Devolvam as caixas!
E o que isso tem a ver com IE e orientação para resultados
Nas últimas semanas tenho me deparado com algumas experiências um tanto vintages e percebi que estou convictamente desacreditando na máxima de “pensar fora da caixa” como a panaceia para resolver os problemas da humanidade.
Tive a oportunidade de realizar uma aula em conjunto com o professor Daniel Goleman, PhD, o que foi a maior honra de minha trajetória profissional. Me dedico há anos ao estudo e ensino de inteligência emocional e foi indescritível a experiência de aprender com o mestre em IE. Um dos temas que levantou interesse foi a competência de Orientação para Resultados (Achievement Orientation), presente na dimensão de Autocontrole e uma das que compõe o modelo de competências socioemocionais (ESCI), que utilizamos na @conexaoIE em nossos trabalhos de desenvolvimento emocional nas organizações.
Entre colegas, refletíamos nos bastidores que a ansiedade das pessoas em inovar acaba gerando uma outra ansiedade, ainda maior, que é a de não conseguir capturar os ganhos e melhorias projetados em reuniões de time regadas a muita endorfina, serotonina e dopamina para estimular a criatividade dos participantes. Com esse papo em mente decidi escrever sobre elas: as caixas.
Entendo nosso medo delas. Elas confinaram por muito tempo a cabeça das pessoas, especialmente nas empresas. O sujeito se formava em alguma especialidade em 1970 e carregava pela carreira afora as mesmas bases para suas atividades. Ele não se renovava, passava apenas por atualizações cosméticas. É certo que houve o desafio da introdução dos sistemas digitais, mas, de resto, acreditava-se que já havia conhecimento sobre sua área e não se ousava pensar além do conhecimento formal.
Esses caras eu vi nos anos 90, quando cheguei ao mercado de trabalho, especialmente no âmbito industrial. Eles navegavam nos mares da Qualidade Total, sabiam fazer análise GUF e trabalhavam em ciclos PDCA. Tinham uma rotina rígida, usavam camisa, gravata e sapato, não imaginavam o que eram sapatênis. Para uma pessoa de “humanas”, como eu já era na época, era um pesadelo estabelecer um diálogo amplo e subjetivo com essa pessoa. E por isso mesmo achei interessante mergulhar no mundo objetivo e lógico que eles me apresentavam. Foi necessário para eles que algum consultor maluco-beleza lhes dissesse que era possível extrair possibilidades de uma “chuva de palpites”. Então eles até se encantaram com o primeiro brainstorming, quando descobriram que tinham coisas para conversar com outras áreas como marketing, engenharia ou P&D.
Depois soube que a vida deles mudou em uma imersão que fizeram pela empresa, no início do milênio. Foi quando eles acreditaram que o mais importante era assumir seu relacionamento com o novo como algo definitivo. E as empresas queriam criativos nessa época. Hoje esses caras estão aposentados, tornaram-se empreendedores e soube que até alguns mudaram para o exterior. Saíram do circuito. E teve um que até virou mentor para startups.
Agora vamos a mais fatos, e cito aqui apenas três exemplos recentes entre tantos que me fizeram acreditar na necessidade do retorno das caixas. O primeiro deles foi a finalização de minha tese de doutorado. E deixe-me explicar de forma sucinta o que é isso. Uma tese é uma ideia que você desenvolve como se fosse uma massa de macarrão, espichando e espichando até ganhar mais de cem páginas. Enquanto isso você recorta, conforma e ajeita até completar quatro estudos independentes e bem quadradinhos, todos construídos sobre a mesma massa inicial. O processo todo leva quatro anos de sua vida. São muitas caixas de confinamento de ideias. O mais importante é manter a constância de propósito: chegar num produto final. E assim se constrói uma página por vez. Nem preciso dizer da imensa sensação de liberdade em empacotar a entrega e salvar em pdf.
O segundo fato foi a realização de uma aula filmada para um público EaD. Esse outro processo envolveu fisicamente uma caixa: desenhada no chão. Era minha área possível de movimentação, que gentilmente apelidei de “cercadinho”. Ali deveria eu, por três horas e meia, espichar o tema da disciplina e explicá-lo aprofundadamente, tendo por base minha própria explanação e conhecimento a respeito, pelo tempo que tinha. Isso implicou em pouca interação com a turma, a quem recorri para uma ou outra provocação. A ideia era que os alunos on-line pudessem compreender sem que se usassem dinâmicas livres, ou seja, à moda de uma aula bem tradicional. A diferença é que estava sendo filmada. Nada que os manuais de andragogia (educação para adultos) recomendariam, refleti eu em seguida. Era uma coisa meio quadradinha. Mas o fundamental era seguir uma programação e cumpri-la.
O último fato que trago aqui em destaque ocorreu durante uma atividade de team building com clientes de coaching sistêmico, especialistas em projetos. Em dado momento percebemos que era necessária uma definição mais clara de papéis e responsabilidades dos membros da equipe. Algo que se recomendava fazer nos anos 70, durante a construção de um time, como primeira etapa do trabalho. No final da atividade uma das integrantes comentou: “não sei como estávamos conseguindo trabalhar sem ter isso estabelecido”. O que ela queria dizer é que estabelecer as primeiras regras de convívio e as premissas para a tomada de decisão são questões fundamentais para qualquer composição de equipe, valendo isso especialmente para times que se orientam por projetos com início, meio e fim.
O que quero dizer é que talvez tenhamos jogado o pêndulo demais para o lado da criação e estamos deixando pouco espaço para a organização, planejamento sistêmico, visão de processo. Ou como diz um cliente meu: “temos muitas iniciativas e poucas acabativas”. Na onda dos métodos ágeis, da gestão por post-its, da produção forever-beta e das equipes auto gerenciáveis, ficamos entusiasmados com as reuniões de concepção e exploração de possibilidades e saímos abatidos e sem vontade de efetivamente “confinar” nosso tempo à simples missão de executar. Aliás, sou do tempo em que chamávamos os gestores de time de “executivos”. Coisa que está fazendo falta.
Esse nome vinha justamente da capacidade de agir, decidir e realizar. Cuidavam do business não apenas definindo uma visão de futuro, mas conduzindo a organização pelo caminho ou estratégia definida para concretizar essa visão. Assim, o que entendo serem possíveis “caixas”, são métodos estruturados de entendimento, ferramentas de gestão que permitam a priorização dos temas tratados, conduzam a decisão do time e orientem a ação. Assim como plantas, antes de crescermos é importante termos um container, uma base, sobre a qual as primeiras soluções se desenvolvem. Depois é só seguir em direção à luz.
Para expandirmos fora da caixa é preciso ter tido uma caixa para fincar nossas raízes e retirar os recursos para nutrir as ideias. Preservar essa porção de terreno fértil é tão importante quanto inovar.
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5 aAlessandra Gonzaga, Ph.D. Excelente abordagem! E cada um que ler, terá uma sensibilidade despertada, de acordo com suas vivências e realidade... Eu, cito criatividade e organização. Para que uma exista, não é preciso voltar as costas para a outra. Muito pelo contrário! Juntas, ganham força e expressão. Ocorre, que toda técnica, por mais brilhante que seja, envolve pessoas. Essas, são ou não reativas a propostas...ou seja, infelizmente, nem toda técnica é aplicável a todos os grupos...temos de encontrar os caminhos e é nesse momento que nossas bases se destacam, pela segurança na referência. Grande abraço!
Ótima reflexão!!
Facilitador Especialista em Desenvolvimento Comportamental com o propósito de potencializar as relações humanas para resolver os problemas das empresas. Membro da IAF (International Association of Facilitators).
5 aAlessandra Gonzaga, Ph.D., ótima reflexão. Equilíbrio pode ser a palavra...
Especialista em Treinamento Profissional/Liderança/Carreira Palestrante / Docente / Analista Comportamental
5 aMuito interessante seu texto e no momento que estava, suas palavras me levaram ao inicio de minha carreira profissional como Engenheiro de Produção e implantando os Programas de Qualidade. Bem assim como você falou, tínhamos que ter muita acabativa, mais transpiração do que inspiração. Não se falava em caixinha, IE ou coisa parecida estamos em pleno desenvolvimento. Hoje tem-se muita inspiração e pouca transpiração, mais metas, menos resultados. Daí eu faço uma provação? Será que neste momento quando se pensava dentro da casinha deixou algo à ser pensado fora da casinha? Abraço!