Desconformidade não é um mal
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Desconformidade não é um mal

Faz tempo não escrevo sobre gestão e liderança, mas hoje, lendo um artigo sobre esse tema, resolvi tratar sobre algo que sempre me incomodou nas culturas empresarias pelas quais passei ou com as quais me deparei ao longo da jorna profissional como advogada corporativa: a contradição entre a expressão vulgarmente usada “pensar fora da caixa” e a real situação em que os gestores deixam que seus geridos e demais colaboradores da empresa pensem por si, externem suas verdadeiras visões, sob as ópticas do que pensam, de quem são, de seus valores e das suas sugestões de acordo com seus pontos de vista.

É fácil e usual verificar nas empresas, em especial nos departamentos jurídicos, o pedido de que os advogados devem desenvolver novos modelos mentais (e, por consequência, modelos de documentos) que ajudem o cliente interno a alcançar seus objetivos negociais e corporativos.

Até aí, nada novo e algo com o que estou plenamente de acordo, haja vista o que já escrevi anteriormente sobre a reinvenção do advogado, seu papel e suas atribuições nesta nova sociedade designada de 4.0. Temos e devemos sempre exercitar o pensar avante, usar nossos modelos para deles extrair comportamentos e padrões e confrontá-los, realmente testá-los à luz das mudanças e necessidades que a sociedade moderna tem.

O grande problema ou ponto nevrálgico se avulta quando vemos que esses mesmos clientes internos, que igualmente são gestores de áreas, ou pior, o gestor maior do departamento jurídico usa o falatório desse “pensar fora da caixa”, mas impedem que os geridos ajam de acordo com suas convicções, para ser o mais simplista possível.

Assim, pedir a um gerido da equipe jurídica para fazer um novo modelo de contrato por conta de uma nova negociação pode, mas quando se quer trazer quer para o novo modelo de contrato quer para a forma ou a mecânica de como ele pode ser feito, gerido, aplicado, assinado, registrado, arquivado etc., daí não pode, pois estamos afrontando regras e procedimentos internos.

Ora, as normas e os procedimentos não são padrões que devem ser postos pura e simplesmente a engessarem as atividades pensantes dos que a eles se sujeitam. Eles são guias de atuação sim, mas podem e devem ser melhorados, afrontados e confrontados com a realidade diária e com as vivências, os pontos de vista e as sugestões de todos os colaboradores.

Numa sociedade onde a tecnologia incansavelmente nos joga na cara o pecado e o custo de ficarmos presos a padrões de pensamento e, em consequência, de tomadas de atitudes medíocres, impraticável que qualquer gestor (que se diz líder) deixe que um modelo de processo não seja revisitado por conta de que “é o padrão da empresa”.

Temos que permitir que os colaboradores possam expor seus sentimentos, suas capacidades mentais, reproduzidas em ideias e sugestões de melhoria de forma positiva, aberta e franca, sem que isso implique dizer ou reconhecer que poderá haver uma represália a tais pensamentos ou atitudes discrepantes do “padrão”.

Pensar de forma contrária, incutindo uma sensação de medo nos colaboradores só de pensarem em abrir a boca para questionar é, no mínimo, uma afronta e contradição ao conceito de liderança e, portanto, vem na contramão do que se espera em termos de inovações (que não são apenas tecnológicas).

Questionar o formato de uma área e sua divisão ou organização grupal (os famosos organogramas de equipes); colocar os cargos e as funções alocados a cada colaborador da equipe sob uma lupa, de modo a verificar quem e o que estão divididos da melhor e da mais producente e eficaz maneira; revisitar modelos de negócios e modelos de documentos; ajustar processos e procedimentos internos; enfim, ajustar as peças da engrenagem (como gostam de usar nas corporações) é algo que deve ser exigido e não vetado.

Cada colaborador tem sua história de vida pessoal e profissional, bem como seu modo de se comportar e de ver o mundo e as atividades de uma forma e ângulo, o que enriquece o mundo da convivência. Ninguém é dono da verdade e não pode ser assim num mundo corporativo no qual, justamente, o que se deve valorizar é a diversidade.

Se um chefe ( não se pode chamar de líder), por exemplo, sequer aceita rediscutir com um gestor de equipe um novo organograma e divisão de trabalho e dos membros, mediante a possibilidade de revisitar atribuições/funções, cargos e alocações dos mesmos, é porque estamos apenas no mundo das ideias e das “boas palavras” para cumprir protocolos, longe da real percepção de valores nas diversidades de forma de pensar, sentir e entender os ares ao seu redor, em prol de um interesse coletivo.

O mesmo se pode dizer quando não se aceitam ou acolhem opiniões diversas em reuniões de trabalho, pelo simples fato de julgar que a sua é sempre a melhor, porque você tem mais tempo de experiência profissional e pessoal, ou porque, para ser pior, você é quem tem a palavra final e, portanto, o poder hierárquico para definir.

Enfim, este artigo é para fazer reflexionar cada um que faz gestão humana em qualquer nível corporativo, de forma a passar a rever conceitos e pré-conceitos arraigados, no sentido de que processos e regras internas não são para serem simplesmente acatados e seguidos, sem questionamento.

Somos seres pensantes (...) e devemos usar sempre essa característica com a qual somos dotados em prol de ouvirmos e avaliarmos as diferentes opiniões alheias, ainda que sejam (e principalmente que sejam) contrárias às suas. É salutar e, acima de tudo, é essencial, para que se mantenham as pessoas motivadas, acesas, vivas! Sem isso, se morre e se mata pouco a pouco um bom profissional.



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