade da administração ao adotar  boas práticas de governança. Uma fusão bem-sucedida, com governança robusta, criará uma organização resiliente.

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