Desvendando a Ilusão de Compreensão — Um Exercício Mental Baseado no Ciclo PDCA

Desvendando a Ilusão de Compreensão — Um Exercício Mental Baseado no Ciclo PDCA


Publicado originalmente no Provocative.one. Acesse: é de graça.

Você já se pegou pensando que uma palavra que utiliza diariamente — como “estratégia”, “inovação” ou “agilidade” — pode não significar exatamente a mesma coisa para as outras pessoas? Quando nos comunicamos, há uma crença implícita de que entendemos mutual e perfeitamente, mas e se eu te dissesse que, na maior parte do tempo, estamos apenas nos aproximando de um consenso ilusório? Essa é a essência de um conceito que chamei de Erosão Semântica em meu ensaio anterior “Empatia: a Peça Faltante no Quebra-cabeça da Comunicação”.

Hoje quero ir além e te convidar a participar de um exercício mental comigo. Vamos explorar como essa ilusão de compreensão se desenrola nas organizações e como podemos usar o princípio do PDCA — uma abordagem clássica de gestão que muitos conhecem como Plan-Do-Check-Act — para estruturar um ciclo de comunicação mais eficaz.

Fase 1: Planejar — O Desafio das Definições

Quando falamos de planejamento, a maioria pensa em objetivos, prazos e alocação de recursos. No entanto, em termos de comunicação, planejar é definir claramente os termos que usaremos. Imagine que você está participando de uma reunião onde todos concordam em ser “mais ágeis”. Até aqui, parece haver consenso, certo? Errado. Se você não se perguntar “O que significa ‘ágil’ para cada um de nós?”, acabará gerando um cenário onde cada pessoa age com base em um entendimento diferente.

No meu ensaio, eu usei a metáfora da “Sala do Eu”, onde cada um de nós habita um espaço repleto de memórias e experiências que moldam nossas percepções. Ao definir termos vagamente, estamos trocando peças de quebra-cabeça que não se encaixam. Para evitar isso, devemos começar pela construção de um glossário comum — uma prática de planejamento semântico.

Fundamentação Teórica:

Segundo Ludwig Wittgenstein, em Investigações Filosóficas, o significado das palavras está em seu uso em um contexto específico. Wittgenstein propõe que os mal-entendidos surjam quando aplicamos as mesmas palavras em contextos diferentes, como se elas tivessem um significado universal. Por isso, o primeiro passo é sempre definir o contexto compartilhado.

💡 Exercício para Você: Antes de avançar para a próxima etapa, escolha um termo usado frequentemente no seu ambiente de trabalho (ex.: “eficiência”, “sustentabilidade”). Agora, pergunte a três colegas: “O que essa palavra significa para você?”. Liste as respostas e observe como cada uma delas carrega nuances distintas. Esse é o seu ponto de partida para o Planejar.

Fase 2: Desenvolver — A Erosão Semântica em Ação

Após definir os termos, passamos para a execução: comunicar a mensagem e implementá-la na prática. No ciclo PDCA, essa é a fase “Do”. Aqui é onde a mágica (ou a confusão) acontece. Se a fase de planejamento não foi bem feita, mesmo um conceito aparentemente claro começa a se distorcer conforme é comunicado para diferentes camadas hierárquicas.

No estudo de caso do Projeto Fênix (uma simulação que desenvolvi para ilustrar este exercício), a CEO da Nexus comunica a iniciativa de Agilidade Organizacional. No entanto, à medida que a mensagem desce pelos níveis hierárquicos, cada camada interpreta “agilidade” de forma diferente. Você consegue visualizar? A Diretora de RH fala em flexibilidade, o Engenheiro vê como iterações curtas, e o Financeiro como cortes de custos. É aqui que a Erosão Semântica começa a se manifestar.

Fundamentação Teórica:

O psicólogo cognitivo Steven Pinker descreve esse fenômeno em termos de Ilusão de Transparência: a tendência de acreditar que nossas intenções são mais claras do que realmente são. Pinker sugere que, ao comunicar, precisamos constantemente verificar se a interpretação do outro corresponde ao nosso objetivo original.

💡 Exercício para Você: Imagine que você é a CEO da Nexus e que seu objetivo é implementar um novo conceito de “inovação”. Crie um roteiro mental: como cada líder da organização pode entender essa mensagem de maneira diferente? Quais distorções seriam adicionadas? Construa um “mapa de erosão” e identifique os pontos onde o significado se perderia.

Fase 3: Checar — Validando a Compreensão Mútua

No PDCA, o “Check” é o momento de verificar os resultados e ver se o desenvolvimento está conforme o planejado. Em comunicação, essa é a fase mais negligenciada. A maioria de nós presume que “se não houve perguntas, todos entenderam”. Mas silêncio não é sinônimo de entendimento.

Quando Carlos, no exemplo do meu ensaio, recebe as peças de quebra-cabeça de Bia, ele tenta encaixá-las com suas próprias experiências. Mas como ele sabe se está montando a imagem correta? Ele precisa validar constantemente com Bia. No mundo corporativo, isso se traduz em criar ciclos de Feedback Recíproco, aonde cada parte verifica como a mensagem foi recebida e compreendida.

Fundamentação Teórica:

A abordagem de Verificação Mútua é amplamente estudada em modelos de comunicação organizacional por Jeff Gothelf, que a explora no conceito de Sense & Respond. A ideia é que a comunicação não é um evento estático, mas um ciclo dinâmico onde cada resposta deve ser avaliada e reajustada.

💡 Exercício para Você: Após comunicar uma decisão ou conceito, peça ao receptor para reformular o que entendeu. Esse simples exercício revela lacunas e pontos de distorção que não seriam evidentes apenas pela observação.

Fase 4: Agir — A Implementação de um Novo Ciclo de Significado

Por fim, chegamos ao “Act” do PDCA. Esse é o momento de agir com base nas lições aprendidas e ajustar o processo de comunicação para reduzir as distorções. No contexto do Projeto Fênix, isso significaria revisar o glossário de termos e criar novos canais de comunicação, focados na verificação contínua de significado.

Fundamentação Teórica:

O filósofo Paul Grice, em sua teoria dos Princípios de Conversação, defende que a eficácia comunicativa depende de quatro máximas: qualidade, quantidade, relevância e clareza. Qualquer violação desses princípios resulta em mal-entendidos e na necessidade de ajustes contínuos. Portanto, o agir não é apenas corrigir, mas replanejar a comunicação com essas máximas em mente.

💡 Exercício para Você: Revise um projeto recente em que houve falhas de comunicação. Identifique em qual fase do ciclo PDCA o problema começou (Planejamento, Desenvolvimento, Checagem ou Ação) e quais mudanças você implementaria para evitar que a Erosão Semântica ocorra no futuro.

Conclusão: Criando uma Cultura de Significado Compartilhado

Em última análise, comunicar não é apenas transmitir informação. É co-criar um entendimento onde cada interlocutor deve estar disposto a reavaliar suas próprias suposições. Assim como no PDCA, a comunicação efetiva é um ciclo de ajustes e validações constantes. O desafio está em transformar a ilusão de compreensão em uma realidade de significados compartilhados — e isso requer planejamento, desenvolvimento, checagem e ação contínuos.

Vamos começar? Identifique um termo no seu vocabulário corporativo e inicie esse ciclo agora mesmo!


Apêndice de Referências

Este apêndice contém todas as referências mencionadas no artigo, proporcionando a oportunidade de verificação e aprofundamento dos conceitos discutidos.

  1. Ludwig Wittgenstein — Investigações Filosóficas Wittgenstein explora o significado das palavras e a importância do contexto em que são utilizadas, destacando como as palavras ganham diferentes significados em diferentes situações.
  2. Steven Pinker  — Ilusão de Transparência Steven Pinker discute a tendência de acreditarmos que nossas intenções são mais claras do que realmente são, causando falhas na comunicação.
  3. Jeff Gothelf  — Sense & Respond Gothelf explora o conceito de Sense & Respond no contexto de gestão e comunicação, propondo um modelo de comunicação contínua e adaptativa.
  4. Paul Grice — Princípios de Conversação Grice apresenta suas máximas de conversação (qualidade, quantidade, relevância e clareza) como ferramentas essenciais para garantir a eficácia comunicativa.
  5. Ronaldo Arrudas — “Empatia: a Peça Faltante no Quebra-cabeça da Comunicação” Meu ensaio anterior, onde introduzo a metáfora da “Sala do Eu” e exploro o papel da empatia na construção do significado compartilhado.
  6. Tirinha Original de SMBC Comics — A Limitação da Linguagem e a Ilusão do Significado Uma tirinha provocativa que ilustra como a linguagem pode nos enganar, nos fazendo acreditar que entendemos conceitos que, na verdade, permanecem superficiais.

Este apêndice serve como um recurso para aprofundamento e oferece aos leitores a possibilidade de verificar cada conceito em seu contexto original, ampliando o entendimento das ideias apresentadas no artigo.


P.S.: Ficarei muito feliz e lisonjeado se você quiser me comprar um café.

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